Biden promete apreender iates de oligarcas russos. Eis onde estão eles agora

CNN , Casey Tolan, Curt Devine e Daniel A. Medina, CNN
6 mar 2022, 10:48
Iates de oligarcas russos

Iates de oligarcas russos são alvos-chave dos aliados do ocidente. Mas apreendê-los não é tão fácil como encontrá-los

Os navios medem o equivalente a um campo de futebol ou mais ainda, vêm equipados com heliportos e piscinas, e já surgiram em portos do mundo inteiro, erguendo-se como gigantes sobre os navios de pesca e as lanchas.  

Os iates dos oligarcas russos – que compraram alguns dos maiores e mais extravagantes super iates do planeta – são os símbolos resplandecentes do quanto a elite russa lucrou durante a governação do Presidente Vladimir Putin.

Agora, à medida que as forças russas intensificam a sua mortífera campanha militar na Ucrânia, os iates surgem como alvos-chave dos Estados Unidos e dos aliados europeus, que prometem apreender bens de apoiantes de Putin.

Já começaram as disputas: as autoridades francesas apreenderam um iate, na quarta-feira à noite, que estaria ligado a Igor Sechin, um empresário russo do setor do petróleo próximo de Putin, quando este se preparava para fugir de um porto. Mas a empresa que gere o navio negou que Sechin fosse o proprietário. E a Casa Branca disse que as autoridades alemãs tinham apreendido o iate de outro oligarca em Hamburgo, enquanto as autoridades locais negaram que tivessem confiscado qualquer navio.

A apreensão em França mostra que confiscar iates de oligarcas poderá exigir um esforço global concertado e provavelmente implicará longas batalhas legais no mundo inteiro, segundo os especialistas.

Uma análise dos dados de localização marítima da CNN, a partir do site MarineTraffic, concluiu que mais de uma dúzia de iates que tinham sido declarados como propriedade de oligarcas russos estão espalhados pelo mundo inteiro, desde as águas cristalinas de Antigua até portos em Barcelona e Hamburgo ou atóis nas Maldivas e Seicheles.  

Em vários casos, os iates dos bilionários estavam em movimento nos primeiros dias após a ofensiva russa.

A localização dos iates ligados a oligarcas

A CNN encontrou mais de uma dúzia de iates em todo o mundo que, segundo informações publicadas na comunicação social, estão ligados a oligarcas russos identificados pelo governo dos EUA.   

Entretanto, as autoridades de todo o mundo estão também a aplicar sanções a um grupo de navios menos vistoso, mas ainda assim importante: os petroleiros e navios porta-contentores que, segundo o Departamento do Tesouro dos EUA, pertencem à filial de um banco com fortes ligações à indústria de Defesa da Rússia. As autoridades francesas interceptaram um dos navios cargueiros no fim de semana passado, e um porto malaio não permitiu que outro atracasse.

As sanções e a apreensão de bens "fazem com que seja mais difícil para o Kremlin convencer pessoas capazes a envolverem-se nas suas atividades, enfraquecendo consequentemente a influência do Kremlin sobre as elites," disse  William Courtney, ex-embaixador americano e atual diretor-executivo do Fórum de Líderes Empresariais RAND, cujos membros incluem líderes russos e ocidentais.

O Presidente norte-americano Joe Biden advertiu a elite russa, no seu discurso sobre o Estado da União, na terça-feira: 

"Aos oligarcas russos e líderes corruptos que ganharam milhares de milhões de dólares com este regime violento: basta!", declarou Biden . "Em conjunto com os aliados europeus, vamos encontrar e apreender os iates, apartamentos de luxo e jatos privados. Vamos atrás das vossas fortunas de origem duvidosa."

 

'Ele não faz ideia do que está para vir’: Biden envia mensagem a Putin

 

O Departamento de Justiça dos EUA criou uma nova task force – chamada KleptoCapture – para ajudar a pôr em prática as palavras de Biden. “Este esforço inclui procuradores, agentes federais e peritos em lavagem de dinheiro, execução fiscal e investigações de segurança nacional do FBI, das Finanças, do Serviço de Marshals dos EUA e do Serviço de Inspeção Postal dos EUA”, disse o procurador-geral nortre-americano, Merrick Garland, num comunicado, na quarta-feira.

