Na história de Hollywood do Wrexham a segunda temporada é melhor do que a primeira

12 abr 2023, 08:10
Wrexham (Foto Jan Kruger/Getty Images)

A aventura do Wrexham, salvo pelos adeptos antes de dois atores o transformarem num fenómeno de popularidade, supera a imaginação. A história contada por quem a vive

«Eles estão na Lua. Eu disse que é melhor acabarem agora o documentário, porque não vão ter um jogo de futebol melhor do que este.» Ben Foster fala do jogo da quinta divisão do futebol inglês que juntou dois dos clubes mais antigos do mundo, com 100 pontos cada um e a lutar pelo único lugar direto de subida. E que ele próprio, aos 40 anos e saído da reforma um mês antes, decidiu, quando defendeu um penálti ao cair do pano. 3-2, o Wrexham venceu o Notts County e está muito perto de voltar à Football League, 15 anos depois. Esta história já deu um filme e vai dar outro, que está a ser rodado à medida que tudo isto acontece. Mas a realidade superou a imaginação.

Quem está na Lua são os donos do Wrexham, os atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney, que adquiriram o clube no início de 2021 e o transformaram num fenómeno de popularidade, potenciado pelo documentário Welcome to Wrexham, que acompanha todo esse processo. Nesta segunda-feira, eles estiveram no Racecourse Ground a sofrer junto com os 10 mil adeptos que encheram o campo do Wrexham. No fim, nem queriam acreditar.

 

«Acho que nunca vi nada assim», dizia Reynolds. «Este é o jogo mais romântico no mundo. Estou habituado a trabalhar sob pressão extrema, mas normalmente tenho algum controlo sobre isso. Aqui não tinha nenhum, por isso tudo o que podia fazer era ver e ter esperança como toda a gente.»

Nas bancadas estava Nathan Salt, jornalista, autor do podcast RobRyanRed e adepto do Wrexham desde sempre. Ainda a recuperar das emoções da véspera. «Ainda estou a digerir. Foi o máximo dos máximos. Se eu fosse escrever sobre isto não poderia escrevê-lo melhor. Um penálti no último segundo, o guarda-redes que acabou de chegar defende… Eu tinha um feeling que ele ia defender», diz ao Maisfutebol. «O final disto tinha de ser: ele defende o penálti. Toda a gente à minha volta dizia: ‘Não, vai ficar 3-3. Demos cabo disto, deitámos tudo a perder. É típico do Wrexham.’ Porque tivemos tanto azar ao longo dos anos.»

«Agora somos ricos e bem sucedidos. Não sei como reagir a isso»

Nathan Salt lembra-se como eram os outros tempos, aqueles em que o Wrexham penava na National League. « Eu cresci em North Wales, os meus pais ainda vivem perto dos Grounds. Sempre foi a minha equipa. Eu costumava ir quando não ia muita gente aos jogos e agora é a equipa mais popular, acho que é a segunda equipa de toda a gente. É muito estranho», conta: «As pessoas faziam piadas à minha custa: ‘O Wrexham não presta, ninguém quer saber do Wrexham’. Eu ia a todos os jogos à chuva, ficava ensopado, e perdíamos, perdíamos. Agora, toda a gente sabe quem somos. Em todo o mundo, as pessoas dizem: ‘Wrexham, sim, eu vi o documentário, conheço o Ryan Reynolds’.»

Foram muitos anos a sofrer. «Eu tenho 27 anos. A última vez que fomos promovidos foi há 20 anos, não me lembro disso. Estamos nesta mesma Liga há 15 anos. Não ganhamos um troféu da Liga desde 1978, muito antes do meu tempo», recorda: «Não estamos habituados ao sucesso. Não sabemos o que fazer quando acontecer. Agora somos ricos e bem sucedidos. Não sei como reagir a isso.»

Como os adeptos salvaram o clube

O passado recente do clube, fundado em 1864 e que se orgulha de ser o terceiro mais antigo do mundo, dá mais enredo ainda a esta história. Há pouco mais de uma década, o Wrexham esteve à beira da extinção, por causa das dívidas acumuladas pela gestão do proprietário anterior, Alex Hamilton, entre elas uma dívida de 200 mil euros ao fisco. E foram os adeptos que o salvaram, literalmente, com uma recolha de fundos que em poucas horas reuniu mais de 100 mil libras. Nathan Salt não esquece esse dia: «Foi assustador. É talvez o meu momento de maior orgulho, ver os adeptos salvar o clube. O clube estava apenas a horas de ficar falido. Toda a gente foi às poupanças, lembro-me de ver pessoas a angariar dinheiro pela cidade, pessoas a dar o dinheiro que tinham no bolso. Foi muito surreal, olhando para trás», diz.

 

«Pensei nisso ontem quando estávamos a celebrar. Os adeptos salvaram o clube. O Rob e o Ryan fizeram algo espantoso, você e agora em todo o mundo toda a gente sabe quem é o Wrexham. Não podíamos fazer isso sem as nossas mega-estrelas, mas eles também não teriam um clube para promover sem os adeptos», diz: «Os adeptos que salvaram o clube merecem tanto reconhecimento, se não mais, que o Rob e o Ryan. Não se trata de menosprezar o que eles fizeram, apenas dizer que os adeptos não devem ser esquecidos na história.»

O clube passou a ser gerido por um fundo de adeptos, até ao final de 2020. Foi nessa altura que apareceram os dois atores que mudaram o argumento. Não tinham ligação ao futebol, mal conheciam as regras. O conceito de subidas e descidas de divisão era-lhes estranho. A ideia partiu do norte-americano Rob McElhenney, depois de ver o documentário dedicado ao Sunderland. Apresentou o projeto ao canadiano Ryan Reynolds e decidiram avançar.

