Como se resgata um submersível a 3000 metros de profundidade? “Tudo joga contra eles. Têm de respirar o mínimo possível"

CNN Portugal , CNC
20 jun 2023, 21:08

“Podemos estar perante uma situação em que o Titanic provoca, passado uma centena de anos, mais cinco mortos", afirma Nuno Pereira

O submarino “Titan” desapareceu, no domingo passado, enquanto os seus tripulantes visitavam os destroços do Titanic. A bordo seguiam cinco pessoas a bordo, que perderam o contacto com a superfície. Equipas de busca e resgate tentam encontrar o submersível, numa corrida contra o tempo por causa do oxigénio que ainda poderá restar dentro do aparelho.

O comandante da Esquadrilha de Sub-superfície Nuno Pereira, da Marinha Portuguesa, acredita que o desaparecimento deste submarino se deve a uma de três possibilidades.

Na primeira, “ele sofreu uma avaria, que eu designaria por avaria catastrófica, e afundou-se", tendo provocado a morte dos cinco ocupantes. Na segunda hipótese, o "Titan" terá tido "uma avaria mais ligeira, mas que não lhe permite regressar à superfície, por qualquer motivo". Entre as causas possíveis para este segundo cenário estarão "uma falha completa de energia, a perda do ar hidráulico, do ar pneumático, etc.”

"Não temos contacto com ele. E andamos à procura, os países da NATO, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, andam à procura com aviões, inclusive, para ver se ele eventualmente terá aparecido à superfície longe, eventualmente, do Titanic. E ele ainda não apareceu."

Por fim, a terceira hipótese avançada pelo comandante aponta para um erro na pilotagem durante a aproximação aos destroços do Titanic. “Podemos estar perante uma situação em que o Titanic provoca, passado uma centena de anos, mais cinco mortos.”

Também o comandante do Agrupamento dos Mergulhadores da Marinha Zambujo Madeira acredita que possa ter existido alguma falha de equipamentos: “Pode ter havido uma simples falha de comunicação ou uma falha na propulsão. Pode ter havido uma ruptura do casco rígido do submarino, há uma diversidade muito grande de ocorrências e de fatores que podem ter levado a este desaparecimento.”

De acordo com o Comandante Zambujo Madeira, a única certeza que existe é que deixou de existir contacto com o submarino a cerca de três mil metros de profundidade.

“Essa comunicação é feita por via de uma espécie de módulo acústico. É uma comunicação ponto a ponto, é uma comunicação muito pontual e que se perdeu quando o submarino estava nos três mil metros. Agora, se essa falha de comunicação se traduz numa simples falha de comunicação e que o submarino continua a navegar é uma coisa simples, mas já passou algum tempo, demasiado tempo para que não haja outra evidência de um problema maior ", sublinha o Comandante.

Uma operação "quase militar"

Assim que a empresa OceanGate deu o alerta, foram acionados os meios para a missão de busca e resgate.

“A Guarda Costeira Americana está muito ligada à Marinha Americana e a NATO tem um gabinete muito robusto de busca e salvamento de submarinos, chamado ISMERLO, ou International Submarine Skate and Rescue Liaison Office. É um gabinete nos Estados Unidos que tem oficiais de marinha da maior parte dos países da NATO e que tem equipamentos, conhecimentos, desde a área técnica à área médica, para poder desencadear uma operação desta natureza”, afirma o Comandante Nuno Pereira. “Portanto, a operação de busca e salvamento toma aqui um contorno de uma operação quase militar e, portanto, os países da área, nomeadamente o Canadá, os Estados Unidos e eventualmente o Reino Unido, lançam meios navais, navios e aviões para a região.”

No entanto, esta é uma missão complexa, particularmente, porque o submersível se encontra a pelo menos três mil metros de profundidade, o que é bastante incomum.

“Esta operação ocorre bem para além daquilo que é o limite daquilo em que o ISMERLO normalmente opera, que é até aos 600, 700 metros de profundidade em resgate de submarinos. Tudo quanto seja abaixo dos mil metros já são situações que saem completamente fora do padrão daquilo que é o normal. Mesmo este submarino não é um submarino normal, é um submarino que é construído de uma forma muito particular para conseguir resistir às pressões, para ter a capacidade de ir até aquela profundidade e movimentar-se àquela profundidade. Portanto, será sempre uma coisa que sai fora do padrão da standardização do que são os meios de segurança e de socorro para resgatar um submarino acidentado. E isso por si só faz com que esta operação também lá está, seja uma operação muito complicada”, realça o Comandante Zambujo Madeira.

Como se processa esta operação?

Para ajudar nesta operação, Nuno Pereira aponta para a utilização de aviões de patrulha marítima que realizam buscas de superficie e averiguam se o submarino, “eventualmente, não apareceu nas imediações ou algum destroço ou alguma mancha de óleo". 