"Não deixaremos pedra sobre pedra nos nossos esforços para investigar, prender e acusar aqueles cujos atos criminosos permitam que o Governo russo continue com esta guerra injusta", disse Garland.

Iates com ligações à Rússia atracados em todo o mundo

É muito difícil confirmar quem é o proprietário de um iate, uma vez que os navios são muitas vezes registados no nome de sociedades de gestão ou empresas de fachada, num aparente esforço para esconder quem é o dono, segundo os especialistas. 

Mas mais de uma dúzia dos bilionários incluídos numa lista de “oligarcas” russos que o Departamento do Tesouro dos EUA divulgou em 2018 foram associados aos iates em reportagens nos últimos anos, segundo uma análise da CNN. 

A maior parte dos oligarcas que alegadamente possuem iates ainda não estão a enfrentar sanções dos Estados Unidos. Contudo, alguns foram sancionados pela União Europeia ou pelo Reino Unido, e poderão também vir a ser acrescentados às listas de sanções americanas. 

Amber Vitale, ex-funcionário do Departamento do Tesouro para o Controlo de Ativos Estrangeiros, que aplica sanções, disse que as sanções americanas geralmente só impedem os americanos e as empresas americanas de interagir com indivíduos sancionados. Isso significa que os iates dos oligarcas podem estar livres de apreensões, se permanecerem em águas internacionais ou em países que não tenham emitido as suas próprias sanções. 

"No entanto, seria muito difícil funcionar assim durante muito tempo, se muitas nações aliadas impusessem proibições semelhantes", respondeu Vitale por e-mail. "Os navios precisam de portos, combustível, operadores/capitães, reparações e abastecimento. Sem acesso a essas coisas, poderiam ficar presos a flutuar no mar, à espera de resgate ou de uma resolução."

As apreensões já começaram, com as autoridades francesas a levar o Amore Vero, o iate que pertenceria a Sechin, de acordo com uma declaração do Ministério francês da Economia e Finanças. O iate chegou ao porto francês de La Ciotat a 3 de janeiro 3 para reparações, mas estava "a tomar providências para zarpar urgentemente, sem ter concluído os trabalhos previstos" quando foi apreendido, na quarta-feira”, segundo o Ministério. Sechin, o CEO da petrolífera russa Rosneft, foi sancionado pela União Europeia no início desta semana, e a própria Rosneft já tinha sido sancionada pelos Estados Unidos, em 2014.

O iate Amore Vero, num estaleiro em La Ciotat, no sul de França, a 3 de março de 2022.

Mas uma empresa de gestão de iates, associada ao navio, disse que o proprietário não era Sechin. "Posso garantir que o proprietário não é Igor Sechin", disse à CNN o porta-voz da Imperial Yachts, que gere o Amore Vero. "O legítimo proprietário vai recorrer da decisão de apreensão do navio."

Especialistas jurídicos disseram à CNN que os oligarcas deveriam transferir bens, tais como iates, para amigos e familiares que não foram sancionados, para tentar evitar as apreensões. Catherine Belton, autora de um livro sobre Putin, disse que esperava que os oligarcas estivessem "freneticamente a engendrar acordos para fazer mudanças de propriedade."

“Vai ser o jogo do gato e do rato”, afirmou Belton.

De acordo com o Ministério francês, o Amore Vero, que tem um ginásio e cabeleireiro a bordo e ganhou um prémio pelo seu design, pertence a uma empresa cujo "principal acionista" é Sechin. Sechin foi vice-primeiro-ministro russo, no Executivo de Putin, antes de ser presidente executivo (CEO) da Rosneft, uma das maiores empresas do país, em 2012.

