"Estão a tentar resolver o problema que criaram". PS apressa lei do lobby "por causa da Operação Influencer"

4 jan, 22:00

A regulamentação do lobby está de volta ao parlamento depois de quase uma década de avanços e recuos, com um veto presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa pelo caminho. Mas a pertinência da regulamentação desta atividade, a poucos dias da dissolução do parlamento, está a ser questionada pelos partidos da oposição

A regulamentação do lobby, que será votada esta sexta-feira no parlamento, pode vir a ter um efeito subversivo, levando à criação de “um mercado paralelo opaco”. Isto porque, segundo o vice-presidente da Frente Cívica, algumas das propostas que serão votadas deixam “de fora os principais lobistas de Portugal” - os advogados.

“Espero que não haja tempo para a legislação porque, nos termos em que está a ser feita, isenta as sociedades de advogados. Se não incluirmos os advogados, estamos a deixar de fora os principais lobistas de Portugal”, assume João Paulo Batalha.

Em declarações à CNN Portugal, o dirigente da Frente Cívica explica que as sociedades de advogados já têm “vantagens competitivas” em relação às demais sociedades de representação de interesses em Portugal pois têm “capacidade de intervir no processo legislativo, sendo contratados pelos governos para fazerem leis”. Ou seja, “em Portugal, as sociedades de advogados são em simultâneo legisladores e lobistas”. 

Ora, “se agora for aprovada uma legislação que obriga os lobistas a registar todas as reuniões com decisores [políticos] e os advogados estiverem isentos, o Estado estaria a criar um mercado de lobby opaco em paralelo ao lobby que agora querem regulamentar, o que ainda lhes dá mais vantagem competitiva”, argumenta.

João Paulo Batalha assume que a regulamentação do lobby só voltou agora ao parlamento devido à “situação embaraçosa” em que o PS se viu envolvido no âmbito da Operação Influencer. “O facto de o Governo ter caído por causa da opacidade e informalidades da Operação Influencer é a única razão para o PS estar a apressar uma lei que sabem que não vão ter tempo de votar”, diz, tendo em conta que o parlamento será dissolvido no próximo dia 15.

Nesse contexto, para João Paulo Batalha, este “não é um esforço sério para regulamentar o lobby, mas para mostrar que [os socialistas] estão a tentar resolver o problema que eles próprios criaram”.

Nova lei "isentaria o grande lobista da Operação Influencer"

A prova disso, diz o dirigente, é precisamente o facto de o texto redigido na anterior legislatura para a regulamentação do lobby, e que serve de base para as propostas que agora foram apresentadas pelo PS, PSD, IL e PAN, excluir os advogados da obrigatoriedade do registo como lobistas.

A título de exemplo, e ainda a propósito da Operação Influencer, o vice-presidente da Frente Cívica afirma que “o mais provável é que a lei, se fosse aprovada como está agora, não se aplicasse a Diogo Lacerda Machado”, um dos arguidos do caso que derrubou o Governo e que está “fortemente indiciado”, em coautoria com Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa, num crime de tráfico de influência.

Ou seja, “um processo legislativo que surge por reação à Operação Influencer isentaria o grande lobista da Operação Influencer”, ironiza João Paulo Batalha.

Ainda assim, o dirigente da Frente Cívica considera que a eventual aprovação da regulamentação do lobby “não teria impacto neste processo [da Operação Influencer] porque a lei seria aprovada a posteriori”.

Henrique Burnay, que dirige a Eupportunity, uma consultora especializada em assuntos europeus inscrita no registo de transparência da União Europeia, estando assim autorizada a influenciar os decisores europeus, explica que a regulamentação do lobby “não vai mexer na legislação penal” e, por isso, “não se aplica a nada do que tenha relevância penal, seja nesse caso, seja noutro”.

Nas propostas agora apresentadas, o PS recupera o texto acordado com o CDS e o PAN na anterior legislatura (que acabou por não ser aprovado devido à dissolução do parlamento), mantendo a exclusão dos advogados do registo do lobby. A proposta do PSD também deixa de fora do registo “a prática de atos próprios dos advogados e solicitadores no exercício do mandato forense”, enquanto a IL quer aplicar a lei a todos os “lobistas e entidades que, independentemente da sua natureza jurídica, exerçam poderes públicos”. Num volte-face em relação ao texto anterior, o PAN já sugere a inclusão de advogados e das sociedades de advogados no registo do lobby “sempre e quando representem grupos de interesse”, de modo a que “não existam válvulas de escape” para estas entidades.

A diferença entre o lobby e o crime de tráfico de influências

Há muito que os especialistas defendem a necessidade de regulamentação do lobby, à semelhança do que acontece em quase todos os países desenvolvidos e na própria União Europeia, onde várias entidades, devidamente inscritas no registo de transparência, fazem lobbying junto dos membros do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, defendendo interesses que representam como forma de influenciar as decisões públicas.

A atividade também é legal em Portugal, só não está é regulamentada, isto é, ninguém sabe ao certo quais são os limites entre aquilo que é o certo e o errado, daí que muitas vezes a prática seja confundida com o crime de tráfico de influências. Para o advogado Rogério Alves, o que distingue a atividade legal da ilícita são as situações em que o responsável político ou administrativo tem "um interesse conspurcado em receber uma vantagem" como contrapartida para decidir sobre certa maneira.

Neste contexto, os especialistas defendem que a atividade deve ser mais transparente, até para que a mesma deixe de ter uma conotação pejorativa entre a população, sendo sugerido para tal o registo das entidades que fazem lobby, os interesses representam, com quem se reúnem e os temas discutidos nas respetivas reuniões.

O advogado Rogério Alves considera que, a ser aprovada, a regulamentação do lobby constitui "um passo em frente" num esforço de combate à corrupção, mas salienta algumas lacunas que podem pôr em causa a sua eficácia. É que, mesmo com regulamentação, "quem quiser continuar a fazer pressões obscuras, pode continuar a fazê-lo". 

“É um passo em frente. Não resolve tudo, porque a lei também obriga toda a gente a declarar os seus rendimentos e há pessoas que continuam a não declarar. As leis não convertem o homem, quando muito coagem o homem a afeiçoar-se às leis, mais que não seja pelo medo da sanção", compara.

No caso da Operação Influencer, por exemplo, a regulamentação do lobby seria benéfica para "deixar uma pegada de quem fala com quem", explica o advogado.

"Se alguém informalmente falou com um ministro ou um secretário de Estado para sugerir uma determinada conduta e diz, por exemplo, ‘Vamos acabar com um bocadinho de reserva agrícola para permitir a colocação das instalações, é uma boa medida porque gera emprego'. Num cenário de regulamentação do lobby, estas pessoas em princípio teriam de estar registadas numa determinada plataforma para que amanhã se pudesse, de forma pública, perceber que a pessoa A foi lá em representação da empresa B fazer pressão para que o Governo tomasse essa decisão. Isso é o que não acontece quando não há registo destes contactos, que só se descobrem depois, gerando a sensação de maior opacidade", sustenta Rogério Alves.

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