Ventura quer, muitos tentaram mas não conseguiram. As propostas do Chega para a imigração funcionam?

CNN Portugal , AM com Lusa
15 jan, 16:30
Covid-19 em Portugal

Críticas e fracassos marcam tentativas de implementar as duras políticas de migração na Europa. Pelo meio há demissões de ministros e quedas de governos

"Da França à Dinamarca, passando pelos Países Baixos e outros, existe cada vez mais um controlo da imigração". A frase consta da moção "Portugal precisa de mais portugueses", uma das moções aprovadas na 6.ª Convenção Nacional do Chega, na qual a imigração foi um dos temas fortes.

André Ventura garantiu que a 10 de março, se o Chega vencer as eleições legislativas, vai combater a imigração, um fenómeno comum que se tornou "numa questão central da sociedade nacional". Para o presidente do Chega “só deve vir quem vem por bem, quem sabe dizer ‘Olá, bom dia’”. Ou seja, o Chega promete reverter a lei da nacionalidade "para que ninguém possa entrar, estar ou ser português sem saber falar a língua e conhecer a cultura portuguesa".

“Por isso sim, nós temos de regular alguma imigração em Portugal. Nós não podemos deixar entrar todos de qualquer maneira e de qualquer forma, porque isso pressionará ainda mais a Saúde, a Habitação e levará a que todos ficaremos mais pobres em vez de mais ricos”, sintetiza Ventura.

Este discurso anti-imigração do presidente do Chega é uma das bandeiras do partido, mas não é novo nos partidos da extrema-direita da Europa. Em Itália, país que assistiu em 2023 ao maior fluxo migratório dos últimos anos, a política migratória do governo de coligação de direita e extrema-direita, liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, mereceu acusações de várias organizações não-governamentais, queixas de autarcas de todo o país, mas também críticas da oposição.

Isto porque o governo italiano aprovou um decreto que visa facilitar a detenção a partir dos 16 anos e a identificação de adultos que se façam passar por menores na chegada ao país, assim como a colocação dos menores a partir dos 16 anos, durante um período de tempo limitado, em centros de acolhimento reservados a adultos.

Segundo o executivo de Meloni, o elevado fluxo de migrantes que tem chegado ao país estava a provocar falta de recursos para lidar com a crise migratória e, por isso, decidiu ter ‘mão dura’ para travar as entradas de migrantes no país. O que lhe valeu críticas das organizações não-governamentais que operam no Mediterrâneo, que acusam Roma de restringir o acesso humanitário, ao dificultar as operações de busca e salvamento nas águas onde no ano passado morreram em naufrágios mais de duas mil pessoas.

Apesar da tentativa de restringir a entrada de migrantes, a rota de Lampedusa recebeu mais de 153 mil migrantes em 2023. A ironia da situação é tanto maior quando um decreto de Meloni sobre migração legal estima que a Itália precisa de 833 mil novos migrantes nos próximos três anos para preencher as lacunas no seu mercado de trabalho, devido ao declínio demográfico acentuado no país: na última década, Itália perdeu cerca de 1,5 milhões de pessoas e já há mais reformados do que trabalhadores ativos em um terço das províncias do país.

Também em Portugal, apesar da bandeira do partido Chega, os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social em 2022, enquanto beneficiaram de cerca de 257 milhões de euros em prestações sociais - ou seja, o valor das contribuições é sete vezes superior aos das prestações que receberam.

Política europeia de migração deve ser "eficaz, humanitária e segura"

Mas Itália não é caso único dos países com governos de direita e extrema-direita que tentaram fechar portas à migração. Na Dinamarca, a lei de migração que prevê o envio de requerentes de asilo para países parceiros fora da União Europeia foi fortemente criticada pelo Parlamento Europeu, que considerou que a mesma "é contra os valores europeus".

De acordo com o Parlamento Europeu, a política europeia de migração deve ser "eficaz, humanitária e segura" e "os requerentes de asilo devem ser tratados de maneira uniforme em toda a Europa".

Mas, em Estrasburgo, o ministro dinamarquês para a Migração, Mattias Tesfaye, filho de um refugiado etíope, declarou que o país "não consegue lidar com problemas de integração demasiado elevados".

"O meu sonho é ter zero requerentes de asilo na Dinamarca. Penso que o atual sistema de asilo europeu não pode ser defendido, nem moral nem politicamente. O sistema de asilo é utilizado para a migração numa medida que a nossa sociedade de bem-estar não consegue absorver, o que põe em causa a coesão na Dinamarca. É por isso que temos de controlar a imigração por asilo", afirmou, posteriormente, em entrevista ao jornal Bulletin.

A política de migração dinamarquesa foi duramente criticada pelos partidos de esquerda e o o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e a Comissão Europeia advertiram a Dinamarca de que a nova lei põe em causa a proteção dos refugiados.

