O lado mais distante da Lua é muito diferente daquele que vemos. Os cientistas querem saber porquê

CNN , Ashley Strickland
18 mai, 19:00
Uma ilustração mostra o lado distante da lua iluminado, com a Terra a aparecer por trás. NASA

Quando a missão Chang'e-4 aterrou na cratera Von Karman, a 3 de janeiro de 2019, a China tornou-se o primeiro e único país a aterrar no lado mais distante da Lua - o lado que está sempre virado para a Terra.

Agora, a China está a enviar outra missão para o lado mais distante e, desta vez, o seu objetivo é trazer para Terra as primeiras amostras do “lado oculto” da Lua.

A missão Chang'e-6, lançada no início do mês, deverá passar 53 dias a explorar a bacia do Polo Sul-Aitken para estudar a sua geologia e topografia, bem como recolher amostras de diferentes pontos da cratera.

Acredita-se que a bacia do Polo Sul-Aitken seja a maior e mais antiga cratera da Lua, cobrindo quase um quarto da superfície lunar com um diâmetro de cerca de 2.500 quilómetros. A cratera de impacto tem mais de 8 quilómetros de profundidade.

Os cientistas esperam que as amostras ajudem a responder a questões persistentes sobre o intrigante lado distante, que não foi estudado tão profundamente como o lado próximo, bem como a confirmar a origem da lua.

“O lado mais afastado da lua é muito diferente do lado mais próximo”, disse Li Chunlai, chefe-adjunto da Administração Espacial Nacional da China. “O lado distante é basicamente composto por crosta lunar antiga e terras altas, por isso há muitas questões científicas a serem respondidas.”

Não há um verdadeiro "lado negro"

Durante uma audiência sobre o orçamento da NASA, a 17 de abril, o congressista David Trone perguntou ao administrador da NASA, Bill Nelson, porque é que a China ia enviar uma missão para o “lado de trás” da Lua.

“Eles vão ter um módulo de aterragem no lado mais distante da lua, que é o lado que está sempre escuro”, respondeu Nelson. “Não estamos a planear ir para lá.”

O lado oculto da lua tem sido por vezes referido como o “lado negro”, em grande parte em referência ao álbum dos Pink Floyd de 1973 com o mesmo nome.

Mas a expressão é um pouco incorreta por algumas razões, segundo os especialistas.

Embora o lado mais afastado da Lua possa parecer escuro da nossa perspetiva, tem um dia lunar e uma noite lunar, tal como o lado mais próximo, e recebe muita iluminação. Um dia lunar dura pouco mais de 29 dias, enquanto a noite lunar dura cerca de duas semanas, segundo a NASA.

O mesmo lado está sempre virado para a Terra porque a Lua demora o mesmo tempo a completar uma órbita da Terra e a rodar em torno do seu eixo: cerca de 27 dias.

Além disso, o lado mais afastado da lua tem sido mais difícil de estudar, o que levou à alcunha de “lado negro” e criou um ar de mistério.

“Os seres humanos querem sempre saber o que está do outro lado da montanha e a parte que não se consegue ver, por isso é uma espécie de motivação psicológica”, disse Renu Malhotra, professora na Universidade do Arizona, em Tucson, Estados Unidos. “É claro que enviámos sondas espaciais que orbitaram a Lua e temos imagens, por isso, de certa forma, é menos misterioso do que antes.”

Várias naves espaciais, incluindo a Lunar Reconnaissance Orbiter da NASA, que circula constantemente e capta imagens da superfície lunar, ajudaram a lançar luz sobre a Lua.

O Yutu-2, um rover lunar que a Chang'e-4 lançou em 2019, também explorou depósitos soltos de rocha pulverizada e poeira no chão da cratera Von Karman, localizada na maior bacia do Polo Sul-Aitken.

O veículo lunar Yutu-2 captou uma imagem da sonda lunar Chang'e-4 no lado oposto da Lua, a 11 de janeiro de 2019. Administração Espacial Nacional da China/AFP/Getty Images

Mas a obtenção de amostras permitiria que a tecnologia mais recente e sensível analisasse rochas e poeiras lunares, potencialmente revelando como a lua surgiu e por que razão o seu lado mais distante é tão diferente do lado mais próximo.

Mistérios do lado distante

Apesar de anos de dados orbitais e de amostras recolhidas durante seis das missões Apollo, os cientistas ainda estão a tentar responder a questões fundamentais sobre a Lua.

