Indiana Jones está de volta: com 80 anos, leva o chapéu e o chicote em busca do tempo perdido

29 jun 2023, 09:00

O quinto filme da saga é realizado por James Mangold e será, diz o ator Harrison Ford, o último do herói. Para alguns fãs, terá seguramente efeitos digitais a mais. Mas prova que Indy, mesmo com dores nas costas, continua a manter o bom humor e a saber combater os nazis. "Indiana Jones e o Marcador do Destino" está a partir desta quinta-feira nos cinemas

1944, em plena Segunda Guerra Mundial, na Europa: entre tiros e explosões, Indiana Jones (Harrison Ford recauchutado pelos efeitos especiais dos estúdios Lucas e Disney) tenta recuperar relíquias arqueológicas roubadas pelos nazis, entre as quais se encontra o “marcador do destino”, construído pelo matemático grego Arquimedes, no século III a.C.. Para professor e arqueólogo, Indiana parece estar em muito boa forma, deitando abaixo um nazi atrás do outro e conseguindo salvar o seu companheiro, Basil Shaw (interpretação de Toby Jones).

Na primeira cena em que Harrison Ford aparece tal como é, está em tronco nu, a resmungar por ter sido acordado pela música do vizinho. São visíveis as peles caídas nos braços e a barriga flácida do ator de 80 anos. É visível também o envelhecimento e o entristecimento da personagem: perdeu o filho na guerra do Vietname, está a separar-se da mulher, Marion (a sua companheira de aventuras n’Os Salteadores da Arca Perdida”), adivinhamos-lhes a depressão no olhar zangado e nos gestos solitários. Estamos em 1969, os primeiros astronautas pisaram a Lua e os jovens ouvem Beatles e David Bowie. Mas, longe das glórias passadas, o professor Jones já não sabe como cativar os seus alunos inquietos com a vida lá fora e pouco interessados em artefactos gregos e fenícios e já não planeia fazer nenhuma “viagem mágica e misteriosa”: vai reformar-se, com direito a bolo e bandeirinhas e a acabar o dia a afogar as mágoas num copo de whisky. É o surgimento da sua ambiciosa e destemida afilhada, Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge) que vai levar Indy de volta à aventura, em busca do “marcador do destino”, uma espécie de relógio que supostamente consegue encontrar fissuras no tempo, permitindo viagens espácio-temporais.

Indiana Jones queixa-se das dores nas costas, mas a idade não lhe parece pesar quando monta um cavalo pelos túneis do metro de Nova Iorque ou conduz um tuk-tuk pelas apertadas ruas de Tânger. Por vezes, o exagero ficcional pode tornar-se desconfortável, há que admiti-lo, mas, apesar de em alguns momentos, o ritmo alucinante e os efeitos digitais mais nos fazerem lembrar um filme de super-heróis, “Indiana Jones e o Marcador do Destino” tem todos os condimentos da saga, com cenas vertiginosas de perseguição e salvamentos no último segundo, e um vilão nazi que sonha em trazer de volta o terceiro Reich, Jürgen Voller (interpretado por Mads Mikkelsen). Tem bichos que nos fazem sentir comichão no corpo todo, pontes suspensas em vias de desabar, grutas escuras que é preciso percorrer e Indiana Jones de chapéu e chicote, o habitual bom humor e o seu sorriso desarmante, a descodificar pistas deixadas há milhares de anos para abrir alçapões e encontrar tesouros muito bem escondidos. 

A personagem de Phoebe Waller-Bridge (que conhecemos sobretudo da série "Fleabag") traz a dose certa de irreverência e imprevisibilidade à vida de Indiana Jones. John Rhys-Davies regressa como o velho amigo egípcio, que ajudou Indiana em “Salteadores da Arca Perdida” e “A Última Cruzada”. Em vez do Minorca (interpretado por Ke Huy Quan em “O Templo Perdido”, de 1984), temos Teddy Kumar (o ator Ethann Isidore), um jovem marroquino, ladrão exímio que sonha ser piloto de aviões. E Antonio Banderas surge brevemente, como um mergulhador no Mediterrâneo.

Não por acaso, o tempo é o grande tema deste filme. O que faríamos se pudéssemos voltar atrás no tempo? O que mudaríamos? No balanço inevitável que fazemos quando vemos o tempo à nossa frente a encurtar-se, perguntamo-nos quem vai estar à nossa espera no regresso a casa. Vale a pena voltar?

"Estamos a vê-lo num ponto baixo como nunca tínhamos visto", disse Harrison Ford sobre Indiana Jones. "A sua fraqueza é a devastação do tempo." Esta é, ao que tudo indica, a despedida da personagem. "Sempre quis finalizar esta história mostrando-o no final da sua carreira e até da sua vida", contou o ator, na conferência de lançamento de “Indiana Jones e o Marcador do Destino”, sublinhando que só aceitou participar nesta última aventura porque tinha “um excelente guião” e a garantia de que não haveria “barreiras para contar mais um capítulo desta história". "Foi algo que ambicionei." No final, considera que o filme cumpriu os objetivos a que se propunha: “É um excelente adeus.”

A música de John Williams continua inconfundível, mas, desta vez, ao contrário dos anteriores quatro filmes, a realização não é de Steven Spielberg, mas de James Mangold, o mesmo de “Copland” e “Le Mans 66: O Duelo”.

"Como é ser alguém que teve uma vida tão dinâmica, que viu e conquistou tanto e sobreviveu adversidades, e depois desce até à normalidade e o mundo avança, e essas aventuras já não se apresentam?" - este foi o ponto de partida do realizador, explicou. "Estas questões podem soar impiedosas, mas são o primeiro capítulo numa história sobre um homem que embarca numa última jornada." 

O realizador queria fazer mais do que um filme de ação com um grande orçamento. "O maior desafio foi garantir que o filme tinha coração e que estas pessoas incríveis tinham espaço para trazer humanidade para um filme de grande escala", disse James Mangold. "Podemos fazer as duas coisas? Ter espetáculo e aventura e também as excentricidades e contradições da condição humana?", questionou. 

No final, ferido e cansado, Indiana Jones regressa a casa e Marion (interpretada por Karen Allen, a mesma atriz de há 42 anos) está lá para cuidar dele. Num dos momentos mais ternurentos do filme, os dois recuperam uma das cenas românticas de “Salteadores da Arca Perdida”. “Onde te dói?”, pergunta ela. “Dói-me tudo”, responde ele. "Não são os anos, é a quilometragem", tinha dito Indy no filme de 1981. As dores fazem parte da vida, mas, seja em que idade for, um beijo é capaz de ser uma boa ajuda.

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