Uma "implosão catastrófica" foi o fim do Titan. Ainda falta saber o "onde, quando e porquê"

22 jun 2023, 21:11

Busca intensa e em condições muito difíceis chegou ao fim. Submersível Titan, que mergulhava na localização onde o Titanic naufragou, implodiu, causando a morte dos cinco tripulantes.

A extensa operação de busca e salvamento que procurava recuperar o submersível Titan, que desapareceu durante um mergulho na localização onde o Titanic naufragou, em 1912, chegou ao fim. A Guarda Costeira dos EUA confirmou que todos os cinco tripulantes morreram por aquilo que parece ter sido uma “implosão catastrófica da embarcação" onde viajavam.

A experiência, que custava cerca de 250 mil dólares por pessoa, levava cinco passageiros a bordo, incluindo o diretor-executivo da OceanGate Expeditions, um multimilionário britânico, um mergulhador e explorador francês, e um pai e um filho do Paquistão.

O Titan, que é o único submarino com capacidade para cinco pessoas capaz de alcançar quatro mil metros de profundidade, desapareceu do radar cerca de uma hora e 45 minutos após a sua descida ao largo da costa de Cape Cod, Massachusetts, segundo informou a Guarda Costeira dos EUA no domingo.

No dia em que desapareceu, iniciou-se uma operação contrarrelógio, visto que, nas melhores circunstâncias, o navio apenas tinha oxigénio disponível até esta quinta-feira de manhã. 

 

Logo desde o primeiro dia, a operação levada a cabo pela Guarda Costeira norte-americana e que contou com aviões e navios canadianos - incluindo um Lockheed CP-140 Aurora  e um CCGS Kopit Hopson 1752 -, enfrentou vários desafios por causa das condições climatéricas adversas, da baixa visibilidade e da localização remota.

A própria Marinha portuguesa assumiu a dificuldade da operação. “É como encontrar uma agulha no palheiro”, disse à CNN Portugal o engenheiro sub-marinista da Esquadrilha de Sub-Superfície da Marinha, capitão Isaac Silveira, sublinhando ainda que a possibilidade de o navio ter ficado preso nas ruínas do Titanic podia colocar em causa toda a busca. “Imaginem a curiosidade de quem vai e desce aos quatro mil metros para ver um navio afundado que queira ver o mais próximo possível e que existam ali limites ou compromissos que possam não ter corrido bem, até pelas próprias correntes. E uma das razões pela qual o Titan possa não ter vindo à superfície possa ter sido por ter ficado preso nos destroços”, acrescentou.

Complicando ainda mais a situação, nem os EUA nem o Canadá possuem embarcações submarinas capazes de ajudar facilmente nas operações de busca e salvamento. O veículo de resgate de submersão profunda da Marinha dos EUA é incapaz de atingir as profundidades em que se presume que o Titan estivesse localizado, e o transporte de veículos operados remotamente (ROVs) para o local revelou-se um processo demorado. 

Foi precisamente através destes ROVs, e das buscas aéreas que tinham como objetivo identificar se o submersível estava na superfície, que foi possível identificar os destroços do Titan, a 500 metros das ruínas do Titanic.

António Calado, o coordenador ROV da Estrutura da Missão para a Extensão da Plataforma Continental, explicou à CNN Portugal, que num padrão regular e tendo em conta vários modelos de simulação das correntes e do vento da região, estes veículos conseguem “estimar áreas de melhor e menor probabilidade”.

A ideia é que quando descem, a uma velocidade de no mínimo meia hora por quilómetro, os ROVs, usando os sistemas acústicos, tentam detetar os alvos que refletem a energia acústica que emite e, “analisando a assinatura desses alvos, tentar apontar qual daqueles é o que mais se parece com aquele submersível”, explicou Calado.

 

 

Um dos primeiros pontos de busca dos ROVs foi também aquele que sinalizou a maior esperança durante a operação. Na quarta-feira, um avião canadiano conseguiu ​​detetar "sons subaquáticos", nomeadamente de várias pancadas, vindas do fundo do mar. “Este é o ponto inicial para os ROVs”, afirmou António Calado, isto porque “permite saber a distância a que o som foi emitido”.

No entanto, ao quinto dia desta operação, foi também através de um ROV que as autoridades encontraram destroços no perímetro de buscas que foram avaliados como pertencendo à parte externa do submersível. Em conferência de imprensa, já depois de confirmada a morte de todos os passageiros a bordo, a Guarda Costeira garantiu que “os destroços são condizentes com uma implosão catastrófica”.

Também nessa conferência, o contra-almirante John Mauger sublinhou que ainda “é demasiado cedo” para determinar quando a implosão ocorreu, reconhecendo no entanto que nenhum som detetado fazia prever a catástrofe que acabou por acontecer.

Agora, nos próximos dias, as autoridades vão dedicar-se a mapear a zona dos destroços, tentando perceber o “onde, quando e porquê” da implosão. No entanto, não há garantias, neste momento, que seja possível recuperar o corpo dos passageiros que iam a bordo do Titan.