“A razão pela qual o lado mais distante é tão atraente é porque é muito diferente do lado da lua que vemos, o lado mais próximo”, considerou Noah Petro, cientista da NASA para o Lunar Reconnaissance Orbiter e Artemis III, uma missão que visa colocar humanos na lua pela primeira vez desde 1972. “Durante toda a história da humanidade, os seres humanos têm sido capazes de olhar para cima e ver a mesma superfície, o mesmo lado da lua.”

Mas em 1959, a União Soviética enviou uma sonda que passou pelo lado mais distante da lua e captou as primeiras imagens da lua para a humanidade.

“Vimos este hemisfério completamente diferente: não coberto por grandes fluxos de lava vulcânica, marcado por crateras, com uma crosta mais espessa. Conta uma história diferente da do lado mais próximo", descreveu Petro.

A recolha de amostras através de missões robóticas e a aterragem de humanos perto da transição entre as duas regiões lunares no polo sul, através do programa Artemis, “ajudará a contar esta história mais completa da história lunar que nos falta neste momento”, disse.

Embora os cientistas saibam porque é que um lado da Lua está sempre virado para a Terra, não sabem porque é que esse lado em particular está permanentemente virado para o nosso planeta. Mas pode ter algo a ver com o facto de a Lua ser assimétrica, explicou Malhotra.

“Há uma certa assimetria entre o lado que está virado para nós e o outro lado”, indicou. “O que causou exatamente essas assimetrias? O que são de facto essas assimetrias? Temos poucos conhecimentos sobre isso. É uma grande questão científica.”

Os dados orbitais também revelaram que o lado mais próximo tem uma crosta mais fina e mais depósitos vulcânicos, mas as respostas para o porquê disso têm escapado aos investigadores, observou Brett Denevi, geólogo planetário do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins.

“Tem um tipo diferente de composição geoquímica, com alguns elementos estranhos que produzem mais calor. Há imensos modelos que explicam porque é que o lado mais próximo é diferente do lado mais afastado, mas ainda não temos os dados", sublinhou Denevi. “Por isso, ir ao lado mais afastado, recolher amostras e fazer diferentes tipos de medições geofísicas é muito importante para desvendar este mistério que já dura há muito tempo.”

A sonda lunar Chang'e-6 foi lançada a 3 de maio do Centro de Lançamento Espacial de Wenchang, na província de Hainan, no sul da China. Hector Retamal/AFP/Getty Images

A Chang'e-6 é apenas uma das missões que se dirige para o lado mais distante da Lua, uma vez que a NASA tem planos para enviar também missões robóticas para lá.

Denevi ajudou a conceber um conceito de missão para um rover lunar chamado Endurance, que fará uma longa viagem através da bacia do Polo Sul-Aitken para recolher dados e amostras antes de os entregar nos locais de aterragem Artemis, perto do polo sul lunar. Depois, os astronautas podem estudar as amostras e determinar quais as que devem ser enviadas para Terra.

Decifrar o código lunar

Uma das questões mais fundamentais que os cientistas têm tentado responder é como é que a Lua se formou. A teoria predominante é que algum tipo de objeto teve um impacto com a Terra no início da sua história e que um pedaço gigante que se desprendeu do nosso planeta formou a Lua.

Os cientistas também querem saber como se formou a crosta original da Lua. Os fluxos vulcânicos criaram manchas escuras na Lua, enquanto as partes mais claras da superfície representam a crosta primordial da Lua.

“Pensamos que a certa altura a Lua estava completamente derretida, era um oceano de magma e, à medida que este se solidificava, os minerais flutuavam para o topo do oceano, e é esse terreno mais claro que podemos ver hoje”, indicou Denevi. “Chegar às grandes extensões de terreno intocado no lado mais distante é apenas um dos objetivos.”

Entretanto, o estudo das crateras de impacto que cobrem a superfície lunar fornece uma história de como as coisas se moviam durante os primeiros tempos do sistema solar, numa altura crítica em que a vida estava a começar a formar-se na Terra.

“Enquanto os impactos aconteciam na Lua, aconteciam na Terra ao mesmo tempo”, disse Petro. “E assim, sempre que olhamos para estes acontecimentos antigos na Lua, estamos a aprender um pouco sobre o que está a acontecer na Terra também.”

A visita à bacia do Polo Sul-Aitken pode ser o início da resolução de uma série de mistérios lunares, antecipou Malhotra. Embora os investigadores acreditem ter uma ideia de quando a cratera se formou, talvez há 4,3 mil milhões ou 4,4 mil milhões de anos, a recolha de amostras de rocha poderia fornecer uma idade definitiva.

“Muitos cientistas têm a certeza de que se descobrirmos a idade daquela depressão, isso vai desvendar todo o tipo de mistérios sobre a história da lua.”

*Wayne Chang contribuiu para este artigo

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