Uma retrospetiva nostálgica de quando a Internet ainda trazia alegria

CNN , Steffi Cao
29 mar, 16:00
Festa LAN primórdios internet computadores (Matthias Rietschel/AP)

Viagem aos primórdios da internet e das festas LAN, eternizadas num novo livro de fotografia da escritora e podcaster Merritt K

Na viragem do milénio, a tecnologia baseada na web encontrava-se num estado de crisálida. O Google era apenas um de vários motores de busca convencionais, ainda não um império monopolista. A internet discada (e o seu icónico tom de discagem) ainda era uma realidade em muitos lares americanos. Serviços de partilha de ficheiros como o Napster e o LimeWire estavam a começar a descolar. Leitores de MP3 e avanços nos gráficos 3D representavam uma tecnologia totalmente nova.

E em quartos de dormitórios suados e caves esparsas por todo o mundo, as pessoas traziam os seus monitores de mesa para configurar uma rede local (LAN) e jogar jogos de jogadores múltiplos – “Half-Life”, “Counter-Strike”, “Starsiege: Tribes”, “StarCraft”, “WarCraft” ou “Unreal Tournament”, para citar apenas alguns. Eram encontros informais, mas de alto risco, então conhecidos como festas LAN, em que se ganhava uma caixa de bebidas energéticas ou apenas a alegria de sair vitorioso.

As festas podiam durar vários dias e noites, com os jogadores amontoados entre pesados computadores e caixas de fast food, a dormir debaixo das suas secretárias em sacos-cama e a fazer pausas para pregar partidas uns aos outros ou ver filmes.

David Harrison/Courtesy Thames & Hudson​​​​​

Desde então, muita coisa mudou. Por um lado, o mundo dos jogos evoluiu de uma subcultura voltada para o utilizador para uma indústria multimilionária que tem menos a ver com as pessoas juntarem-se fisicamente e mais a ver com uma rede mais ampla de competições de e-sports, a lucrativa interseção entre jogos e criação de conteúdo e uma impressão digital corporativa proeminente de jogabilidade, design e monetização.

Particularmente para os jogadores da geração Z, uma geração que cresceu quase completamente na era dos smartphones, a realidade de há 25 anos pode parecer completamente diferente. Mas para os millennials e a geração X, os monitores quadradões e os gráficos pixelizados podem ser lembranças familiares de um passado tecnológico não tão distante.

Foi esta nostalgia que levou a escritora e podcaster Merritt K a documentar a cultura de jogos da época no seu novo livro de fotografia “LAN Party”. Após divulgar a ideia na X, plataforma de media social anteriormente conhecida como Twitter, recebeu uma resposta imediata – e visceral – de jogadores da velha guarda muito interessados em partilhar memórias e fotografias de festas LAN e convenções de jogos em todo o mundo.

“Eu sei que nenhuma dessas pessoas são os meus amigos e eu”, escreveu um utilizador da X em resposta às imagens na publicação de K, “mas como as fotos me parecem tão familiares dou por mim à procura de todos nós. Isto era basicamente como a maioria dos fins de semana entre 2000 e 2004 eram para nós.”

“Apesar de, num sentido literal, eu não estar em nenhuma destas fotos, o meu eu do liceu está em cada uma destas fotos”, escreveu outro utilizador.

Muitas pessoas que nunca experienciaram a era das festas LAN também reagiram com excitação. “Penso que toda a gente sente uma espécie de nostalgia por um período anterior a terem nascido”, diz K à CNN. “Tive pessoas de 20 anos a twittar e a dizer ‘Nasci na década errada’.”

Ao longo das páginas de “LAN Party”, há uma sensação muito evocativa de anseio pela distância – memórias afetuosas e melancólicas de um passatempo do passado. É estranho lembrar que a internet foi, em tempos, um lugar onde se ia para passar o tempo com outras pessoas reais; um espaço controlado, não uma realidade semelhante a uma película aderente que envolve o mundo corpóreo a partir do nosso próprio bolso.

