"Maldita paixão". A crise nos media é real, Marcelo pede ao Estado que "não se alheie" e os jornalistas garantem que vão continuar a lutar

18 jan, 22:31
Marcelo Rebelo de Sousa no Congresso dos Jornalistas (Manuel de Almeida/Lusa)

O Presidente da República esteve na abertura do 5º Congresso dos Jornalistas para pedir "entendimento amplo" entre os partidos políticos para aprovarem medidas de apoio à comunicação social. As restantes intervenções balançaram entre a crise que é real e a esperança que ainda não se perdeu: "Têm de ser os jornalistas a construir o futuro do jornalismo", disse o presidente do congresso, Pedro Coelho

"Ainda acreditamos, precisamos muito que isto resulte", disse Pedro Coelho. Isto, o jornalismo. Isto, o 5º Congresso dos Jornalistas, que começou esta quinta-feira à tarde, no Cinema São Jorge, em Lisboa. Na intervenção de abertura, o presidente do congresso falou para uma sala praticamente lotada. E, apesar de cá fora haver abraços de gente que não se via há muito tempo, todos com as suas acreditações vermelhas ao peito, novos e velhos, estudantes e reformados, jornalistas vindos de vários pontos do país para estes quatro dias de encontros e debates, naquele momento, quando as atenções se viraram para o palco, o ambiente não era de festa: "Passaram sete anos desde o último congresso e estamos pior", garantiu Pedro Coelho.

Falou por si, mas também por todos. "Pelos que fazem estágios atrás de estágios; pelos que trabalham de mais e ganham de menos; pelos que não têm dinheiro para viajar, ter casa, ter filhos; pelos que ganham meio salário mas que em meio dia trabalham dois. Pelos que impulsionados pelo desespero tiveram a coragem de sair da profissão, e pelos que, apesar de tudo, têm coragem em ficar." Este é o retrato de uma classe: os jornalistas trabalham muito e, de uma maneira geral, ganham pouco. Este é o retrato do sítio onde estamos: um setor em crise, com falta de investimento, onde poucas empresas dão lucro.

"Maldita paixão", lamentou-se Pedro Coelho. Num estudo sobre a "Precariedade do Jornalismo", realizado pela Universidade Lusófona (e cujas conclusões provisórias serão apresentadas amanhã no congresso), "a maioria dos entrevistados, mesmo sabendo o que hoje sabe, voltaria a escolher a profissão. "Maldita paixão", voltou a lamentar-se.

"Têm de ser os jornalistas a construir o futuro do jornalismo", disse Pedro Coelho. "Neste congresso, não podemos enterrar a cabeça na areia", avisou. "Que se discuta sem tabus o financiamento do jornalismo - e não das empresas, cuja propriedade desconhecemos", disse. Há que debater "os patos bravos que querem investir no jornalismo, como se o jornalismo pudesse ser empacotado e emprateleirado". Mas os jornalistas têm de olhar também para os erros e para as falhas, há que debater a apatia da classe e os muitos atropelos éticos que acontecem, a cada vez maior mistura entre informação e entretenimento, entre notícias e comentários.

E têm ainda de ficar alerta aos novos ventos de censura. "Foi agredido um jornalista do Expresso. Foi agredido só por ser jornalista", disse Luís Filipe Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas. "Não podemos permitir que sejamos removidos seja de onde for ou que nos limitem o acesso a acontecimentos com personalidades públicas", acrescentou Maria Flor Pedroso, presidente do Clube dos Jornalistas. 

Marcelo defende apoio à comunicação social

"As palavras bonitas de que o jornalismo é um pilar da democracia já não são suficientes, é urgente agir rapidamente", afirmou Luís Filipe Simões, sublinhando a importância de "fazer um grito de alerta para a sociedade ouvir, para os decisores ouvirem, para o Presidente da República ouvir", disse, dirigindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa, sentado à sua frente na plateia.

