O que é a angústia e como nos está a impedir de sermos felizes. Ou "quando percebemos que estamos a fazer scroll infinito no telemóvel durante horas"...

13 fev 2022, 22:00
Mulher

Nos países industrializados, apesar das boas condições de vida, há cada vez mais pessoas a experienciar um sentimento de insegurança, relacionado com vulnerabilidade e a imprevisibilidade do mundo. Duas psicólogas explicam quais os sinais a que devemos estar alerta e o que podemos fazer para combater a angústia

Guerras, radicalismo políticos, desigualdades e injustiças, alterações climáticas, novas doenças, ameaças tecnológicas. Temos cada vez mais motivos para nos sentirmos inseguros e ansiosos. De acordo com o relatório “Novas Ameaças à Segurança Humana no Antropoceno”, publicado esta semana pela ONU, seis em cada sete cidadãos do planeta são confrontados com sentimentos de insegurança.

O sentimento de segurança das pessoas está baixo em quase todos os países, incluindo as nações mais ricas, apesar de anos de sucesso contínuo em termos de desenvolvimento humano. Aqueles que beneficiam de alguns dos mais elevados níveis de saúde, riqueza e educação estão a relatar uma ansiedade ainda mais elevada do que a registada há dez anos. E as consequências não surpreendem os especialistas: de acordo com as estimativas da ONU, atualmente 10% da humanidade tem problemas de saúde mental.

"Os cidadãos não confiam mais no futuro, embora, de acordo com os indicadores tradicionais de desenvolvimento, sejamos a geração mais rica da história da humanidade, tenhamos tecnologias extraordinárias e os nossos níveis de educação estejam mais altos do que nunca", diz ao El Pais Achim Steiner, o administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

"O que é a segurança? Qual é a perceção que nós temos da segurança? É isso que está aqui em causa", adverte a psicóloga Filipa Jardim da Silva, à CNN Portugal. "Cada um de nós, individualmente, tem uma ideia do que precisa para se sentir seguro. Mas aquilo que vemos é que essa perceção tem vindo a alterar-se e cada vez mais pessoas se sentem inseguras." Para algumas pessoas, o sentimento de segurança está relacionado com ter um salário que lhe permita pagar as contas. Outras pessoas valorizam a estabilidade de uma relação afetiva. O facto de viverem numa casa confortável e numa zona pacífica. Mas, cada vez mais, existem outras variáveis a entrarem nesta equação.

A pandemia de covid-19 veio lembrar-nos que o mundo é muito pequeno e que o ser humano é muito frágil. Em 2021, a expectativa de vida caiu 1,5 anos globalmente. Hoje, um sexto da humanidade vive em territórios afetados por conflitos. O número de refugiados e deslocados por guerras e violência atingiu um número recorde em 2020 de 82,4 milhões. Uma mulher ou menina é assassinada a cada 11 minutos pelo seu parceiro ou por um familiar. Todos os dias, 2,4 milhões de pessoas acordam sem saber se vão ter alguma refeição, 800 milhões passam fome. O aquecimento global ameaça a vida de 40 milhões de pessoas, que podem morrer devido às altas temperaturas, a maioria em países em desenvolvimento. 

Estes são problemas globais - que até podem não ter a ver connosco diretamente, mas que nos afetam. É preciso perceber, diz Filipa Jardim da Silva, que hoje em dia vivemos numa "aldeia global". "Os média permitem-nos estar permanentemente informados e com os telemóveis temos o mundo nas nossas mãos. Este excesso de informação e o enviesamento provocado pelos media, que nos dão muito mais notícias de conflitos e de desastres, influencia o nosso sentimento de insegurança", explica. "As pessoas chegam aqui ao consultório e dizem que não percebem porque é que se sentem angustiadas: têm tudo para ser felizes e não são. É um paradoxo: nos países desenvolvidos estamos mais doentes."

"Aquilo que vemos todos os dias é que as pessoas bem-sucedidas têm mais problemas de ansiedade. As pessoas estão habituadas a ter um grande controlo sobre a sua vida e a fazer planos e, por isso, não só têm mais medo de perder essa segurança, como perante um acontecimento como uma pandemia, percebem que na verdade não podem controlar nada", explica à CNN Portugal a psicóloga Catarina Graça. "A pandemia veio agravar esse sentimento de instabilidade e de vulnerabilidade em todos nós. Existe geralmente uma esperança alocada ao futuro. Mas a realidade de facto não está fácil e, quando começamos a pensar muito nestes problemas todos, essa esperança desaparece e dá lugar a um sentimento de angústia."

