Visita ao clube que tem um Nobel da Paz como presidente

19 abr 2019, 11:51
Boavista Timor Leste

José Ramos Horta diz que passou ao lado de uma grande carreira de futebolista (e depois solta uma gargalhada), pelo que foi com espírito de missão que aceitou ser a figura máxima do Boavista de Timor Leste

O Boavista de Timor Leste é um caso raro no futebol mundial.

Antes de mais, foi campeão logo no primeiro ano de existência. O que de si já é bastante invulgar. O Boavista, no entanto, é um caso raro por ter como presidente... um Prémio Nobel da Paz.

Trata-se de José Ramos Horta, que durante vinte e quatro anos foi o porta-voz da resistência timorense no exílio, durante a ocupação indonésia, e que exatamente por ser oposição a essa luta contra a opressão recebeu o Nobel da Paz em 1996, juntamente com o bispo Ximenes Belo.

«Quando uns jovens timorenses me pediram para apoiar o desporto nacional, eu aceitei. Pediram-me para ser presidente do Boavista há cerca de um ano e eu considerei que é uma boa forma de ajudar a divulgar o futebol em Timor», começou por contar Ramos Horta ao Maisfutebol.

«No meu papel de presidente do clube, dou sobretudo suporte moral e suporte político. Tenho angariar apoios para o clube. Quando o clube joga em Timor vou ver e dou o meu apoio. Quando está fora, como acontece agora, que está há três semanas em Bali a preparar a época, não tanto.»

Ramos Horta confessa, de resto, que nunca pensou ser dirigente desportivo.

O antigo primeiro-Ministro e antigo Presidente de Timor Leste, entre 2006 e 2012, diz que nem sequer é um grande adepto da modalidade, embora tenha praticado quando era mais novo.

«Eu joguei no Sporting de Timor Leste e podia ter sido um grande futebolista, podia ter sido um Travassos ou um Eusébio, se o Sporting me tivesse dado a mão», sublinha, antes de fazer uma pausa seguida de um sorriso na voz.

«Estou a brincar consigo. Nunca fui grande futebolista, fui sempre reserva. Também não sou um grande adepto, a não ser quando a seleção portuguesa joga. Sempre acompanhei com paixão a seleção portuguesa. Mas não podia negar a minha ajuda à divulgação do futebol em Timor.»

Ora na qualidade de presidente é exatamente isso que faz: divulga o nome do clube e o futebol.

«Só o simples facto de um jornalista português estar interessado no futebol de Timor Leste já é um motivo para celebrarmos», acrescenta Ramos Horta.

Mas afinal, que clube é este Boavista?

«Inicialmente o clube chamava-se Carsae e era propriedade do Pedro Carrascalão. Ele decidiu vender o clube e eu comprei-o em 2017. Um amigo chamado Nuno Esteves apresentou-nos o Boavista, de Portugal, e decidimos mudar o nome do clube e fazermo-nos afiliados do Boavista», começa por contar Carl Gusmão.

Carl Gusmão é sobrinho de Xanana Gusmão e proprietário do Boavista de Timor Leste.

«José Ramos Horta é meu vizinho, vivemos a dois minutos um do outro, e decidi convidá-lo para ser presidente do Boavista, porque esta é uma tradição em Timor: os líderes do país são presidentes de clubes. Por exemplo, Xanana Gusmão é presidente do Benfica», conta.

«Convidei-o para ser presidente do Boavista, aproveitando o facto da equipa ter uma camisola axadrezada, o que é igual ao equipamento de Timor nos tempos em que era colónia de Portugal. Há fotografias que mostram isso. Por isso decidi convidar o Ramos Horta para presidente.»

Carl Gusmão conta que a aceitação do Nobel da Paz não foi imediata, mas acabou por acontecer.

«Ele no início disse que não queria, porque não quer envolver-se em questões financeiras ou desportivas, o que nos levou a fazer um acordo: ele seria apenas uma espécie de símbolo do clube. É isso que faz. Está afastado de tudo o que é gestão do Boavista.»

O Boavista jogou em 2008 o campeonato pela primeira vez e... foi campeão. O que não foi nada que Carl Gusmão não tivesse projetado.

«O Carsae, no último ano, falhou a conquista do título, ficou em quarto lugar, por isso decidi mudar vários jogadores e construir uma equipa mais forte para ser campeã», acrescentou.

«Outro objetivo que tínhamos passava por entrar nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões Asiática. Infelizmente Timor falhou no cumprimento dos critérios para entrar, mas acredito que este ano já vai acontecer. A primeira divisão de Timor é jogada por oito clubes, reunimos com os responsáveis da AFC na Malásia e deram-nos a garantia que este ano o campeão e o segundo classificado já iam poder entrar nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões.»

Ora por isso, Carl quer ver o Boavista novamente campeão. Mas quer mais do que isso.

«Neste momento o futebol em Timor é totalmente amador, os jogadores têm outras profissões, estudam ou trabalham, mas queremos que seja profissional em breve. É nisso que estamos a trabalhar. Nessa altura, gostava de trabalhar mais de perto com o Boavista, de Portugal», referiu.

«Para já eles não nos dão nenhum apoio, mas a nossa preocupação não é essa, queremos estabelecer o clube e o futebol em Timor. Mais tarde, quando isso estiver feito, queremos entrar em contacto com o Boavista, de Portugal, para cooperarmos mais de perto.»

Para início de conversa, o clube de Timor tem um cartão de apresentação incomum: um Nobel da Paz como presidente. Quantos clubes no mundo se podem orgulhar disso

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