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Jornalista,editor de Sociedade

Oito incompetentes, um iluminado, o motorista amigo e as notas do Monopólio

17 fev, 22:21

Vamos todos continuar a fingir não sabermos que o processo da Madeira passou pelo crivo de oito (8) magistrados antes de chegar ao único juiz que não viu ali nenhum crime? Para domesticarmos a justiça, e acabarmos com o Ministério Público, vamos todos fingir não sabermos já que, desses oito, quatro são juízes, além de três procuradoras e do próprio diretor do DCIAP? Vamos todos fingir que é mais provável os oito saberem pouco de Direito do que o único que não viu ali nada? Vamos todos fingir não sabermos que o ex-autarca do Funchal, que regressou à ilha com ar de preso político ou vítima de um terrível erro judiciário, usava o motorista da Câmara, funcionário público, como criado que lhe fazia depósitos na conta num total de 67 mil euros e que se apresentava no banco como “um amigo” ou “conhecido”? 

Vamos todos fingir não sabermos que esse autarca, sobre quem os oito magistrados autorizaram sucessivas escutas, vigilâncias e quebras do sigilo bancário por entenderem que havia fortes suspeitas da prática de crimes, é o mesmo que, por coincidência, no dia das buscas tinha 10 mil euros em notas? Vamos todos fingir que a mãe do autarca, indiciada como testa-de-ferro do filho pelo que se depreendia das escutas telefónicas, não tinha em casa, por coincidência, 46 notas de 200 euros num envelope com o logotipo da Câmara Municipal do Funchal, mais outra nota de 200 euros, 10 notas de 20 euros e outras 10 de 10 euros numa bolsa de tecido? 

Vamos fingir que o autarca, além de 15 relógios de luxo, não tinha um diamante na gaveta da secretária que uma empresa lhe ofereceu e que a defesa de Pedro Calado disse ter um “valor desprezível”, que depois passou a “desprezável”, mas que, pelo meio, desgraçadamente um perito credenciado pela Imprensa Nacional Casa da Moeda avaliou em cerca de 50 mil euros?   

Vamos todos fingir que nada disto aconteceu, que nada disto existe, que nada disto levanta “o mínimo indício” da prática de qualquer ilícito nem carece de explicação pública? Ou vamos perceber, juristas e não juristas, mas com os mínimos de inteligência e, sobretudo, com a honestidade intelectual exigível, que o anormal aqui é o facto de o juiz não ter gastado uma única linha do seu despacho para explicar o que entendia sobre isto?Se é que, em sede de contraditório, tudo isto foi questionado, como se espera, e tudo isto foi esclarecido pelo arguido. 

Vamos todos acreditar que, pela lei das probabilidades, faz mais sentido termos num só processo oito magistrados ignorantes e inconscientes, ou um último, que passou um atestado de incompetência a todos os outros, ser ele o incompetente? E qual é a probabilidade de uma secção do Tribunal da Relação de Lisboa, composta por três juízes desembargadores, ver agora, no recurso do Ministério Público, o mesmo que aqueles oito magistrados e repor a lógica dos indícios da prática de crimes face a tudo o que nos entrou pelos olhos?

Como não tenho certezas, dou o benefício da dúvida. O mesmo que deviam fazer os 78 advogados, 39 políticos e os comentadores em geral –alguns sabemos bem porquê – que correram a atirar o Ministério Público para a fogueira fingindo não terem visto o resto do filme. 

Quando um acusado vê a culpa confirmada em sucessivas instâncias, é presumível inocente até ao fim, até ao dito trânsito em julgado do processo. Quando é a acusação a tropeçar num juiz, que, digamos, por hipótese pode não ser o mais habilitado, logo se presume a incompetência. Se calhar devíamos ser todos mais cautelosos e, num caso ou outro, mais sérios e menos oportunistas.

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