A apreensão pode também levar outros oligarcas russos a retirar os navios dos portos da União Europeia. O Dilbar, um dos maiores iates do mundo, e que alegadamente pertence ao bilionário russo Alisher Usmanov, chegou a Hamburgo, na Alemanha, no final de outubro, de acordo com dados do MarineTraffic. Houve alguma confusão sobre o estatuto do navio: Usmanov foi sancionado pela UE e a Forbes informou que as autoridades alemãs apreenderam o navio de 156 metros, que pode transportar até 96 tripulantes e 24 visitantes. O Departamento do Tesouro dos EUA também sancionou Usmanov na quinta-feira, citando especificamente o Dilbar como prova do seu "estilo de vida luxuoso".

Mas um porta-voz da autoridade económica de Hamburgo disse à CNN que "nenhum iate foi apreendido pelas autoridades ou pela alfândega, no porto de Hamburgo, neste momento." Os funcionários aduaneiros alemães não responderam aos pedidos de comentários da CNN, e a empresa de construção naval que supostamente estava a trabalhar no iate recusou-se a comentar.

Uma foto de arquivo, de 10 de setembro de 2018, mostra o iate Dilbar.

O iate Luna, que pertencerá a Farkhad Akhmedov, um bilionário do Azerbaijão que já esteve à frente de uma empresa de gás natural russa, também estava em Hamburgo, de acordo com os últimos dados do MarineTraffic no início desta semana. Akhmedov, que não foi sancionado, ficou com o iate Luna, de nove andares e 115 metros, após um divórcio litigioso, que foi o mais conhecido caso de divórcio da história legal da Grã-Bretanha.  O iate possui tecnologia de deteção de mísseis e vidros à prova de bala.

Vários iates supostamente pertencentes a oligarcas russos atracaram num porto em Barcelona. Como o Solaris, que foi associado a Roman Abramovich, o bilionário que anunciou na quarta-feira que venderia o Chelsea e doaria os lucros a uma fundação de vítimas da invasão da Ucrânia. Abramovich não foi sancionado.

O Galactica Super Nova, que supostamente é propriedade do executivo de uma companhia petrolífera russa, Vagit Alekperov, deixou Barcelona e atravessou o Mediterrâneo para Tivat, Montenegro, antes de navegar para sul no Mar Adriático. Embora Alekperov não tenha sido sancionado, é presidente da Lukoil, que foi afetada por sanções dos EUA no passado.

Outros iates ligados à Rússia estão nas Caraíbas, como o Eclipse, outro iate de Abramovich, que está entre os maiores do mundo e inclui uma piscina, que pode ser transformada em pista de dança. E o Anna, que deverá pertencer ao oligarca Dmitry Rybolovlev, que já comprou na Florida uma mansão do ex-presidente Donald Trump. Rybolovlev não foi sancionado.

Courtney, o ex-embaixador, disse que esperava que os oligarcas russos tirassem a maior parte dos seus bens dos EUA, após dois bilionários terem sido sancionados em 2018, e previu que eles tentariam retirar os seus iates dos países da Europa Ocidental, para evitar que fossem apreendidos.

"É provável que vejamos mais uma redistribuição geográfica de alguns desses bens", disse Courtney, para países "que são vistos como menos propensos a sancionar", possivelmente no Médio Oriente. 

Vários iates ligados a oligarcas russos chegaram nas últimas semanas às Maldivas, um arquipélago do Oceano Índico. Entre estes, inclui-se o Clio, alegadamente propriedade do oligarca Oleg Deripaska, que deixou o Sri Lanka no início de fevereiro e tem navegado entre vários atóis das Maldivas desde então, de acordo com a MarineTraffic. Deripaska foi sancionado pelos EUA em 2018.

Nenhum dos oligarcas mencionados neste artigo respondeu aos pedidos de comentário da CNN enviados aos seus porta-vozes, empresas ou advogados. 

Talvez o exemplo mais claro de um iate com supostos laços à elite russa e que está a fugir do Ocidente seja um navio de bandeira russa chamado Graceful. Notícias especulativas nos média alemães relataram que o navio pertence ao próprio Putin, embora não haja provas concretas de que seja esse o caso. 

