Viagens presidenciais: a mesma norma do Parlamento tem suscitado interpretações distintas

Agência Lusa , WL
23 nov 2022, 14:19
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (Lusa/Paulo Cunha)

A norma constitucional que obriga ao assentimento do parlamento para os presidentes da República viajarem para o estrangeiro tem merecido interpretações diferentes não só dos partidos como dos próprios chefes de Estado. Volta a ser discutida com a polémica lançada com a ida de Marcelo Rebelo de Sousa ao Mundial do Catar

Se o ex-Presidente Jorge Sampaio recusou viajar para a Jordânia em 1999 por não ter autorização dos deputados, Marcelo Rebelo de Sousa não deixou de se deslocar a Luanda em agosto passado, ainda sem o assentimento da Assembleia da República.

A deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa a Luanda para participar nas cerimónias fúnebres do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, em 28 de agosto passado, só foi autorizada pela Assembleia da República uma semana depois, em 07 de setembro.

Marcelo tinha enviado o pedido para a Assembleia da República em 23 de agosto, mas como os deputados estavam no período das férias parlamentares, o assentimento só foi dado pela Comissão Permanente em 07 de setembro, quando o chefe de Estado já tinha regressado a Portugal.

Nessa reunião da Comissão Permanente, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, informou os deputados que, face à excecionalidade da situação e à ausência de trabalhos, reuniu o consenso dos líderes parlamentares dos vários partidos e dos dois deputados únicos para a autorização do parlamento à viagem.

Esta decisão de Marcelo contrasta com a do ex-Presidente da República Jorge Sampaio, que em 1999 optou por não se deslocar à Jordânia para participar no funeral do rei Hussein pelo facto de o parlamento não ter conseguido aprovar em tempo útil o seu pedido para viajar, segundo notícia publicada hoje pelo Público 'online'.

O Público refere que, em fevereiro de 1999, “Sampaio reflectiu, reflectiu, mas às oito da noite decidiu que não arriscava”, por não querer incuprir a norma constitucional.

O então presidente do parlamento, António Almeida Santos, terá dito a Jorge Sampaio para fazer a deslocação, "garantindo-lhe que não levantaria qualquer tipo de problema", mas este recusou a sugestão por considerar que seria um "precedente grave". O Público refere ainda que durante a presidência de Mário Soares era corrente a aprovação das deslocações após estas terem ocorrido.

De acordo com o artigo 129 da Constituição da República Portuguesa, "o Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente, se aquela não estiver em funcionamento" e a inobservância desta disposição "envolve, de pleno direito, a perda do cargo".

A lei fundamental dispensa o assentimento "nos casos de passagem em trânsito ou de viagem sem carácter oficial de duração não superior a cinco dias, devendo, porém, o Presidente da República dar prévio conhecimento delas à Assembleia da República".

O alcance e enquadramento da norma constitucional surgiu no debate público quando o parlamento se debruçou sobre o pedido do Presidente da República para se deslocar ao Catar, na quinta-feira, para assistir ao desafio Portugal-Gana do Campeonato do Mundo de Futebol.

Posições dos partidos

O líder da bancada do PS, Eurico Brilhante Dias, defendeu que “o parlamento não se constitui para caucionar as opções políticas de viagens e de relações internacionais do Presidente da República”, justificando a norma com o "funcionamento das instituições”.

Tiago Moreira de Sá, do PSD, alertou que se estaria a entrar em “campos perigosos” se o parlamento pudesse “definir a agenda política do Presidente da República”.

Pelo Chega, Diogo Pacheco de Amorim admitiu que “não faz sentido” que o parlamento se pronuncie sobre as viagens do Presidente da República, apesar de considerar que, uma vez que a Constituição assim o determina, “não cabe aos partidos assinarem de cruz”.

A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, exprimiu a condenação do partido pela exploração dos trabalhadores no Catar, mas considerou que esta posição “não tem de passar por opções de boicote da participação ou acompanhamento institucional” à seleção no Mundial do Catar.

Rodrigo Saraiva, da IL, considerou que a Assembleia da República “tem de se pronunciar politicamente” sobre as deslocações presidenciais. A mesma avaliação fez o deputado do BE José Soeiro, para quem se o parlamento é chamado a pronunciar-se sobre as deslocações, também deveria “fazer uma avaliação política”.

Inês Sousa Real, do PAN, sustentou também que o Catar não respeita os direitos humanos, das mulheres ou da comunidade LGBTI, sendo essa a razão pela qual o “seu partido jamais poderia acompanhar com um voto favorável a deslocação do senhor Presidente da República” àquele emirado.

Rui Tavares, do Livre, criticou o facto de nenhum partido ter condenado a “corrupção na FIFA”, salientando que, ao Portugal decidir acompanhar institucionalmente o Mundial do Catar, está a ser “cúmplice de uma decisão” corrupta, numa intervenção que mereceu os aplausos das deputadas socialistas Alexandra Leitão e Isabel Moreira, deputadas do PS que votaram contra a deslocação de Marcelo.

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