O Presidente ouviu e respondeu. Dirigindo-se a "amigas e amigos", relembrou, na sua intervenção, a sua relação de 60 anos com o jornalismo, desde os tempos "da composição a chumbo" até ao momento presente em que de repente se fala de inteligência artificial. Depois de fazer um diagnóstico da situação do jornalismo em Portugal, afirmou: "Tudo isto torna inevitável, primeiro, que haja transparência no saber quem lidera e gere o quê na comunicação social, com que projetos editoriais, com que modelos, com que perfis e viabilidade de dar vida ao setor".

"Segundo, que os proprietários e gestores de meios, todos eles, mais os especialistas nas mudanças científicas, tecnológicas e sociais em curso estejam em constante convergência, interação e prospetivas estratégicas, formando uma plataforma de diálogo e de convergência com os jornalistas", acrescentou. E, por fim, Marcelo Rebelo de Sousa considera que se impõe então que "o Estado – o que é diverso de quem em cada momento exerce funções em sua representação – não se alheie nunca de um debate essencial", porque "há meios públicos históricos e muito importantes" e porque "só numa base de entendimento amplo de forças e hemisférios doutrinais, ideológicos e políticos diferentes é possível abordar esta temática de regime".

À saída, em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou a esperança de que este congresso, "em tempo eleitoral", a menos de dois meses das legislativas de 10 de março, seja "um grande momento para se chegar a um entendimento amplo, eu diria de regime, quanto a medidas já experimentadas noutros países" de apoio ao setor da comunicação social.

"Há várias pistas possíveis, tem de ser por um acordo partidário muito amplo, tem de ser por regras gerais e abstratas, com um regime de grande independência e isenção, porque senão os governos eles próprios têm um bocado de pudor em tomar qualquer iniciativa", considerou.

"Quero continuar a ser jornalista. Tenho esperança"

Os jornalistas ainda acreditam, essa é a verdade. E é por isso que fazem de tudo para que "isto" resulte. Quando, mais tarde, subiram ao palco os quatro representantes dos "órgãos de comunicação social em situação vulnerável", ou seja, do Global Media Group, todos eles disseram o mesmo. Mesmo com ordenados em atraso, mesmo perante "administradores que andam há várias semanas entretidos a diminuir sistemática e metodicamente o valor do grupo", a "denegrir" as suas próprias marcas, mesmo a trabalhar em redações cada vez mais magras, a trabalhar cada vez mais para compensar o trabalho daqueles que foram despedidos nos últimos anos ou que decidiram sair "sucumbindo ao desgaste", mesmo perante ingerências e faltas de respeito, mesmo sem saber ao certo quem é afinal o principal acionista do grupo ("Qual o interesse que pode ter um fundo sedeado nas Bahamas num grupo de comunicação social em Portugal?", perguntou Mário Fernando, da TSF, afinal, toda a gente sabe "que isto não é um grande negócio"), mesmo com muitas dúvidas em relação ao futuro, todos eles quiseram deixar claro o quanto gostam deste "oficío" e não estão dispostos a desistir.

Havia cravos vermelhos nas mesas e aos jornalistas tremeu-lhes a voz em alguns momentos. "Quero continuar a ser jornalista. Tenho esperança", disse Frederico Bártolo, d'O Jogo, no dia em que os jornalistas do seu órgão e do Jornal de Notícias aprovaram em plenário pedir a suspensão dos contratos de trabalho.

“O jornalismo é ou não um bem essencial? Sem jornalismo a democracia morre na escuridão. Poderá a classe política fazer a gentileza de pensar numa nova lei de mecenato?", perguntou João Pedro Henriques, do Diário de Notícias, propondo um novo tipo de mecenato "cívico", para aqueles que contribuem para manutenção da democracia. E lembrando o momento que vivemos: "Que nenhum [partido] se atreva a fazer da nossa situação arma de arremesso na campanha. Mantenham a compostura", pediu. "Este é o combate das nossas vidas. Respeitem-nos."

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