Foi entre André Almeida e Ricardo Esgaio que nasceu o «porque cumpre»

13 out 2022, 19:59
Ricardo Esgaio (Getty Images)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Há jogadores de futebol que desafiam a criatividade na hora do elogio. O que é que se diz sobre aqueles que não são brilhantes em nada, mas ganham tantos jogos quanto os outros?

O mundo da análise não quis ignorar um indivíduo que, pronto, esforça-se. Olha, «esforçado» até funciona bem. É isso. Porque não só de grandes talentos se fazem as equipas vencedoras.

Normalmente, as equipas vencedoras fazem-se de muito suor e, que eu saiba, todos estão aptos a suar, logo, todos merecem uma palavra de apreço, uma palmadinha nas costas. São jogadores indiscutíveis para treinadores que foram campeões, são jogadores com muitos minutos nas pernas, jogadores que correm, que já cumpriram pelo menos uma época com bons números, jogadores habituados a ganhar. E lá se vai escrevendo uma catrefada de lugares-comuns para justificar exibições banais, por vezes más. As naturais possibilidades de que, no futebol, alguém seja aposta contínua ainda que apresentando debilidades, alguém some muitos minutos mesmo perante várias performances erráticas, alguém corra porque tem pernas e alguém vença sem que isso o transforme num óptimo jogador são romantizadas e reduzidas ao absurdo.

Partindo destas premissas, conseguem dar exemplos? Começo eu: André Almeida e Ricardo Esgaio. Incluo Zaidu, de forma a que a clubite aguda me ataque toda por igual.

Na tentativa de proteger o jogador que trouxe na mala desde Braga e pelo qual convenceu o Sporting a pagar cinco milhões e meio de euros em 2021, Rúben Amorim assumiu que Ricardo Esgaio é um dos seus favoritos. Chapeau! Revelou algo indesmentível, mas que poucos mostram desenvoltura para dizer: os treinadores têm favoritos. Aqui sentadinha no sofá dos facilitismos, depois de mais uma partida em que, para mim, se torna evidente que Esgaio não tem qualidade para ser titular do Sporting, gostava muito era de entender o porquê de, para Rúben Amorim, este lateral-direito deter tal estatuto, até porque o treinador do Sporting sempre foi bastante sóbrio, concordando-se ou não, no momento de explicar o porquê de Paulinho ser o melhor avançado português.

Ricardo Esgaio não está a atravessar um bom momento. Parece-me óbvio. É da sua responsabilidade proteger os jogadores. Também. As críticas ao Esgaio são justas. Ok. É um dos seus favoritos porque… «dá tudo». Foi aí que me inquietei no meu sofazinho. Então, mas espera lá, é que esta razão não é assim tão boa quanto as esmiuçadas acerca de Paulinho. Se eu disser que a minha professora favorita é a de português porque nunca falta às aulas, é capaz de parecer um bocado curto ou pressupor que os outros não são dados à assiduidade.

A meu ver, os treinadores devem – não são obrigados, nem quero que sejam multados caso não o façam, atenção – contribuir para um melhor entendimento do jogo e Rúben Amorim vai-se mostrando exemplar nessa área. Um «dá tudo» assim escarrapachado na nossa cara? Sem sequer pedir licença? Dá tudo, é esforçado, cumpre. Isto não é tudo a mesma lengalenga? Que um jogador de futebol dê tudo não é o máximo, é o mínimo.

Amorim habituou-nos a fazer-nos pensar e repensar através da comunicação; insistiu na desconstrução do mito de que os avançados apenas servem para finalizar, que nem Guardiola pretende só isso do melhor finalizador da actualidade; bateu ininterruptamente na importância de criar jogadas de qualidade para servir quem está mais à frente, obrigando-nos a olhar para Paulinho como mais um a participar nesse processo.

Agora, numa altura sensível para Ricardo Esgaio, em que seria de elementar relevo adiantar-nos a insistência num jogador pouco acarinhado, sai-se com um «dá tudo» e uma teoria harmonizada em cima do joelho ligada às contratações oriundas do SC Braga, quando o que a gente esperava era que, novamente, se utilizasse o futebol para desconstruir a utilidade de alguém que se farta de errar e continua a merecer total confiança. Foi mais um dia em que habilitámos a vitória dos lugares-comuns.

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