Jantares caros, uma empresa "tomada de assalto" e a saída do presidente da APA para o escritório de Matos Fernandes. "Conluio" e pressões nos negócios do ambiente

9 nov 2023, 18:40
Galamba, Matos Fernandes e Nuno Lacasta

Autos da Operação Influencer, a que a CNN Portugal teve acesso, sublinham “ampla e forte” influência do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, juntamente com João Galamba, em todos os factos

Pressões, “conluio”, acessos privilegiados e portas giratórias. Nos autos do Ministério Público que estiveram na origem da Operação Influencer, que derrubou o primeiro-ministro, estão descritas várias combinações entre governantes, empresários e advogados em negócios de milhões de euros relacionados com o ambiente. 

Um dos indícios que o Ministério Público está a investigar está relacionado com a contratação de ex e atuais governantes para servirem os interesses da Abreu Advogados. Segundo os autos a que a CNN Portugal teve acesso, é afirmado que Nuno Lacasta, atual presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “irá trabalhar” para este escritório de advogados, um dos mais influentes a nível de direito ambiental.

Segundo o documento, a saída de Nuno Lacasta da direção da APA “estará para breve”, sendo que na Abreu Advogados “são sócios os seus amigos e compadres José Eduardo Martins e Manuel Andrade Neves”. Com estes seus dois "amigos", é descrito que Lacasta “discute assuntos de empresas com pretensões pendentes na APA, representados por ambos diretamente”, designadamente a RESILEI, uma empresa de tratamento de resíduos industriais e a energética IBERDROLA.

Nuno Lacasta, que foi constituído arguido esta terça-feira, é também tido como uma peça fundamental nas investigações desenvolvidas sobre a Start Campus, um  “data center” em Sines que poderia vir a representar um investimento de 3,5 mil milhões de euros. “Teve ampla e forte intervenção em todos os factos”, escreveram os procuradores nos autos.

Lacasta pertence ao grupo de governantes que, juntamente com o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, e com o ministro das Infraestruturas, João Galamba, foi alvo de contactos “com grande frequência” feitos por empresários e advogados ligados a esse projeto em Sines - particularmente Afonso Salema, Rui Oliveira Neves e o amigo de António Costa, Diogo Lacerda Machado. 

O objetivo desses contactos, para o MP, terá sido o de “obter o favor” junto dos governantes em matérias “do interesse” da Start Campus, entre eles “a dispensa do procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) quanto à primeira fase do projeto” e, mais tarde, a “Declaração de Impacto Ambiental favorável” na segunda fase do projeto.

Foram, aliás, recolhidos “indícios” de que esses contactos foram feitos durante almoços e jantares de valores elevados sempre “oferecidos pelos suspeitos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves” a Nuno Lacasta e João Galamba.

A CNN Portugal questionou o Ministério do Ambiente, a Agência Portuguesa do Ambiente e o gabinete do primeiro-ministro se algum deles irá ser exonerado, mas até ao momento não teve resposta. 

Nuno Lacasta, inclusive, foi constituído arguido num processo que envolve também José Eduardo Martins, amigo próximo e sócio na Abreu Advogados, por suspeita de conflito de interesses no caso do encerramento de uma barragem em Benavente.

Mas o vínculo entre Nuno Lacasta e a Abreu não é a única peça que o Ministério Público quer averiguar em relação a este escritório de advogados. Também a ligação de Matos Fernandes antes de ser contratado pela mesma firma, quando deixou o cargo de ministro do Ambiente, está sob investigação. 

Especificamente, os procuradores indicam a data de 17/09/2020 como relevante. Foi neste dia que Matos Fernandes, ainda ao serviço do Governo, aprovou a alteração ao Regime Geral de Gestão de Resíduos, sendo que, escreve o MP, “após a saída do Governo foi contratado pela Abreu advogados, a qual assessora diversas empresas de resíduos, e a APERA (Associação de Empresas de Gestão de Resíduos não perigosos)”, que opera num setor “diretamente tutelado por Matos Fernandes “no Governo”.

Outro dos indícios que recaem sobre Matos Fernandes está relacionado com o facto de ter atrasado a convocação da Comissão Permanente da Seca, numa altura em que se alertava para o agravamento da seca em Portugal. O antigo ministro “só convocou” essa comissão “no dia 1/02/2022, ou seja, dois dias a seguir às eleições legislativas de 2022 e não antes, como era a sua obrigação, de modo a não prejudicar o Partido Socialista nessas mesmas eleições”.

Sobre esta decisão, o Ministério Público fala mesmo em “conluio” com o vice-presidente da APA, José Pimenta Machado, mas também com Rodrigo Costa, líder da REN, e João Conceição, membro do Conselho de Administração da mesma empresa. 

Uma empresa “tomada de assalto” com o “conhecimento” de Galamba e de Matos Fernandes

Outra das empresas no centro da Operação Influencer é a sociedade Lusorecursos Portugal Lithium, SA. que em março de 2019 recebeu luz verde de João Galamba, na altura secretário de Estado da Energia, para a exploração da mina do Romano, em Montalegre. Neste caso, o Ministério Público suspeita da “intervenção de diversos indivíduos que terão diligenciado para influenciar os decisores do processo, nas suas diferentes etapas”.

Ricardo Pinheiro, o sócio desta empresa, terá mesmo sido “beneficiado de forma injustificada” desta concessão. Para esta linha de investigação, os procuradores referem que este empresário estava ligado a um outro amigo de António Costa: Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização, que é neste caso suspeito de tráfico de influências.

De acordo com o Ministério Público, “suspeita-se” que Jorge Costa Oliveira “possa ter sido contratado informalmente pela Lusorecursos”, antes de Galamba dar luz verde à exploração de lítio, para “pressionar e/ou influenciar membros do Governo a conceder a exploração” do minério “a esta sociedade.

Além de Oliveira, também Paulo Barroso, que fez parte do elenco da junta de Freguesia de Tourém-Montalegre, terá sido “abordado” para “influenciar as decisões” da Câmara Municipal de Montalegre e terá contactado os proprietários da zona onde a exploração iria ser realizada, com o objetivo de comprar esses terrenos.

Também aqui o Ministério Público suspeita da intervenção da Agência Portuguesa do Ambiente que tinha como missão avaliar a necessidade de um Estudo de Impacto Ambiental. “Suspeita-se que quer a DGEG [a entidade que tutela estas explorações minerais], quer a APA possam ter tido intervenção ilícita naquela avaliação ambiental após contactos do suspeito Ricardo Pinheiro para ser favorecido, pondo em causa a legalidade do processo”.

Paralelamente à decisão favorável da APA em setembro de 2023, a Lusorecursos encontrava-se numa batalha judicial com uma outra sociedade gémea: a Lusorecursos, SGPS. Os administradores desta última acusam o empresário Ricardo Pinheiro de os ter excluído da participação social da primeira, bloqueando-os da licença de exploração de lítio em Montalegre. A empresa foi "tomada de assalto", denunciam, segundo os autos do Ministério Público

Neste processo, que ainda corre termos no Juízo Central Cível de Braga desde 2018, é denunciada a “opacidade do procedimento administrativo” que levou à luz verde dada à sociedade de Ricardo Pinheiro e é também imputado a Matos Fernandes e a João Galamba “conhecimento das ilegalidades cometidas”, refere o Ministério Público.

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