Da "mesquinhez" de Costa ao "falhanço político". Sócrates arrasa Governo em artigo de opinião sobre novo aeroporto e TGV

11 out 2022, 14:02
José Sócrates

"Há muitas décadas que não ouvíamos tamanho disparate” ou o “esforço bastante ridículo” do primeiro-ministro são algumas das críticas deixadas pelo ex-primeiro-ministro

José Sócrates publicou esta terça-feira um artigo de opinião no site do semanário Expresso intitulado: “Breve história de dois fracassos e do enorme esforço para os encobrir”. O ex-primeiro-ministro refere-se ao novo aeroporto de Lisboa e ao TGV, aproveitando a oportunidade para fazer críticas ao Governo de maioria absoluta socialista, liderado por António Costa.

O antigo homem forte do PS diz que “sorrateiramente” e “sem que nada pareça ter mudado” o novo aeroporto e o TGV deixaram de ser “projetos faraónicos”, “elefantes brancos” e “desperdícios de dinheiros público” para entrarem “nas novas categorias de projetos absolutamente indispensáveis e absolutamente urgentes”.

“A mudança é feita com extremo cuidado pelo governo – retomamos os projetos do governo Sócrates, fingindo que não é nada disso que se está a passar. A história destes dois projetos é a história de um duplo fracasso político e de um enorme esforço de hipocrisia para os encobrir”, refere José Sócrates.

“Tantos anos, tantos governos, todos iguais, todos incapazes de decidir”, escreve, culpabilizando a “malícia da cobertura e análise jornalística”. O antigo primeiro-ministro lembra que “quanto ao aeroporto, a localização em Alcochete foi decidida em 2008, na sequência de uma avaliação ambiental estratégica e, dois anos depois, em 2010, o projeto tinha tudo para avançar na construção - estudo de impacto ambiental feito, avaliação ambiental aprovada, anteprojeto de construção e parecer positivo de todas as câmaras municipais envolvidas”, que  “tudo isto foi atirado para o lixo” e que agora “catorze anos depois voltámos ao ponto de partida”.

Já quanto ao TGV, Sócrates escreve no Expresso que este projeto “foi primeiramente cancelado em 2011 pelo governo da direita e três anos depois o Ministério Público tentou criminalizá-lo com acusações desonestas, absurdas e politicamente motivadas” e, sete anos mais tarde, em 2018, o governo socialista exprimiu finalmente a sua opinião sobre o projeto, considerando a alta velocidade “um tabu que duraria muito tempo”. “Bom, não demorou assim tanto”, ironiza Sócrates, lembrando que “este ano o projeto renasceu como ‘projeto revolucionário’ da ferrovia” e que “para trás ficam onze anos de atraso”.

A partir daqui António Costa ganha particular destaque ao longo do artigo de opinião de José Sócrates. O ex-primeiro-ministro diz que o Executivo permanece “fiel à sua linha de frio calculismo” e que “fez tudo o que podia para fingir que o projeto TGV, agora apresentado como prioritário, nada tinha a ver com o anterior projeto do anterior governo socialista”.

“Sendo difíceis de perceber no contexto de um projeto ferroviário, são fáceis de entender como exercício retórico manhoso de quem pretende estar a apresentar uma ideia completamente nova, uma ideia completamente original, uma ideia em que ninguém antes havia pensado”, pode ler-se.

Costa e o seu “esforço bastante ridículo”

Para o antigo secretário-geral socialista, este “esforço é bastante ridículo” e “todos sabem o que o orador está a tentar fazer”. Sócrates salienta, no entanto, que a “tirada mais grandiosa nesse famoso discurso foi aquela em que garantiu que ‘este não é um projeto de ligação entre capitais peninsulares’ nem representa a ‘diluição de Portugal no todo peninsular’” e, apesar de admitir poder concordar com a ligação ferroviária entre Porto e Vigo, acaba por reagir a conexão Lisboa/Madrid assim: “Há muitas décadas que não ouvíamos tamanho disparate”.

Sócrates vai mais longe e diz que “nada no discurso do chefe do governo tem a ver com estratégia, mas com mesquinhez”, cujo “objetivo é encobrir o falhanço político do adiamento do projeto de alta velocidade”.

“Há trinta anos os espanhóis inauguraram a sua primeira linha, entre Madrid e Sevilha. Há trinta anos a viagem entre Porto e Lisboa demorava cerca de três horas e hoje dura duas horas e cinquenta. Julgo que estes dois pontos são bastantes para se perceber o significado político do adiamento do projeto e o custo que representou para o desenvolvimento do país”, escreve o ex-primeiro-ministro.

Todavia, José Sócrates alerta que é necessário “compreender a razão de ser do adiamento destes projetos”, que imputa à “profunda mudança da cultura política que se foi acentuando e radicalizando nos últimos anos em Portugal e na Europa” e que adjetiva como “o extraordinário feito [da direita] de transformar qualquer investimento público em desperdício e lançar desconfiança sobre qualquer projeto público por mais importante que fosse”.

“A ideia de desenvolvimento e de modernização infraestrutural, que dominava o discurso político nas primeiras décadas democráticas, foi completamente abandonada no discurso público. Todo o investimento estatal é suspeito, tudo é um risco, tudo é uma aventura, tudo é desperdício de recursos”, refere.

“Foi a isto que chegámos”

Para o último primeiro-ministro com uma maioria absoluta em Portugal para além de António Costa, “a atitude reformista em favor do crescimento económico que antes falava em desenvolvimento, em educação, em tecnologia, em infraestruturas foi posta de lado”, como consequência direta dos “números arrepiantes para um país cujo principal problema económico é a baixa produtividade são os seguintes”.

“Foi a isto que chegámos”, diz, por fim, referindo que “em termos de investimento público, infelizmente, o que a história dos últimos anos nos mostra é que direita e esquerda já não se distinguem” e garante que “esta é a verdadeira explicação para o fracasso destes dois projetos”.

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