opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

A paciência do Nuno e do Diogo

18 fev, 09:00

Melbourne, 20/01/2024. Nuno Borges, o tenista da Maia de 26 anos, fez história ao garantir a qualificação para os oitavos de final do Open da Austrália, batendo G. Dimitrov por 3-1. No final da partida, o jogador búlgaro reconheceu: “Ganhou a paciência e perdeu a ansiedade”.

Doha, 17/02/2024. Diogo Ribeiro tornou-se o primeiro português a conquistar duas medalhas de ouro nos Mundiais de natação, ao ser o mais rápido nas provas de 50 e 100 metros mariposa. Estas vitórias são um ponto de viragem numa história de vida difícil. Diogo perdeu o pai aos 4 anos. E, há poucos meses, sofreu um grave acidente de moto em Coimbra, que pôs em causa a sua carreira desportiva. “O acidente foi uma lição, tornou-me mais paciente. Deu-me força mental, acho que ganhei uma segunda vida". 

Duas histórias de quem treina todos os dias. Podemos aprender algo com a paciência deles?

A palavra paciência deriva do verbo latino pati, que, na sua essência, consiste na arte de saber sofrer, de suportar as contrariedades, que podem ser de três tipos. 

As primeiras reclamam a nossa paciência com os outros, com os modos desagradáveis do parceiro, com o modo de reagir de um amigo. As segundas decorrem das nossas incapacidades: “Chego sempre atrasado”; “Por mais que tente, não consigo ter calma ao falar sobre aquele tema ou aquela pessoa”; “Voltei a deixar as chaves em casa”. E há contratempos que decorrem de circunstâncias externas: uma situação de desemprego que se arrasta há 7 meses ou a infelicidade de estar a chover nos dias em que marcamos as férias de Carnaval. Não vivemos no País das Maravilhas, como Alice. Mas sim na Terra dos Homens de que fala Saint-Exupéry.

Refletindo sobre a paciência sugiro duas rápidas experiências. 

  • Escreva num papel uma lista das coisas que na última semana lhe fizeram perder a paciência. Anote, à frente de cada uma, que tipo de reação deveria ter tido em cada um desses momentos. 
  • Experimente alguns destes exercícios diários de paciência:
  1. Esforce-se por escutar empaticamente a mulher, o marido e filhos, os subordinados ou colegas de trabalho, as pessoas com quem se cruza diariamente, sorrindo e procurando interessar-se pelas preocupações dos outros. 
  2. Não se queixe das pequenas contrariedades: uma dor de cabeça, do calor, do frio, do trânsito, da fome ou da sede.
  3. Renuncie a algumas expressões do dicionário da impaciência: “És sempre assim”, “Outra vez?”, “Já estou cansado”,“Não aguento mais”.
  4. Ajude sem contabilizar os favores feitos ou recebidos. Como é edificante ouvir alguns dos +7500 jovens portugueses que participam na Missão País, que saem transformados, pacientes, depois de terem dedicado as suas férias a ajudar em lares, escolas e paróquias.
  5. Conviva com os maus hábitos dos outros que sempre nos aborrecem: aquela janela aberta, a pessoa que fala sempre de Fórmula 1 ou de política. Em princípio, os outros, como o vinho, melhoram com o tempo. 
  6. Repita as explicações a quem não as entende: ajudar o avô com um problema de informática, voltar a explicar ao colega de trabalho um assunto difícil. 
  7. Não buzine no trânsito e não olhe para o condutor que, supostamente, se comportou mal. Continue serenamente o seu percurso.
  8. Aguarde a vez na fila do supermercado, no consultório ou nas urgências, quando falha a internet, quando a sua equipa ainda não marcou o golo para dar a volta ao marcador. 
  9. Reze, conte a Jesus as suas impaciências. O cardeal português Tolentino de Mendonça recorda que, quando rezamos, Deus concede-nos “essa arte de não deixar a vida ser sufocada por expectativas ou desilusões; o fôlego dos reconstrutores, a perseverança dos reparadores de brechas, a compaixão de quem aprende a abraçar a dor”. 

S. Paulo escreveu um hino à caridade que enumera as qualidades do amor cristão, como quem apresenta as facetas de uma pedra preciosa. Recorda que a caridade é paciente e conclui, dizendo que a caridade tudo sofre. Somos impacientes. Queremos tudo para ontem e as impaciências podem levar-nos a duvidar da bondade de Deus.

Mas talvez a experiência seja diferente. Li num graffiti no Porto esta frase de Guimarães Rosa “Quando nada acontece há um milagre que não estamos a ver”. Quem vive de fé aprende a ver a realidade em 3D, a reconhecer a mão de Deus em tantos lugares onde, aparentemente, nada acontece. Ele permite que algo nos contrarie, sem que o entendamos. E isso, misteriosamente, contribui para o nosso bem. Como esse ditado, bem português, que recorda que “há males que vêm por bem”. 

Num mundo acelerado, a paciência é uma terapia necessária. Estamos na quaresma, tempo que nos leva até à paixão de Jesus, o lugar da paciência de Deus que destrói a impaciência dos homens. Todos O podemos imitar: transformar o limão ácido das nossas impaciências em limonada capaz de refrescar os outros; reconduzir a energia incontrolável da nossa ira para projetos de superação pessoal. Estas são as lições de vida do Nuno e do Diogo. E podem ser também as suas. Que nos possam dizer muitas vezes: “ganhou a paciência e perdeu a ansiedade”, e que “a paciência nos deu uma segunda vida”.

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