"Acordos laborais" para regular imigração na CPLP só com aval de todos os Estados-membros: a análise jurídica de José Gaspar Schwalbach

10 mai, 18:34
Bandeira do Brasil (AP Photo/Eraldo Peres)

Advogado especialista em imigrações entende que será legalmente complicado efetivar as intenções expressas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, lembrando que a proposta teria de ser "aprovada, ratificada ou aceite pelos Estados-membros" da CPLP

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse que o Governo está a trabalhar em "acordos laborais" com os países lusófonos com o propósito de regular o fluxo de imigração, bem como combater as redes de tráfico. Apesar de ainda ser poucos os detalhes, ideia do Executivo, como anunciou Rangel, seria correlacionar as imigrações com as necessidades de mão-de-obra em Portugal e garantiu que iria fiscalizar as condições de alojamento destas pessoas.

A questão basilar, neste momento, é saber-se se pode Portugal romper os acordos de livre circulação na CPLP, firmada pelo governo de António Costa. Em exclusivo para a CNN Portugal, o advogado especialista em imigrações José Gaspar Schwalbach, que representou a família de Ihor Homeniuk, analisou o tema do ponto de vista exclusivamente jurídico.

Análise jurídica de José Gaspar Schwalbach

O Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinado em Luanda, em 17 de Julho de 2021 , foi aprovado pela Assembleia da República  em 5 de Novembro de 2021, sendo partes contratantes a República de Angola, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde, a República da Guiné -Bissau, a República da Guiné Equatorial, a República de Moçambique, a República Portuguesa, a República Democrática de São Tomé e Príncipe e a República Democrática de Timor -Leste.

O referido acordo institucionaliza um sistema flexível e variável que permite aos Estados-membros, a partir de uma base mínima obrigatória que consiste na livre circulação dos titulares de passaportes diplomáticos, oficiais, especiais e de serviço, a escolha da categoria ou categorias de pessoas em função da profissão ou da área de atividade que exercem, bem assim a escolha do Estado ou Estados-membros com os quais se querem vincular e permite aos Estados-membros, se tal se mostrar necessário, condicionar, num quadro de razoabilidade, a efetivação do acesso ao seu território ao preenchimento de certos requisitos que sejam essenciais para a salvaguarda do interesse público e dos fins para os quais foram estabelecidos - conforme resulta dos seus considerandos.

Ora, no âmbito do artigo 6.° criaram-se quatro modalidades de mobilidade:

  1. Estada de curta duração CPLP;
  2. Estada temporária CPLP;
  3. Visto de residência CPLP;
  4. Residência CPLP que viriam a ser previstas, pela alteração à Lei 23/2007, na legislação nacional relativa à Entrada, Permanência e Expulsão de Cidadãos Estrangeiros de Território Nacional.

E, estando condicionado pelo texto do Acordo não poderá o Executivo condicionar a emissão de vistos a qualquer outro requisito que não sejam os ali previstos:

  1. Inexistência de medidas de interdição de entrada do requerente na parte de acolhimento, tal como determinado pelo direito interno deste;
  2. Inexistência de indícios de ameaça por parte do requerente à ordem, segurança ou saúde pública da Parte de acolhimento, tal como determinado pelo direito interno deste.

"Acordos Laborais" vai além dos requisitos previstos Acordo sobre a Mobilidade

A criação de "Acordos Laborais" vai além dos requisitos previstos no Acordo sobre a Mobilidade e a tentativa de imposição de restrições à livre circulação entre Estados-membros fica sujeita à necessidade de proposta de emenda a apresentar, a ser aprovada pelo Conselho de Ministros da CPLP e a ser aprovada, ratificada ou aceite pelas partes.

A denúncia ou retirada de qualquer Estado-membro deverá ser comunicada com 12 meses de antecedência, sendo que poderá ocorrer a suspensão da aplicação, por fundadas razões de ordem pública, saúde pública ou segurança nacional - o que não parece ser o caso, tendo em conta as palavras proferidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.

Pode o Governo fiscalizar alojamento?

Por outro lado, a questão do alojamento não poderá ser sindicada pelo Executivo sem mais, tendo em conta que muitos cidadãos dos Estados-Membros da CPLP vivem em Portugal em casa de familiares ou amigos, arrendadas ou próprias e cuja entrada está vedada a Entidades Públicas, salvo a existência de suspeitas graves de crime ou emissão de mandatos judiciais, como importará sublinhar e reter.

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