opinião
Especialista em Ciência Política e Relações Internacionais: Segurança e Defesa, do Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos (UCP). Jurista, foi jornalista de Política Internacional e é consultora em Public affairs e Comunicação

Terroristas como atores da guerra: um guia para as perceções

27 out 2023, 19:32

A guerra não explicada, transmitida em direto, como se as partes em contenda estivessem ao mesmo nível e se situassem na mesma esfera é um dos erros mais evidentes neste conflito entre Israel e o Hamas, que corre o risco de fazer desabar, nas novas gerações, muitos séculos de construção dos limites da guerra. 

Para sermos críticos há que entender que o Hamas é um grupo terrorista, não é um “movimento de resistência”, como se autoproclama e é assim referido em boa parte dos Media ocidentais. Não, o Hamas não resiste, o Hamas empreende ações terroristas: procura, através da agressão indiscriminada, implantar e alargar o pânico para atingir os seus objetivos. Como grupo terrorista, o Hamas não quer saber da lei, de nenhuma lei. Também não quer saber, obviamente, das leis da guerra.

Por isso, o Hamas não teve qualquer problema em iniciar o conflito matando centenas de civis, fazendo-os reféns, torturando-os, violando-os, destruindo-lhes as casas e as famílias, como não tem qualquer problema em entrincheirar-se em zonas civis do território que diz pertencer-lhe, colocando em risco a própria população que diz defender, e destruir-lhe todas infraestruturas para fins de guerra. Todas estas ações são consideradas pelas leis da guerra como crimes contra a humanidade. 

Como agente da guerra fora da lei, o Hamas altera-lhe obviamente os pressupostos, colocando Israel em evidente desvantagem num conflito desigual, porque, como Estado soberano, não é suposto que Israel se situe no mesmo plano, assumindo os mesmos crimes. Esse é, evidentemente, um trunfo do Hamas, que consegue ainda a enorme proeza de contar com uma opinião pública favorável, não só entre os habituais inimigos no mesmo quadrante da Jihad, como também, pasme-se, da opinião pública ocidental. 

Trata-se, no Ocidente, da simpatia fácil de quem se coloca perante os percecionados como “mais fracos” por não terem exércitos organizados nem aliados históricos, e ainda para mais apresentados como “vítimas”, por estarem a ser atacados no âmago da população civil, na ignorância de que colocar-se nessa posição é um expediente há séculos considerado como crime de guerra. 

Os Media são tradicionalmente os grandes aliados do terrorismo, como meio para o alastramento do pânico, e a não cobertura dos eventos terroristas foi sempre considerado um dos expedientes para a sua neutralização. Com este conflito, o Hamas não só consegue de bandeja a cobertura do seu próprio horror, como ainda soma aliados não só entre os tradicionalmente inimigos do Médio Oriente como até no Ocidente.

A teorização da guerra está toda em reconstrução, com a entrada dos terroristas como senhores da guerra, distorcendo toda a sua dinâmica e condicionando de forma profundamente assimétrica as ações do adversário. Na clássica elaboração de Clausewitz, validada em mais de dois séculos, todos os ingredientes estão presentes: a guerra ao serviço de objetivos políticos, a paixão (imperialismo islâmico), a razão (adequação de meios aos fins, sem qualquer limitação no caso terrorista), e a oportunidade (alargada a novos aliados e a um novo contexto de opinião pública mundial). 

Não se trata já, entre os muitos adeptos da jihad, de redefinir o território de Gaza, trata-se de redefinir o mapa, do velho ideal imperialista islâmico, da implantação da sharia, a lei islâmica, como lei civil em novos territórios e também no Ocidente. 

Há quem diga que as liberdades ocidentais, tão intuitivas para quem as recebeu sem lutar por elas, se tornam brandas e facilmente descartáveis, como se não fossem a garantia da própria dignidade. Sabermos reconhecê-las e valorizá-las, chamando-as pelo seu nome, é já uma vantagem. Tal como o é chamar ao Hamas “grupo terrorista” e não “movimento de resistência”, porque as palavras não só expressam um facto, como moldam as próprias perceções.

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