Comissão para o estudo de abusos sexuais na Igreja recebeu 214 testemunhos no primeiro mês

10 fev 2022, 09:24

Vítimas que já prestaram depoimento à Comissão Independente nasceram entre 1933 e 2006. Nomes de vítimas, abusadores ou locais de abuso nunca serão revelados, garantem os responsáveis

A Comissão Independente para o estudo de abusos sexuais de crianças na Igreja Católica portuguesa recebeu, no primeiro mês de atividade, 214 queixas.

Em comunicado, a comissão revelou que os 214 depoimentos foram prestados "através do preenchimento do inquérito online, telefonemas e entrevistas presenciais" e que "em muitos desses testemunhos as vítimas não só descrevem o que aconteceu sobre elas mesmo, como frequentemente apontam o conhecimento ou a forte probabilidade de, naquelas circunstâncias de tempo e espaço, outras crianças terem sido vítimas do mesmo abusador".

A declaração admite, assim, que existirá uma diferença "considerável" entre a quantidade de casos "diretamente validados e outros tidos como existentes ou muitos prováveis".

Os casos recolhidos englobam vítimas nascidas entre 1933 e 2006 "e, em alguns deles, cruzam informação, o que naturalmente reforça a credibilidade dos testemunhos", acrescenta o documento, que refere que as queixas provêm de todas as regiões do Continente, Açores e Madeira, de áreas urbanas e rurais e de "todos os grupos sociais e níveis de escolaridade". 

"Existem testemunhos de portugueses que hoje residem no Reino Unido, Estados Unidos da América, Canadá, França, Luxemburgo e Suíça", indica ainda o comunicado. 

Testemunhos terminam silêncio de décadas

A comissão admite ainda que, apesar do elevado número de testemunhos por inquérito online, a divulgação do estudo "pode não estar a chegar a certas franjas da população, nomeadamente as que vivem em margens sociais, culturais e económicas, infloexcluídas e no que frequentemente se refere como 'o país profundo'".

Por essa razão, os responsáveis estabeleceram contactos com "estruturas e instituições" capazes de chegar a estas comunidades, nomeadamente comissões diocesanas, institutos religiosos, Instituto de Apoio à Criança, Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, Associação Quebrar o Silêncio e o Sistema de Proteção e Cuidado de Menores e Adultos Vulneráveis (Serviço de Escuta dos Jesuítas).

Garantindo que nunca divulgou ou divulgará publicamente nomes de vítimas, abusadores ou locais de abuso, a comissão constituída por Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Nunes de Almeida, Catarina Vasconcelos, Daniel Sampaio, Filipa Tavares e liderada por Pedro Strecht revela ainda que irá enviar a todos os municípios portugueses uma carta para que estes reforcem a sua mensagem junto das "forças locais da sociedade civil", desde juntas de freguesia até rádios locais ou coletividades. 

Sobre os relatos recebidos, a comissão assinala que revelam "sofrimento psíquico individual, familiar e social, por vezes escondido durante décadas e, em muitas circunstâncias, até ao momento deste depoimento tido como o primeiro a romper com o silêncio". 

"Esse sofrimento associa-se a sentimentos de vergonha, medo, culpa e autoexclusão, reforçando a noção de vidas em cujos trajetos a sensação de “estar à margem” foi uma constante", sublinha o comunicado. 

Num primeiro balanço da comissão, feito no final do mês de janeiro, os responsáveis tinham revelado que muitos dos casos relatados já prescreveram criminalmente. Por essa razão, a comissão pediu a eventuais vítimas que não percam tempo a denunciar os casos de abusos, para que possam ser levados à Justiça.

"Temos adultos de 50 anos que descrevem ter sido abusados aos 8,9, 10 anos”, contou na altura o pedopsiquiatra Pedro Strecht. Vítimas que “nunca ousaram falar, nem com os pais, nem com outras pessoas”. 

O projeto da comissão foi construído com o objetivo de durar cerca de um ano, mas Pedro Strecht não se comprometeu ainda com uma data para a divulgação dos dados finais, prometendo que irão sendo fornecidas informações, “nem que seja pontualmente”.

A Comissão Independente continua a apelar a todos os que queiram prestar o seu testemunho, pedindo que o façam através do  telemóvel 91 711 00 00, em darvozaosilencio.org, através do email geral@darvozaosilencio.org ou por carta, para “Comissão Independente”, Apartado 012079, EC Picoas 1061-011 Lisboa.

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