Por outro lado, a Marinha portuguesa explicou à CNN Portugal que o cenário mais provável é que o “submersível não tenha resistido à pressão e cedeu”. "A certo momento do seu percurso para o objetivo final o submersível não foi capaz de resistir à pressão colocada pela massa do corpo de água e cedeu, tendo tido uma fragilidade. Pode ter sido uma fragilidade não esperada do material e pode ter tanto ocorrido no primeiro dia, como umas horas e dias após o início da viagem", explicou o capitão-tenente Paulo Macedo da Silva, da Esquadrilha Subsuperfície da Marinha Portuguesa. 

Já segundo informações avançadas pelo The Wall Street Journal, um sistema secreto de deteção acústica da Marinha dos Estados Unidos, concebido para detetar submarinos inimigos, ouviu pela primeira vez a implosão do Titan horas depois de o submersível ter iniciado a sua expedição. A Marinha começou a escutar o Titan quase no momento a seguir a que o submersível perdeu as comunicações, de acordo com um oficial de defesa dos EUA.

"A Marinha dos EUA efetuou uma análise dos dados acústicos e detetou uma anomalia consistente com uma implosão ou explosão nas imediações do local onde o submersível Titan estava a operar quando as comunicações foram perdidas", disse um alto funcionário da Marinha dos EUA ao jornal.

Ainda que a informação não seja definitva, explica a mesma fonte, a informação “foi imediatamente partilhada com o Comandante das operações para ajudar na missão de busca e salvamento em curso".

Quem são as vítimas?

Hamish Harding
  • Hamish Harding, explorador e dono da Action Aviation, uma empresa de vendas de jatos privados sediada no Dubai. Antes desta viagem, já tinha ido ao espaço a bordo de um foguetão da Blue Origin.
Shahzada (direita) e Suleman Dawood
  • Shahzada Dawood e o filho Suleman, cidadãos britânicos e de "uma das famílias mais respeitadas do Paquistão”. Shahzada é curador da Fundação Dawood, uma instituição de caridade que trabalha no ramo da educação.
Paul-Henry Nargeolet
  • Paul-Henry Nargeolet, ex-comandante da Marinha francesa, antigo capitão do grupo de submersão profunda. Liderou a primeira expedição de recuperação do Titanic.
Stockton Rush
  • Stockton Rush, dono e fundador da OceanGate Expeditions, a promotora da expedição. O norte-americano fez carreira como piloto e quando tinha 19 anos, tornou-se a pessoa mais nova do mundo a pilotar um jato.

Numa primeira reação, a OceanGate lamentou o sucedido, destacando estar "profundamente grata aos inúmeros homens e mulheres de várias organizações da comunidade internacional que enviaram recursos de grande alcance e trabalharam arduamente nesta missão". "Agradecemos o empenho em encontrar estes cinco exploradores e os seus dias e noites de trabalho incansável para apoiar a nossa tripulação e as suas famílias”. 

Em nota, declarou que este é um "momento muito triste para toda a comunidade de exploradores e para cada um dos familiares daqueles que se perderam no mar". "Pedimos respeitosamente que a privacidade destas famílias seja respeitada durante este momento tão doloroso”, acrescentou ainda.

Riscos do Titan tinham sido denunciados em 2018

Há cinco anos, alguns especialistas do sector e um funcionário da OceanGate manifestaram a sua preocupação pelo facto de a empresa  ter optado por não certificar o Titan através de terceiros, como o American Bureau of Shipping, um dos principais classificadores de submersíveis, ou o grupo europeu DNV, uma empresa independente de garantia de qualidade para a segurança da conceção de veículos subaquáticos.

Will Kohnen, presidente do comité de submersíveis tripulados do grupo de peritos Marine Technology Society (MTS), enviou uma carta datada de 27 de março de 2018 ao fundador e diretor executivo da OceanGate, Stockton Rush, uma das vítimas do incidente. Na carta, Kohnen expressou o que disse serem preocupações generalizadas sobre o veículo.

A questão não era uma falha de construção, mas o facto de a OceanGate ter optado por não seguir o processo de certificação reconhecido pela indústria para a criação, fabrico e testes do submersível. "A nossa apreensão é que a atual abordagem experimental adoptada pela OceanGate possa resultar em resultados negativos (desde pequenos a catastróficos) que teriam consequências graves para todos na indústria", lê-se na carta, revelada pela agência Reuters.

Também a família do multimilionário britânico Hamish Harding, uma das cinco vítimas a bordo do Titan, diz que a OceanGate demorou demasiado tempo a dar o alerta para o desaparecimento do submersível. Ao jornal Telegraph, Kathleen Cosnett, prima de Harding, criticou a empresa pelo atraso: "É muito assustador", disse, frisando o atraso de oito horas nesta comunicação.
 

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