Ansiedade, angústia e depressão

A ansiedade é uma reação natural do corpo perante uma perspetiva de perigo. Não é preciso uma ameaça real para que a ansiedade se faça sentir: a simples ideia ou antecipação da ameaça é suficiente. Trata-se de uma emoção voltada para o futuro, provocada principalmente pela imprevisibilidade das situações. E que se pode revelar por um estado de agitação ou stress ou, em casos mais agudos, em "ataques" com sintomas físicos bastante visíveis como falta de ar e aceleração do ritmo cardíaco

Caracterizada por um sentimento negativo acentuado que parece não ter fim, a angústia não é uma situação pontual. É um sofrimento, muitas vezes sem causa aparente, mas que tem a ver com o presente e com a sociedade em que vivemos e que se revela num medo da perda, sentimento de vazio e tristeza, explica a psicóloga Catarina Graça. 

Não se deve confundir a angústia com depressão, por mais que haja sintomas parecidos, alerta esta especialista. No entanto, é preciso estarmos atentos aos sinais, uma vez que, no seu estado mais avançado, a angústia pode caminhar para um humor depressivo, "é uma sensação anterior ao quadro mais gravoso que é a depressão". Uma tristeza profunda, isolamento social, vontade de chorar e alheamento em relação às tarefas mais básicas da vida são alguns dos sintomas da depressão que muitas vezes exige já uma intervenção medicamentosa.

Sinais a que devemos estar atentos

Devemos estar atentos a todas as alterações comportamentais, avisam as especialistas. Estes são alguns dos sinais de alerta:

  • Insónias e outras alterações nos padrões do sono
  • Diminuição da energia física
  • Dificuldade de concentração
  • Perda de apetite
  • Incapacidade de sentir prazer ou alegria

A angústia pode também refletir-se no nosso corpo, através de:

  • Enxaquecas
  • Alterações gastro-intestinais
  • Tensão muscular
  • Alterações do ritmo cardíaco
  • Alergias cutâneas

Claro que estes sintomas podem estar relacionados com outras doenças mas, muitas vezes, são apenas reações do corpo a um mal-estar psicológico. "Quando têm sintomas físicos, as pessoas geralmente procuram razões médicas e começam a tomar medicamentos para as dores e outros que não resolvem nada. Temos de tentar perceber o que está a acontecer", diz Filipa Jardim da Silva.

Como combater a angústia?

Se não podemos mudar o mundo, temos de mudar o modo como lidamos com os problemas que existem. O primeiro passo é o autocuidado: fazer exercício físico, ter uma alimentação saudável, dormir bem. Estes são os três eixos fundamentais. "E é muito preocupante porque os países industrializados são aqueles onde o nível de sedentarismo é mais elevado e onde a alimentação e o sono são menos cuidados", sublinha Filipa Jardim da Silva.

Outra mudança importante tem a ver com a cultura de burnout que prevalece em muitas organizações: esta ideia de que, por um lado, o trabalho é a coisa mais importante da nossa vida e, por outro lado, que temos de trabalhar muito e muitas horas para sermos eficientes. "Queremos fazer cada vez mais em menos tempo e quase não temos tempo para ser e para sentir", diz a psicóloga.

O autocuidado passa também por encontrar momentos de felicidade e de prazer. "Temos de trabalhar a resiliência e o positivismo e trabalhar o conceito de felicidade", acrescenta Catarina Graça. "Cada caso é um caso, algumas pessoas podem precisar de um apoio mais especializado, outras não." Mas, no fundo, trata-se de combater os comportamentos tóxicos e procurar aquilo que, para cada pessoa, pode ser uma fonte de bem-estar.

Finalmente, dizem as psicólogas, é importante estar alerta e prestar atenção aos sinais que o nosso corpo nos dá. "Muitas vezes as pessoas dizem: estava tão bem e, de repente, teve um ataque de pânico. Mas estas coisas não acontecem de repente. A depressão e o burnout não aparecem do nada, vão-se cozinhando." Por isso temos de estar atentos para conseguir intervir antes de a situação ser demasiado grave.

"Quando percebemos que estamos a fumar mais cigarros, a beber mais um copo do que é habitual, a fazer scroll infinito no telemóvel durante horas, muitas vezes estamos só a sedar o que estamos a sentir, a tentar fugir daquela angústia", diz Filipa Jardim da Silva. Mas fugir não resolve nada. "O grande desafio deste momento é encararmos as emoções não como sinais de fraqueza mas como fonte de informação crucial sobre o que está acontecer no nosso corpo."

"Continuamos a ter uma medicina que é mais reativa do que preventiva e que continua a ter uma reação sobretudo medicamentosa", critica. O caminho tem de ser dar cada vez mais importância à nossa saúde mental e abordar mais este tema, quer na educação quer no sistema saúde, para que as pessoas tenham cada vez mais "recursos pessoais e emocionais" para saberem lidar com a imprevisibilidade e a vulnerabilidade.

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