"No que diz respeito aos refugiados, o governo dinamarquês traçou um novo caminho com uma lei aprovada na primavera de 2019, designada por Mudança de Paradigma, que passa a centrar-se na integração e no regresso aos países de origem. O objetivo geral é agora enviar os refugiados de volta assim que as condições o permitam. A palavra 'integração' foi substituída por 'autossuficiência e regresso'", pode ler-se na página da Comissão Europeia que analisa a política migratória dinamarquesa.

Também os Países Baixos viram a política de migração ser duramente criticada, com o governo liderado por Mark Rutte a cair, depois de os partidos não terem chegado a acordo sobre um pacote relativo ao fluxo de refugiados.

Em funções há cerca de ano e meio, o executivo neerlandês caiu depois do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia, liderado por Mark Rutte, ter apresentado um pacote de medidas, tendo em vista dificultar a entrada de refugiados, o que causou uma “grande rutura” na coligação, dado que dois partidos se recusaram a apoiar as propostas.

No entanto, em novembro, a extrema-direita venceu as eleições nos Países Baixos com uma maioria considerável. Geert Wilders venceu - mas continua em negociações para formar governo - e uma das bandeiras do seu partido é a sua mensagem anti-imigração, que inclui o restabelecimento do controlo de fronteiras, a detenção e deportação de imigrantes ilegais, devolver requerentes de asilo sírios e a reintrodução de autorizações de trabalho para trabalhadores intra-UE.

Outro dos países que viu a lei controversa a ser aplicada foi França - o chamado "beijo da morte" - que impôs quotas migratórias no país, tornou mais difícil a naturalização dos filhos de imigrantes e impõe um período de espera de cinco anos para migrantes legais que queiram ter acesso a prestações sociais, que pode ser reduzido para 30 meses se o candidato tiver um emprego.

Quando anunciou a medida, Macron garantiu que apesar do “problema de imigração”, França “não está sobrecarregada de imigrantes e argumentou que a lei também contém medidas liberais para “facilitar a integração”, como a regularização de migrantes com trabalho em setores com escassez de mão de obra, como o da construção civil, saúde e cuidados e hotelaria e restauração. No entanto, a nova lei vem acompanhada de controversas alíneas, uma delas que foi proposta precisamente pela extrema-direita, que “faz a discriminação entre cidadãos e migrantes, mesmo aqueles que vivam no país legalmente, para determinar a sua elegibilidade para prestações sociais”.

A aprovação da lei pelo governo francês foi alvo de críticas, levou o ministro da Saúde a demitir-se, veio expor as cisões internas da coligação, com a esquerda a acusar Macron de "copiar" o manifesto da extrema-direita.

Também o Reino Unido - que esteve envolvido em polémica por causa dos imigrantes ilegais do Ruanda - decidiu endurecer os requisitos para imigrantes, aumentando o salário mínimo exigido e proibindo profissionais do setor da saúde de levarem a família para o país, isto depois de, em 2022, cerca de 120 mil pessoas se terem estabelecido no Reino Unido graças ao estado de reunião familiar. 

O plano surgiu depois das estatísticas darem conta que o saldo migratório atingiu um recorde de 745 mil em 2022, e 672 mil pessoas imigraram para o Reino Unido nos 12 meses até junho de 2023, um valor duas vezes superior à média de 300 mil por ano da década anterior e do período antes do ‘Brexit’, o qual tinha como um dos objetivos reduzir a imigração. As novas medidas deverão entrar em vigor na primavera do próximo ano.

A medida foi anunciada depois da ministra britânica do Interior - que alertou que a migração ilegal e descontrolada representava um "desafio existencial" para as instituições do Ocidente - ter sido demitida depois de ter acusado a polícia londrina de aplicar "dois pesos e duas medidas" na forma como geria os protestos e ter condenado uma marcha pró-palestiniana que, segundo Downing Street, não tinha sido autorizada pelo primeiro-ministro. Enquanto ministra do Interior, Braverman defendeu o plano do Governo, que está suspenso, de deportar requerentes de asilo que chegam ao Reino Unido em barcos através do Canal da Mancha para o Ruanda. A medida levou Gary Lineker a comparar lei às ideias de Hitler e a BBC acabou por afastar o antigo futebolista inglês. Certo é que, apesar de a lei ter sido suspensa, o primeiro-ministro Rishi Sunak já fez saber que quer impedir que os imigrantes ilegais atravessem o Canal da Mancha.

O que defende o Chega

De acordo com as moções apresentadas e aprovadas em Viana do Castelo, o Chega pretende aplicar, entre outras, as seguintes medidas de controlo de imigração:

  • regresso à política de quota de imigrantes;
  • introdução de vistos sazonais para setores como o turismo e a agricultura;
  • reversão da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e "criação de uma verdadeira polícia de fronteira";
  • nova lei da nacionalidade que aumente de cinco para dez anos a permanência para obter nacionalidade portuguesa;
  • referendo às atuais políticas migratórias.

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