Hollywood em Wrexham

A forma como passaram pelo escrutínio dos adeptos também está retratada no documentário. A decisão de aceitar a proposta foi quase unânime, mesmo numa primeira fase em que não era conhecida a identidade dos compradores. «Diria que 99 por cento das pessoas estavam prontas para mudar. Nós éramos pobres. Se aparece alguém com um bilhete da lotaria que vos vai dar imenso dinheiro, provavelmente vais aceitar. E nós aceitámos», recorda Nathan Salt: «Os adeptos votaram duas vezes. No primeiro voto, 97 por cento disse que sim. Mesmo não sabendo quem eles eram. E depois disseram: ‘É o Ryan Reynolds.’ E toda a gente disse: ‘Meu Deus. Porreiro. Isso é uma piada?’ E eles: ‘Não, é o Ryan Reynolds e o Rob McElhenney’.»

Estávamos em plena pandemia e os dois atores apresentaram-se aos adeptos através de uma conversa via Zoom. «Vê-se parte disso no documentário. Responderam a muitas perguntas sobre o que queriam fazer com o Wrexham. Havia muito a memória de 2011. O antigo dono queria vender o estádio, porque está em terrenos com muito valor. Isso era o mais assustador para os adeptos. Porque é que ele querem isto? Não têm ligação a Gales… Eles responderam, depois houve outro voto e só houve 32 pessoas que ou não votaram ou votaram contra. Agora, acho que 99 por cento das pessoas dirão que o Rob e o Ryan são a melhor coisa que aconteceu ao Wrexham em muito tempo.»

Em plena pandemia, só meses mais tarde os novos donos assistiram ao vivo ao primeiro jogo. Uma derrota fora, por sinal. O Wrexham também perdeu com os dois atores na assistência em Wembley, na decisão do troféu da FA frente ao Bromley. «Tiveram algum azar quando começaram a vir ver-nos», diz Nathan Salt, estimando que Rob e Ryan já tenham visto uma dezena de jogos do clube ao vivo. Mas estão totalmente seduzidos, eles que pouco ou nada percebiam de futebol quando compraram o clube.

«Na bancada estão sempre aos saltos», conta Nathan Salt, a constatar como tudo isto é novo para os dois atores. «Na América não têm este risco da promoção e descida. Claro que há os objetivos de ganhar o play-off ou o campeonato, mas cada jogo não tem um grande significado. O Ryan costumava jogar futebol em miúdo no Canadá. Mas deixou de jogar e não tinha ligação. Agora está viciado. Eu diria que o Rob chegou mais como adepto de desporto, o Ryan menos, mas agora estão ambos tão obcecados com o Wrexham como eu. E isso é uma loucura.»

Um investimento a longo prazo

Os novos donos não estão sempre presentes, mas a aposta no clube não deixa dúvidas. Investiram desde logo dois milhões de libras, em contratações e na renovação do estádio. O resultado está à vista. Depois de uma primeira época em que o Wrexham ficou perto da promoção, eliminado pelo Grimsby na meia-final do play-off de promoção, nesta temporada o clube está mesmo lançado para subir à League Two, ganhando o único lugar de promoção automática através da National League.

É a equipa da moda. «É fantástico, porque Wrexham é um sítio pequeno, bastante pobre, e agora vêm pessoas de todo o mundo. Na segunda-feira estava no estádio um tipo que tinha vindo do Colorado. Vêm muitos canadianos», conta Nathan Salt: «Agora brinco com os meus amigos que conseguir um bilhete para o Wrexham é como o bilhete dourado do Willy Wonka, é a coisa suprema. Toda a gente quer um. Os bilhetes vendem-se em minutos, às vezes segundos. É uma loucura.»

O investimento dos dois atores é grande. E para já sem retorno. As contas do clube, reveladas no final de março, revelaram que as receitas subiram 400 por cento, mas o saldo final é de três milhões de libras de prejuízos. «Eles estão a pagar uma folha salarial recorde na National League, na quinta divisão, estão a tentar acelerar o processo de subir as várias Ligas. Isso custa muito no curto prazo. Eles perderam quase três milhões, é um facto, mas estão a gastar muito dinheiro para renovar o estádio, para construir uma nova bancada. Estão a tentar construir um campo de treino», analisa Nathan Salt, acreditando que a aposta de Reynolds e McElhenney é para durar: «Acho que sim. O Ryan acaba de comprar uma casa na zona. No papel parece mau, não será sustentável perder três milhões sempre, mas acho que eles estão a perder no curto prazo e a ganhar no longo prazo.»

O Wrexham está perto de subir o primeiro degrau no sonho de chegar à Premier League. Com a vitória sobre o Notts County do português Ruben Ribeiro, a fazer também uma época fantástica, a equipa tem três pontos de vantagem a quatro jornadas do fim, na luta pelo único lugar direto de promoção. «Nem consigo imaginar quando conseguirmos mesmo, nem consigo imaginar a festa», diz Nathan Salt.

Na vida real, como na televisão, esta temporada tem tudo para ser ainda melhor do que a anterior. «A forma como acabou a época passada foi de partir o coração. Perdemos 5-4…. Para mim foi difícil ver o documentário, porque sabia tudo o que estava a acontecer. Mas toda a gente com quem falei adorou e disse que era televisão fantástica», diz Nathan: «Esta época vai ser muito melhor. Porque ganhamos muito mais. E também há muito drama outra vez. Sim, acho que o documentário desta temporada vai ser ainda melhor do que o da temporada passada.»

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