Irão diz que retaliou um ataque de Israel. E agora pode haver nova retaliação, até porque a legítima defesa pode, há muito, ter deixado de ser um argumento
“Há uma grande diferença entre atacar e retaliar.” E essas são as duas opções que Israel tem em cima da mesa depois de ter sido atacado pelo Irão com mais de 300 drones e mísseis, numa resposta a um ataque israelita que matou membros das Guardas Revolucionárias iranianas no consulado em Damasco, Síria. O especialista em relações internacionais, Francisco Pereira Coutinho, defende que nem o Irão, nem Israel podem invocar legítima defesa perante os recentes ataques. Contudo, para Vasco Becker-Weinberg não é assim tão linear: Israel pode.
Há 15 dias, sete membros do exército da Guarda da Revolucionária Islâmica morreram num bombardeamento israelita que atingiu o edifício da embaixada iraniana, em Damasco, capital síria. Em resposta, Teerão atacou diretamente Israel, pela primeira vez na história, este sábado, alegando legítima defesa. Por cima ainda acusou o Conselho de Segurança das Nações Unidas de “falhar o seu dever de manter a paz e segurança internacionais”.
Iran’s invocation of Article 51 of the UN Charter occurred following a 13-day period marked by the Security Council’s inaction and silence, coupled with its failure to condemn the Israeli regime’s aggressions. Certain countries’ precipitous condemnation of Iran’s exercise of its… pic.twitter.com/knuJrzS4ji
— Permanent Mission of I.R.Iran to UN, NY (@Iran_UN) April 14, 2024
Segundo Vasco Becker-Weinberg, especialista em relações internacionais, a legítima defesa, tal como definida no artigo 51.º da Carta das Nações Unidas, “tem como pressuposto a ocorrência de um ataque”, sendo que “a resposta deve obedecer a critérios de razoabilidade”. Na sua perspetiva, a operação "Promessa Honesta", desencadeada pelo Irão, “não constitui o exercício do direito de legítima defesa, mas antes uma agressão de um Estado contra outro”.
Francisco Pereira Coutinho partilha da mesma visão: “Trata-se de legítima defesa quando um Estado é atacado e responde para prevenir um ataque futuro”. E salienta que o ataque israelita em Damasco foi há 15 dias, o que invalida a invocação da legítima defesa por parte do Irão.
É numa possível resposta de Israel que os especialistas discordam. Para Pereira Coutinho só seria legítima defesa “caso respondesse imediatamente ao ataque”. “Não pode haver ataques preventivos, Israel não pode atacar o Irão para impedir que use armas nucleares contra si, por exemplo”. Já Becker-Weinberg, defende que Israel “está na situação de poder exercer o direito de legítima defesa”. E sublinha que “apesar de não ter havido danos mortais, a operação iraniana teve uma dimensão significativa”: danificação de propriedade e 12 feridos. “Foi uma ameaça à soberania e integridade de Israel e dos Estados vizinhos”.
O que diverge entre ambos os especialistas de relações internacionais é a “fita de tempo”. Por um lado, Pereira Coutinho argumenta que Israel podia ter retaliado de imediato. Por outro, Becker-Weinberg sustenta que, à luz do direito internacional, “a partir do momento que o Irão ataca Israel, Israel poderia atacar em legítima defesa”.
A operação "Promessa Honesta" marcou o primeiro ataque iraniano contra Israel. “O Irão atacou sempre através dos grupos terroristas que financia - Hezbollah e Houthis”, frisa Vasco Becker-Weinberg. “Israel violou a inviolabilidade da Convenção de Viena”, nota Jorge Botelho Moniz, também especialista em relações internacionais, esclarecendo que “não se pode violar a residência de um embaixador, num país terceiro”. Na sua ótica, esta foi a “linha vermelha” do Irão que “serviu de argumento” para este ataque. “Talvez achassem que Israel estava isolado internacionalmente”. Neste sentido, Botelho Moniz defende que, “havendo um argumento [que serviu de pretexto], haverá base jurídica para alegar legítima defesa”. Becker-Weinberg discorda: “sendo que foi fora do Irão torna-se difícil a invocação da legítima defesa”. E aponta ainda para o critério de proporcionalidade, destacando que é preciso medir entre “a destruição de um consulado e a morte de três pessoas - uma delas a que orquestrou o ataque de 7 de outubro” - e o “lançamento de mais de 300 mísseis e drones contra Israel”.
“Assistimos a uma encenação”, descreve Jorge Botelho Moniz, relatando que o Irão avisou os EUA, sabendo que iriam avisar Israel, que, por sua vez, preparou a sua defesa. Aliás, Israel diz que a sua defesa “foi um sucesso” - “destruímos 99% dos mísseis e drones”. O especialista nota ainda que o aviso aos EUA foi como “um pedido encarecido” e uma demonstração de desinteresse de conflito direto com os EUA. “O Irão tem tido contenção e foi bastante diplomata”.
O ministro das Relações Exteriores do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, declarou este domingo que o país não tem intenção de prolongar o que chamou de “operações defensivas”, mas alertou que não hesitará em defender os interesses legítimos da nação contra novas agressões. “Ou Israel acredita nesta informação, ou se tiver informação em contrário, poderá atuar perante essa iminência”, diz Vasco Becker-Weinberg, destacando que “a resposta chegará no tempo e modos que Israel entender, mais à frente”.
Para Jorge Botelho Moniz, Israel poderá vir a atacar o Irão sob o pretexto de legítima defesa. No entanto, torna-se premente cumprir a “lógica da proporcionalidade”. O especialista defende que uma ação internacionalmente aceitável seria um “ataque a alvos militares escolhidos”. Desta forma, “Israel poderia mostrar uma posição de força atenuada, não permitindo um escalar do conflito”.