Paquistaneses trancados no porão do barco que naufragou na Grécia. Versão das autoridades contestada por cronologia dos acontecimentos

19 jun 2023, 12:59

Continuam a ser divulgados pormenores sobre o naufrágio da semana passada no Mediterrâneo. Sabe-se agora que apenas 12 dos sobreviventes eram paquistaneses e que a polícia paquistanesa já deteve 14 pessoas relacionadas com o tráfico de migrantes

O naufrágio de um barco de pesca que transportaria centenas de migrantes chocou a Europa na semana passada. Das centenas de pessoas a bordo, apenas 78 corpos foram recuperados e a agência de migração da ONU já afirmou que este pode ser o segundo naufrágio de migrantes mais mortal alguma vez registado.

Com o passar do tempo, começam a ser conhecidos pormenores - alguns macabros - sobre a travessia que começou na Líbia e terminou no Mediterrâneo. As informações mais recentes dão conta de que os cidadãos paquistaneses terão sido obrigados a ficar trancados no porão da embarcação, abaixo de todas as outras nacionalidades, sem autorização para subir ao convés. 

Segundo uma investigação do jornal The Guardian, enquanto as mulheres e as crianças que seguiam no barco foram fechadas no porão, para serem supostamente protegidas dos homens que seguiam na embarcação sobrelotada, também os paquistaneses foram mantidos na parte mais perigosa do barco.

O jornal avança ainda, citando testemunhas, que quando os paquistaneses tentavam subir ao convés em busca de ar fresco ou de água, eram maltratados pelos membros da tripulação.

Apenas 12 sobreviventes

Os relatos sobre o número de pessoas a bordo diferem, mas serão largas centenas as pessoas que continuam desaparecidas. No domingo, o presidente do Senado paquistanês, Muhammad Sadiq Sanjrani, divulgou que mais de 300 paquistaneses terão morrido afogados no Mediterrâneo, enviando condolências às famílias enlutadas dos mortos.

Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, apenas 12 dos sobreviventes eram paquistaneses.

A polícia paquistanesa, citada pela Reuters, revelou esta segunda-feira que já foram detidas 14 pessoas relacionadas com o tráfico de pessoas.

"Estamos à procura de mais suspeitos", afirmou o oficial da polícia regional Tahir Mahmood Qureshi, acrescentando que alguns já tinham sido localizados e que a polícia estava a fazer rusgas para os prender. 

Segundo a agência noticiosa, o governo paquistanês ordenou a abertura de um inquérito para investigar a rede de tráfico de seres humanos que se pensa estar envolvida neste acidente.

"Os meus pensamentos e orações estão com as famílias enlutadas que perderam os seus entes queridos", lê-se no comunicado do gabinete do primeiro-ministro Shehbaz Sharif.

Já na Grécia, nove traficantes deverão ser presentes a tribunal em breve por serem suspeitos de conduzir o barco que afundou no Mediterrâneo, avança o The Guardian.

Versão das autoridades colocada em causa

Na sexta-feira, a guarda costeira grega defendeu que respondeu à embarcação que naufragou na costa sul do país, dizendo que tanto a própria como os navios particulares se ofereceram repetidamente para ajudar a embarcação na quarta-feira, enquanto estava em águas internacionais, mas foram rejeitados.

No entanto, uma investigação da BBC News vem colocar a versão da Guarda Costeira em causa. De acordo com o jornal, enquanto a guarda costeira grega afirma que o barco estava a caminho de Itália e não precisava de ajuda, a análise do movimento de outras embarcações na mesma área de navegação - o arrastão não dispunha de dispositivo de localização - mostra que o barco de pesca esteve parado no mesmo local durante sete horas antes de se virar.

Recorrendo a dados da Alarm Phone, do Marine Traffic e também ao relato dos proprietários dos navios que se cruzaram com o arrastão, a BBC News criou uma cronologia onde mostra que entre as 12:17, hora em que foi recebida a chamada a dar conta de que o barco estava em perigo, e as 23:00, hora a que o barco afundou, a embarcação mal se mexeu do sítio.

Às 15:00, o navio Lucky Sailor virou abruptamente para norte e, em declarações à BBC, o proprietário revelou que a Guarda Costeira lhe tinha pedido que se aproximasse do barco de migrantes e lhes desse comida e água. Apenas meia hora depois, o helicóptero da guarda costeira encontrou o arrastão, mas continuava a afirmar que a sua rosta era estável, apesar do movimento dos outros navios sugerir que a embarcação se encontrava parada há horas. 

Duas horas mais tarde, outro navio - Faithful Warrior - aproximou-se do arrastão para fornececer mantimentos aos migrantes. Terá sido a partir desse navio que foi filmado um vídeo em que é possível ver os mantimentos a serem entregues aos migrantes através de uma corda. O vídeo, verificado pela BBC, mostra que a embarcação está parada.

Entre as 19:40 e as 22:40, as autoridades gregas afirmaram que o barco mantinha uma rota e velocidade constantes e que eram observados a uma distância discreta. No entanto, a imagem que publicaram depois mostra o barco parado. 

De acordo com a BBC, ao longo de sete horas, toda a atividade marítima se concentrou na mesma zona, com as autoridades a insistirem que a embarcação estava em segurança e a caminho de Itália. 

Mas, às 23:00, o barco virou e afundou-se com centenas de pessoas a bordo.

Segundo testemunhas, estariam entre 400 e 750 pessoas a bordo do barco de pesca que se afundou a cerca de 80 quilómetros da cidade de Pylos, no sul da Grécia. A maioria das pessoas a bordo era natural do Egito, da Síria e do Paquistão. Até ao momento, as autoridades gregas recuperaram 78 corpos e encontraram 104 sobreviventes.

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