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Diretor executivo CNN Portugal

Quem pensa que são todos chalupas não foi a Viana, mas o primeiro erro de Ventura é igual ao último de Cristas

15 jan, 00:07
André Ventura e deputados cantam o hino no encerramento da 6.ª Convenção Nacional em Viana do Castelo (Estela Silva/Lusa)

André Ventura é um contratorpedeiro, um destruidor retórico de reputações, de factos, de narrativas, nunca Portugal conheceu um líder tão competente a drenar raivas e descontentamentos. Mas, nesta convenção, Ventura quis dilatar a base eleitoral e projetou-se não só como destruidor mas como construtor. E aí listou objetivos e promessas em que nem ele acredita - e assim presume a ignorância crédula dos eleitores que quer captar. É um isco. E é um risco.

Ventura dá “pensões”, dá “suplementos salariais” e dá até “a vida”, ele faz a “promessa de honra”, a “promessa solene”, a “garantia solene”, o “compromisso solene”, o “compromisso que vale ouro”, ele entrou na sexta-feira à noite numa sala em transe evangélico e dela saiu no domingo à tarde num fervor de discoteca. Tinha acabado de dizer “este é o nosso tempo, este é o nosso momento, este é o momento porque tanto esperámos: eu estou preparado para ser primeiro-ministro de Portugal! Chega! Chega! Chega!...”

 

Flashback a 11 de março de 2018, Congresso do CDS em Lamego. Embalada por um grande resultado nas autárquicas, Assunção Cristas assume-se candidata a primeira-ministra de Portugal, ousando assim superar o PSD no país inteiro como acabara de acontecer em Lisboa. No ano seguinte, o CDS terá uns desapontantes 4,2%, Assunção Cristas demite-se e deixa enfraquecido o CDS, que na eleição seguinte não elegerá um único deputado.

 

No CDS, Ícaro voou até demasiado perto do sol e tombou. No Chega, não há propriamente risco de tombo. Mas com a fasquia tão alta, ter menos que 15% será pouco, entre 15 e 20% será o esperado, mais do que 20% será a loucura.

Nesta convenção, a estratégia foi evidente a dois planos:

num primeiro plano, definir um só alvo, Pedro Nuno Santos como líder da esquerda, assim projetando Ventura como líder da direita; desprezar o líder do PSD para menorizá-lo e captar os seus votos, começando aliás por se apropriar da única bandeira visível de Luís Montenegro até agora, a das pensões, repetindo uma frase de Rui Rio (“dar um banho de ética”) e acabando por usurpar a figura de Sá Carneiro (evocado três vezes, incluindo a jura de dar como ele a vida por Portugal);

num segundo plano, mobilizar os já convertidos através do grito contra a corrupção, contra a imigração ou contra as casas de banho mistas, e falar aos indecisos acrescentando a camada nova de um programa de governo. O risco está aí. Porque ninguém com dois dedos de informação acreditará num aumento das pensões mínimas para valor igual o salário mínimo, eliminação de impostos, e que isso seja pago com corte de apoios a fundações, um extra dos bancos e a proibição perpétua de ex-ministros rumarem a empresas com que negociaram.

Quem diz que o Chega é um clube de chalupas não percebe nem perceberá o que está a acontecer no partido, na política e em Portugal. Estar em Viana do Castelo permitiu, aliás, percebê-lo: sim, muitos militantes são ultraconservadores, nacionalistas, xenófobos, evangélicos, racistas, radicais. Mas o Chega já não passou de 68 mil votos em 2019 para 400 mil em 2022 com essa homogeneidade. E muito menos agora assim passará para 700, 800 mil ou mais votos. Como se disse quando Bolsonaro venceu as eleições de 2018, “o Brasil não tem 58 milhões de fascistas”. Nesta convenção havia muita gente que apenas está farta do PS, se diz de direita mas está desiludida com o PSD e com a IL, em que já votou. Não é gente chanfrada nem ignorante. E é gente que vai votar.

Ao delírio dos militantes com o “profeta Ventura” e ao delírio deste com as propostas irreais não pode juntar-se o delírio da oposição de julgar que o Chega é um agrupamento de doidos. Não, é um movimento de fartos do sistema e que parece disposto a que o país político vá pelos ares. Os 75 mil euros encontrados em São Bento são o maior argumento pintado de fresco deste discurso do Chega.

Para estes, o Ventura do “eu não sei se… mas sei que…” pode dizer tudo e prometer tudo, dizendo “as verdades” sem cuidar da “verdade”, nesta pós-verdade em que os factos são irrelevantes e os rumores, as mentiras, as conspirações e as notícias falsas produzem o impacto imediato desejado. Para estes, as contas não interessam nada, interessa quem ponha ordem nisto.

Só que os outros, os que não querem lavar mas mudar Portugal, têm uma exigência maior. Falar de segurança, de ex-combatentes e de imigração, da reversão da lei da nacionalidade e da extinção do SEF, do combate à corrupção e fim da subsidiodependência e do vai-trabalhar-malandro é apelar diretamente aos militantes mais conservadores do Chega. Mas prometer aos professores a recuperação do tempo de serviço e aos pensionistas a pensão mínima igual ao salário mínimo já custa um dilúvio. Assim como dizer que se combate a corrupção com o fim das portas giratórias e a crise na saúde com mais PPP é brincar na areia

Se o número de descontentes dispostos a “partir isto tudo” está a aumentar tanto quando Ventura pensará, então esta convenção muito menos moderada do que se supunha foi um plinto para crescer mais. Mas se os indecisos exigirem alternativa de governação, então as propostas são demasiado frágeis.

A convenção correu muito bem ao Chega. O partido está filado para crescer e ser decisivo nos cenários de governação. Mas os discursos de Ventura na convenção mostraram que, ao contrário do que disse Ventura, o partido não está preparado para governar.

 

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