Savicevic: «Jogadores medianos saem por 30 mil euros»

7 out 2002, 14:12

Jugoslávia: O declínio de uma potência O futebol parou no tempo, passado para segundo plano num país em guerra e em crise. O Maisfutebol esteve em Belgrado e fez o diagnóstico de um país que há uma década estava no auge.

Dejan Savicevic é o novo seleccionador jugoslavo. Depois de uma grande carreira como jogador, com o auge na conquista de duas Ligas dos Campeões (pelo Estrela Vermelha em 91 e pelo Milan em 94), o craque formado no Buducnost Titograd orienta agora os destinos da sua selecção. Em Belgrado, no Hyatt Hotel, onde vive - o mesmo onde o Sporting ficou hospedado antes do jogo com o Partizan - o antigo craque recebeu o Maisfutebol, numa entrevista onde passou em revista os grandes problemas do futebol local.

E para Savicevic, há tantas circunstâncias a contribuir para o declínio do futebol jugoslavo - tomando como referência precisamente o ano de 91, em que o seu Estrela Vermelha foi campeão europeu e a selecção foi a primeira a apurar-se para o Euro-92 - que será quase impossível voltar a somar tantos sucessos.

«Nos últimos dez anos o nosso país esteve debaixo de um embargo desportivo e depois da sentença Bosman todas as nossas jovens promessas foram jogar para o estrangeiro. Poucos ficaram na Jugoslávia, o futebol está falido e é normal que não tenha a força que tinha antes. Nas grandes equipas europeias quase só jogam estrangeiros, sete, oito, e antes eram apenas três. Por isto, há muitos jogadores jugoslavos, romenos, búlgaros que deixam o seu país e as equipas ficam debilitadas, porque não têm dinheiro para pagar os salários dos jogadores e são obrigados a vendê-los.»

O problema estende-se portanto a todo o leste europeu, não é exclusivo da Jugoslávia. E mesmo sem a guerra e a desagregação do antigo país, seria complicado ter equipas tão fortes como antes. «Mesmo que se juntasse todas as equipas da ex-Jugoslávia o campeonato continuaria a não ser forte, porque todos os grandes jogadores vão embora. Tínhamos um campeonato forte, mas em 1991 a maior parte dos jogadores deixou o país. Antes todos os jogadores tinham de ficar aqui até pelo menos aos 26 anos, agora com 18, 20, 21, vão embora. Os que não eram foras-de-série não saíam para jogar na II Divisão grega, na Hungria, na Bulgária, como agora... Ficavam aqui e o campeonato saía a ganhar. Os jogadores medianos agora saem por 50 mil euros, 30 mil euros, com salários mais pequenos.»

É verdade que Partizan e Estrela Vermelha não venderam qualquer jogador esta época, mas Savicevic diz que foi uma situação apenas circunstancial, e que isso é uma necessidade para sobreviver. «Há crise na Europa, foi ano de Mundial e as poucas equipas compradoras foram buscar jogadores às selecções que estiveram no Mundial. Sem resultados não se pode recuperar. O Estrela Vermelha venceu em Verona o Chievo, o Partizan eliminou o Sporting, e se passarem mais uma eliminatória venderão algum jogador. Tudo depende dos resultados.»

Os problemas na formação

A crise no país contribuiu também para o (inevitável, diz) declínio do futebol local. «A economia não é forte, não há patrocínios e as equipas são obrigadas a vender jogadores para sobreviver, para ter dinheiro para pagar os salários dos outros. Até na formação se sente isso. Os treinadores dos jovens ganham pouco e não têm motivação para treinar bem, embora o problema não seja só nosso. Na Croácia acontece o mesmo.»

Partizan e Estrela Vermelha são excepções na formação, admite, mas há também uma mudança no típico jogador de futebol que não ajuda, sustenta Savicevic. «Todos os grandes jogadores da minha época chegaram a Belgrado de pequenas cidades da antiga Jugoslávia; eu vim do Montenegro, Jugovic de uma pequena vila a 150 km de Belgrado, Boban de uma pequena cidade perto de Zagreb. Todos os grandes jogadores vinham da província, hoje não. São jovens da cidade. Antes jogavam os pobres, agora só podem jogar os que têm dinheiro, é um dos problemas hoje do futebol.»

O exemplo (inacessível) do basquetebol

Os problemas no campeonato local estão identificados, mas é complicado resolvê-los. Já na selecção, diz Savicevic, as dificuldades são diferentes. «Há qualidade mas não em grande número. Conseguimos por exemplo encontrar soluções para o lado esquerdo da defesa, mas agora, por exemplo, faltam-nos centrocampistas. Não temos tantos como tínhamos no passado.»

A base da equipa é feita a partir de jogadores que actuam fora da Jugoslávia. «Todos os grandes jogadores saem. Há bons futebolistas no campeonato, mas não são foras-de-série. Temos um grupo muito difícil, com Itália, Gales, que está muito bem, Finlândia, vamos ver... Queremos qualificarmo-nos, mas vai ser difícil.»

O basquetebol é um exemplo. A selecção jugoslava foi campeã mundial este ano, mas quase exclusivamente com jogadores a actuarem fora do país. O caminho no futebol é idêntico, porque tal como no basket o campeonato local é pouco competitivo e falta experiência aos jogadores, mas Savicevic é realista - um sucesso assim não é possível no futebol. «Não temos jogadores fantásticos como Bodiroga, Divac ou Koturovic, não podemos fazer um grande resultado. A ex-Jugoslávia sim, podia. A Croácia, aliás, fez um óptimo Mundial em 98 porque eram jogadores que tinham jogado aqui - Suker, Jarni, Boksic, Stimac, Bilic, Jerkan, todos estavam no Campeonato jugoslavo até 91. Agora sofrem, porque também não têm um campeonato forte.»

Um olhar pela carreira

Dejan Savicevic terá sido dos jogadores mais prejudicados pelo embargo desportivo à antiga Jugoslávia. Se a nível de clubes somou sucessos - três campeonatos e duas taças da Jugoslávia, três campeonatos italianos, duas taças dos Campeões, uma taça Intercontinental e uma Supertaça Europeia -, o seu auge desportivo foi manchado a nível de selecções pela ausência das fases finais dos Europeus de 92 e 96 e do Mundial de 94.

«Fomos a primeira equipa a qualificar-se para o Europeu de 92. Para mim era uma das melhores gerações de sempre do futebol jugoslavo, mas no fim a política meteu-se...»

Savicevic admite que as ausências dessas três fases finais foram uma das suas grandes mágoas, assim como uma lesão no joelho nos últimos anos. «Tenho muitas boas recordações e fiquei contente com a minha carreira», diz, ainda assim. «Aos 35 anos tive de dizer basta. Quando se vê que não se pode fazer as coisas que se fazia antes é altura de parar.»

No cantinho das grandes memórias há um lugar privilegiado para o Estrela Vermelha, que venceu a Taça dos Campeões no desempate por penalties frente ao Marselha, feito que Savicevic considera irrepetível. «Fizemos um grande resultado e era uma geração de grande qualidade. O Estrela Vermelha comprou três ou quatro bons jogadores e fez um grande grupo, com Jugovic, Mihajlovic, Prosinecki, Pancev, eu, Belodedici...»

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