O especialista acredita ainda que é necessário também procurar por eventuais sinais de destroços e afirma que a chegada de equipamentos, como os ROV, veículos submarinos operados remotamente, pode demorar.

“O que se vai tentar deslocar para a área, e leva algum tempo, é levar para lá um ROV, um veículo remoto não tripulado, que faça uma descida com câmaras e com holofotes, por forma a conseguir fazer uma filmagem e perceber a situação, tentar encontrar o submersível.”

Considerando que os navios que trazem este tipo de equipamento se deslocam a velocidades entre os 20 e os 30 quilómetros por hora, esta operação pode levar dias. "O relógio está a contar. Eles já estão desaparecidos há dois dias. Se pensarmos que as reservas de oxigénio e de retenção do dióxido de carbono, poderão andar na casa dos quatro dias, das tais 96 horas, mesmo que isto seja um número um bocadinho por baixo e que se consiga esticar isto para as 100, 120, 125... Estamos a falar de cinco, seis dias. E só nessa altura é que poderão estar a chegar ao local os navios com equipamentos para os ir procurar.”

Também Zambujo Madeira afirma que são necessários navios de apoio com equipamentos específicos para ajudar nas buscas. “Esses navios terão equipamentos dedicados que podem passar por ROV’s, mas também poderão estar envolvidos aparelhos de força e de carga, que poderão ter que fazer a tração, caso seja viável. Outros veículos de socorro, outros submarinos que possam, de alguma forma, apoiar uma operação de resgate desta dimensão, mas que operam naturalmente a profundidades menores. Mesmo depois, ter mergulhadores na água, mas ali na coluna já mais superficial, para depois permitir algum apoio na manobra”.

Também à superfície estarão outros meios prontos a atuar. “Uma equipa médica estaria a bordo dos navios de apoio, com câmaras hiperbáricas à superfície que permitam, no caso, haver alguma necessidade de recompressão dos pacientes.”

De acordo com Zambujo Madeira estarão, nesta altura, a decorrer buscas com recurso a sonares “no sentido de tentar mapear o fundo do mar, ou a coluna de água, onde é expectável que ele esteja, no sentido de tentar detectar”.

Os sonares emitem um sinal acústico e depois o retorno do seu eco aponta uma localização. “Há vários tipos de sonar, sonares laterais, sonares multifeixe, mais especializados para uma ou para outra área. No entanto, a quatro mil metros ou a três mil e oitocentos metros de profundidade, mesmo estes sonares têm muita dificuldade em obter um resultado positivo.”

E até as ruínas do Titanic podem interferir com o resultado do eco do sonar.

“A massa do Titanic é muito grande e, quando comparado, o submarino é muito pequeno. Portanto: qualquer sonar, para conseguir algum eco, tem de emitir um impulso com muita intensidade e isso faz com que um eco pequeno seja facilmente confundível com a restante matéria no fundo do mar. Por outro lado, também há outra questão, que é a dificuldade de fazer com que o som chegue efetivamente ao fundo de forma a que depois se perceba qual é o eco. Porque a água está dividida em várias camadas de temperatura e salinidades diferentes e isso faz com que o som se comporte de forma irregular, ou tenha curvas ao longo do percurso, o que faz com que a detecção seja mais difícil”, explica Zambujo Madeira.

"Têm de respirar o mínimo possível"

Ambos os comandantes afirmam que esta é uma corrida contra o tempo. A capacidade do submarino de reciclar o ar vai ser um fator crucial na missão de resgate e, se a tripulação entrar em pânico, a situação pode agravar-se rapidamente.

“Se a estrutura do cilindro estiver intacta, eles vão conseguir manter a qualidade do ar ambiente a bordo porque os sistemas são interiores da própria estrutura. Agora, o que é que eles têm de fazer? Têm de respirar o mínimo possível. Mas como é que se evita o pânico numa situação destas? Mesmo pessoas muito preparadas, que têm o treino de inteligência emocional, etc, mesmo assim, como é que se evita o pânico?”, questiona Nuno Pereira.

“O ideal era eles dormirem, respirarem o mínimo possível, estarem bem agasalhados, para não entrarem em hipotermia, e descansarem o mais possível, porque durante o processo do sono, nós consumimos menos oxigénio e produzimos menos CO2.”

As quantidades de CO2 que serão inaladas pela tripulação também vão ser cruciais, pois “o dióxido de carbono é tóxico, tem uma componente muito lesiva para o discernimento, provoca hiperventilação, provoca náuseas e dores de cabeça, incapacidade de raciocínio e em concentrações muito elevadas pode levar até à morte”, afirma Zambujo Madeira.

Também as condições climatéricas e do oceano poderão facilitar ou dificultar a execução desta missão de busca e salvamento. Todos estes fatores poderão condicionar a recuperação do submarino com os tripulantes com vida.

“Tudo joga contra eles. Agora, os milagres acontecem e é essa a esperança que se mantém”, resume Nuno Pereira.

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