O Graceful partiu de Hamburgo no início de fevereiro - cerca de duas semanas antes da invasão da Ucrânia - e zarpou para Kaliningrado, na Rússia, como mostram os dados do MarineTraffic. Nenhum dado de localização foi gravado, desde que chegou à cidade russa a 9 de fevereiro. 

O Graceful, um iate que alguns meios de comunicação social internacionais especulam ser de Vladimir Putin, deixou um porto de Hamburgo, na Alemanha, a 7 de fevereiro de 2022 e chegou à Rússia no dia 9 - cerca de duas semanas antes do início da invasão da Ucrânia 

Os piratas informáticos alteraram os dados de tráfego marítimo, para fazer parecer que o destino do iate era "o inferno" e que tinha encalhado na Ilha das Serpentes, na Ucrânia - onde a resposta dos soldados ucranianos a um navio de guerra russo se tornou viral nas redes sociais. 

As sanções provavelmente desencadearão batalhas legais pelos iates e exigirão que as autoridades governamentais comprovem qual é a propriedade, de acordo com especialistas. 

"Uma pessoa sancionada pode dizer ao Governo que o ativo que está congelado não é um dela", argumentando que está registado em nome de um membro da família ou de uma empresa de fachada que não foi sancionada, disse Raj Bhala, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Kansas e especialista em sanções. "O oligarca poderia argumentar perante o Estado que este não tem autoridade legal para apreender aquele bem."

Mas há novos perigos para os iates dos oligarcas, além dos procedimentos legais: um engenheiro naval ucraniano foi preso na ilha espanhola de Maiorca por tentar afundar um iate de um executivo de uma empresa militar russa de exportação, de acordo com os meios de comunicação locais.

"Não me arrependo de nada e faria tudo de novo", declarou o engenheiro no tribunal, de acordo com o Majorca Daily Bulletin. "Eles atacaram inocentes."

Embarcações marítimas sancionadas apreendidas e bloqueadas dos portos 

Mesmo que Biden e outros tenham centrado os seus comentários públicos nos iates dos oligarcas, os EUA também foram atrás de outros navios associados à Rússia. 

Na semana passada, a Administração Biden anunciou sanções contra cinco navios petroleiros, de carga e de contentores que o Departamento do Tesouro diz pertencerem a uma filial do Promsvyazbank, um banco russo que deu milhares de milhões de dólares para apoiar empresas de defesa russas. As sanções impedem qualquer americano de fazer negócios com o Promsvyazbank.

As autoridades francesas apreenderam um dos navios de carga, o Baltic Leader, quando este se dirigia de França para São Petersburgo, na Rússia, "como parte de uma operação realizada em cooperação com as autoridades dos EUA", de acordo com o Ministério das Finanças francês. O navio está agora ancorado num porto no norte de França, como mostram os dados do MarineTraffic.

Um operador portuário da Malásia recusou o pedido de um dos outros navios, um petroleiro chamado Linda, para atracar lá a 5 de março "para não violar quaisquer sanções", disse o Ministério dos Transportes da Malásia à CNN. A decisão foi relatada pela primeira vez pela Reuters. 

O Promsvyazbank não respondeu ao pedido de comentários da CNN, mas negou publicamente que a sua filial fosse proprietária do Linda e disse que não já é proprietária do Baltic Leader. Dois dos outros navios sancionados pelos EUA estão agora prestes a ter a sua concessão retirada à filial do Promsvyazbank, de acordo com um comunicado da empresa russa FESCO Transportation Group.

Alguns dos navios foram acusados, nos últimos anos, de violar anteriores sanções dos EUA ao transportar petróleo iraniano. Uma companhia petrolífera turca concordou em prestar serviços a outro dos navios - um petroleiro chamado Pegas - num de seus terminais no início deste ano, mas depois de receber uma denúncia de que o navio poderia transportar carga iraniana, a transação foi cancelada, de acordo com um porta-voz da empresa, Opet. 

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