Jeff Tillett/Clan/Courtesy Thames & Hudson

“Aquela altura – no final dos anos 1990, início dos 2000 – foi pré-redes sociais”, diz K. “Foi a era dos blogues e dos fóruns. Ninguém tinha realmente acesso 24 sobre 24 horas. Portanto, apesar de estarmos então a começar a ter internet de alta velocidade, continuava a ser um lugar onde íamos, em vez de apenas uma parte da nossa vida. E esta sensação de conexão com pessoas de outras partes do mundo era fixe. Não era algo que tomássemos como garantido ainda.”

Ao crescer como adolescente nessa época, havia uma sensação de esperança (que agora talvez pareça ingenuidade) quanto às possibilidades da tecnologia, explica K. O livro está cheio de fotografias de pessoas a sorrir e a posar com os seus monitores de mesa, o orgulho e a fanfarra notórios. Naquela época, muitos novos produtos tecnológicos eram desenvolvidos tendo em mente a ostentação lúdica – os telemóveis eram frequentemente ornamentados ou aprimorados, as câmaras vinham em conchas rosa-choque e as empresas tecnológicas até colaboravam com marcas de moda de luxo.

“Sentíamos ‘Wow, o futuro está a chegar’”, diz K. “Foram tempos emocionantes em que sentíamos que estávamos a trilhar o nosso próprio caminho. Não quero romantizar demasiado, porque obviamente não era perfeito, mas era uma experiência muito, muito diferente.”

Também foi uma nova era para a fotografia. As câmaras digitais – com as quais a maioria das fotos de “LAN Party” foram tiradas – tinham acabado de se tornar amplamente disponíveis ao público. Como resultado, as imagens eram granulosas, não-editadas e geralmente de baixa qualidade sob os padrões atuais. Afinal de contas, documentar a vida do dia-a-dia através de imagens ainda era uma anomalia, diz K. E como tal, as pessoas que aparecem nas fotografias do livro ainda não estavam conscientes dos seus melhores ângulos, nem parece que estivessem necessariamente a tentar ficar bem na fotografia.

“Algumas pessoas estão apenas a fazer caretas, a mostrar o dedo para a câmara”, conta K. “Ninguém sabia ainda realmente como tirar uma selfie. Quando as câmaras digitais apareceram, começou a tornar-se uma coisa mais quotidiana… com as pessoas a questionarem-se ‘Como é que fiquei nesta fotografia? O que é que faço?’”

É claro que muitas das fotos também servem de presságio sobre o que estava por vir. E também contêm as primeiras pegadas dos estereótipos modernos da cultura dos gamers – ambientes húmidos, antissociais e aparentemente insalubres. (Apesar da popularidade global do gaming, hoje é muitas vezes caracterizado como o domínio de jovens brancos do sexo masculino, onde internalizam e disseminam políticas de direita racistas e misóginas.”)

Ainda assim, “era um pouco mais comunitário”, diz K. “Se estás a jogar jogos com alguém na mesma sala, é uma experiência diferente de o fazer online. Há limites para o quão idiota se consegue ser com alguém que está sentado a um metro de distância, ao passo que hoje em dia, com os jogos online, a toxicidade é um problema enorme. Ser anónimo online pode inspirar o que há de pior nas pessoas.”

Brett Masse/Courtesy Thames & Hudson

Apesar de terem diminuído significativamente em frequência, ainda há festas LAN a acontecer. (Também mantiveram o seu estatuto ao longo dos anos como iconografia cultural; uma fotografia de um homem colado ao teto com fita-adesiva – sem parar de jogar “Counter-Strike”, note-se – numa sala mal iluminada durante uma festa, por exemplo, tornou-se por si só um lendário meme de gamer.) K reconhece entre os jovens o fascínio de preservar o fenómeno na memória, mas as festas continuam, hoje em dia, a ser organizadas e frequentadas “IRL” (In Real Life, na vida real) por pessoas que se lembram como foi a experiência da primeira vez.

“De certa forma, acho que perdemos grande parte do controlo sobre a nossa relação com a tecnologia”, diz K. “E também perdemos muita privacidade. Há menos uma sensação exploratória, porque simplesmente já não há tanta coisa para explorar.”

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