A Rússia destacou os melhores homens para atacar Avdiivka. Mas a pequena 'fortaleza' ucraniana revelou-se um pesadelo

21 out 2023, 22:00
Forças ucranianas aguentam posições em Bakhmut (Evgeniy Maloletka/AP)

Só nas primeiras 24 horas, 36 carros de combate russos foram completamente destruídos. Dez dias depois, centenas de veículos e de soldados russos sem vida preenchem os campos de batalha no bastião ucraniano do Donbass

Durante semanas, a Rússia acumulou centenas de veículos blindados, carros de combate, aviões, helicópteros, milhares de soldados em Donetsk. O exército russo preparava-se para lançar um ataque surpresa para tentar cercar a cidade de Avdiivka, uma cidade transformada em fortaleza desde 2015. O ataque tornou-se a ação mais “significativa” das forças militares russas desde a campanha em Bakhmut, mas o seu resultado foi “um fracasso” que se agrava a cada dia. Quase duas semanas depois de começar, o ataque à pequena cidade da região de Donetsk pode tornar-se uma das maiores derrotas russas na guerra.

“As unidades russas empregaram uma quantidade de meios blindados e entraram em zonas de morte fortemente defendidas, mas a reação ucraniana foi de tal maneira violenta que a ofensiva acabou por tornar-se um fracasso completo, com perdas muito consideráveis”, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira.

A operação russa é uma das mais significativas em termos de dimensão desde o início de 2023. De acordo com os serviços secretos britânicos, a Rússia utilizou “múltiplos batalhões blindados” para atacar os flancos de Avdiivka, numa tentativa de cercar a cidade, no dia 10 de outubro. Durante dez dias, os russos tentaram, sem sucesso, conquistar as posições fortificadas ucranianas na localidade que se tornou sinónimo de resistência. Os campos em redor da cidade deram lugar a um cenário distópico, repleto de crateras de artilharia, restos de veículos blindados e corpos de soldados russos.

Um soldado com o nome de código "Texas", do 2.º batalhão mecanizado da Brigada Presidencial, recordou o primeiro contacto com o inimigo. "Ao nascer do sol, os primeiros raios batem diretamente nos nossos olhos. O inimigo utilizou isso para nos atacar enquanto estávamos cegos", contou o soldado numa entrevista televisiva, acrescentando que, como os ucranianos ocupavam as posições de terreno mais elevada, um grande número de militares os russos que avançaram contra as suas posições perderam a vida.

Só nas primeiras 24 horas, 36 carros de combate russos foram completamente destruídos. Nas redes sociais, multiplicam-se imagens que demonstram bem a dimensão das perdas russas. Dezenas de carros de combate e veículos blindados de transporte de pessoal são atingidos por uma mortífera combinação de artilharia, mísseis antitanque e minas. Não há, para já, um número oficial de baixas, mas tudo indica ser um número bastante elevado.

“Ataques de blindados contra muitas armas anticarro é suicídio puro e duro. Há imensos carros de combate destruídos. Esta ofensiva está a correr mal para a Rússia e, ao que tudo indica, não vão conseguir conquistar o saliente de Avdiivka”, defende o especialista em assuntos militares.

Outro dos problemas encontrados pela Rússia nesta região é a capacidade de garantir superioridade aérea para prestar apoio às tropas que tentam avançar no terreno. Os reforços destacados por Kiev para reforçar Avdiivka contam com apoio antiaéreo e, durante uma visita do general Valerii Zaluzhnyi à frente de batalha, os comandantes ucranianos partilharam imagens dos seus militares a abaterem um caça su-25.

Além disso, vários vídeos partilhados por militares ucranianos demonstram bem a eficácia com que estão a ser utilizados os drones e as munições de fragmentação contra a infantaria russa, que tenta avançar em terreno aberto. Estes soldados, ao contrário dos militares destacados noutras frentes, são forças regulares treinadas e não homens mobilizados.

“Tanto os observadores militares ucranianos como as fontes russas afirmaram que as forças russas não conseguiram o avanço imediato desejado, e as forças russas enfrentaram perdas iniciais elevadas e uma taxa de avanço provavelmente mais lenta do que o previsto”, aponta o Instituto para o Estudo da Guerra num relatório.

Este choque acontece devido ao facto de a localidade de Avdiivka fazer parte da linha de frente de batalha desde 2015, quando um grupo de separatistas apoiados pela Rússia declararam independência nas províncias de Donetsk e Lugansk. Desde então, o exército ucraniano construiu uma complexa rede defensiva, com pontos fortificados com betão, salas de comando e de comunicações em profundidade, bem como dezenas de campos de minas.

“Esta zona é uma periferia de Donetsk e é uma espécie de segunda Bakhmut. O terreno está bem organizado desde 2015, com posições fortificadas há longa data. A tentativa de fechar o cerco tem tido muito maus resultados”, explica o major-general Agostinho Costa.

Estas condições tornam o assalto a Avdiikva uma complexa operação militar, no entanto, as autoridades militares ucranianas não acreditam que o ataque fique por aqui. Vitaliy Barabash, chefe da Administração Miltiar de Avdiivka, acredita que, apesar dos seus recentes falhanços, os russos estão a “disparar com todos os seus recursos disponíveis” na área e é esperada uma nova escalada nos confrontos, depois de 24 horas de relativa calma.

Numa entrevista à televisão ucraniana, Barabash admite que a Rússia não desistiu completamente de tentar conquistar a cidade e, neste momento, está a tentar “identificar pontos fracos” na linha defensiva ucraniana. Na última semana, Moscovo tem lançado mais de 60 ataques por dia, apenas nesta região.

“Muito provavelmente, esta escalada vai continuar nos próximos dias”, advertiu.

Entre os bloggers militares russos o resultado desta batalha está a fazer temer o pior. Uma destas fontes admite mesmo que o número de veículos perdidos pela Rússia em dez dias de ofensiva em Avdiivka pode ser igual ou superior às perdas ucranianas durante os três meses de batalha em Robotine.

Os motivos que levaram a Rússia a avançar para o ataque em Avdiivka não são certos, mas podem prender-se não com questões de natureza militar, mas sim política. Depois de vários meses de ofensivas ucranianas, onde Kiev decidia onde e quando é que aconteciam os combates e com a Rússia a tomar uma postura defensiva, Moscovo pode ter utilizado Avdiivka para tentar reverter o curso dos combates e colocar um fim à contraofensiva ucraniana.

Para o major-general Isidro de Morais Pereira, o início das hostilidades entre Israel e o Hamas também pode ter desempenhado um papel na decisão de lançar esta campanha que está a sair tão cara a Moscovo.

“A Rússia tentou aproveitar-se do potencial desinteresse do Ocidente devido ao ataque a Israel. Há também uma ânsia muito grande por parte do Kremlin de querer dar uma vitória ao povo russo. Putin queria conquistar o Donbass até ao final do ano”, referiu.

Depois de vários dias de ataques falhados, Vladimir Putin visitou a sede das Forças Armadas russas que tem sido utilizada para coordenar a “operação militar especial” russa, em Rostov-on-Don. O major-general Agostinho Costa acredita que este é um sinal de que podem vir a “rolar cabeças” entre a liderança militar russa.

"O que está a acontecer é uma derrota tática. Putin esteve em Rostov para se inteirar do desenvolvimento desta operação, que se perspetivava ser o fim de ciclo da contraofensiva ucraniana. Putin vai substituir os comandantes todos."

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