"O PCP a ser como sempre foi". Comunistas celebram 101.º aniversário no meio da polémica sobre a Ucrânia

5 mar 2022, 21:30
Jerónimo de Sousa

Comício está marcado para este domingo e há relatos de que preparam manifestações anti-PCP. Que efeito terá a longo prazo a posição do partido sobre a invasão russa? Fomos falar com especialistas

O PCP vai comemorar o 101.º aniversário com um comício no Campo Pequeno, em Lisboa, este domingo, declarando que será um “importante momento de afirmação do partido, do projeto e ideal inserido na luta pela resolução dos problemas nacionais, pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo e o progresso social, contra a exploração e o empobrecimento”. Considerando o “momento particularmente exigente da vida nacional”, os comunistas alegam que é necessária “a concretização de uma alternativa que garante um Portugal com futuro”.

É, também, um momento "particularmente exigente" para o PCP que, depois de uma pesada derrota eleitoral nas eleições legislativas de 30 de janeiro, tem sido alvo de inúmeras críticas pela sua posição em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Criticado pelos seus opositores políticos e por diversos opinadores na comunicação social, o PCP tem sido especialmente massacrado nas redes sociais, onde surgiram até indicações de que poderá haver manifestantes anti-PCP no Campo Pequeno.

Não se trata de uma situação completamente nova para o partido, mas é legítimo perguntar se esta posição face ao conflito Ucrânia-Rússia poderá determinar o afastamento de (mais) uma fatia do seu eleitorado.

"O PCP tem a atitude própria de um partido que não soube envelhecer. Criou um modelo e não percebe que esse modelo se complexificou e evoluiu. Continua a ver o mundo como uma luta entre dois blocos: capitalismo e socialismo. E, com essa atitude, está a delapidar o capital da resistência ao Estado Novo", explica à CNN Portugal o politólogo José Filipe Pinto. Não se trata, portanto, de defender Putin, trata-se de manter a oposição ao modelo "imperialista e capitalista" do Ocidente.

Com esta posição, assistimos, diz José Filipe Pinto, a uma "revisitação daquela que foi a posição do PCP aquando do pacto germano-soviético, antes da Segunda Guerra Mundial": "Na altura, Álvaro Cunhal vendeu aos militantes a ideia de que estávamos perante uma guerra entre países burgueses e que era um sinal de que os países capitalistas estavam moribundos", explica. "Hoje, como em 39, o PCP vem dizer que a culpa do conflito é da NATO e do complexo militar do Ocidente."

Essa é também a interpretação do polítólogo José Adelino Maltez, que não esconde a sua indignação perante a tomada de posição do PCP:  "Parece que voltaram à Guerra Fria", diz à CNN Portugal.

Por um lado, a postura dos comunistas não é uma novidade: agiram de forma semelhante quanto ao pacto germano-soviético (1939), à invasão da Hungria (1956) e de Praga (1968). "Podemos dizer que isto é o PCP a ser como sempre foi", referiu, juntando as posições comunistas em relação aos regimes de Cuba e da Coreia da Norte.

Mas o investigador considera que, desta vez, talvez o partido tenha ido longe de mais: "Esta dialética obrigou o PCP a dizer que os maus da fita eram a NATO e as potências ocidentais. E, depois, acreditando no argumento inventado por Putin, disseram que era necessário a desnazificação da Ucrânia. Isso, para mim, é imperdoável. É um erro do PCP alinhar nestes argumentos." 

Os militantes do PCP irão apoiar a posição do partido?

Apesar de tudo, Adelino Maltez não se atreve a prever o efeito que esta tomada de posição poderá ter numas eleições futuras: "Não sabemos o que vai acontecer daqui a dois ou três anos. Neste momento, estamos em cima da emoção e com hiper-informação. De uma maneira geral, existe muita falta de cultura no que toca a relações internacionais, por isso é difícil prever o que farão os simpatizantes do partido."

Já José Filipe Pinto acredita que os militantes do partido irão manter-se fiéis, aconteça o que acontecer. O PCP vai ter "um discurso para dentro e outro para fora". "Para dentro, o discurso vai ser muito mais duro. Vão dizer que estamos perante uma situação espoletada pelo imperialismo ocidental e que a Rússia viu-se forçada a agir. Para fora, a tónica será colocada na ideia de que o Ocidente, ao pôr-se ao lado da Ucrânia, pode estar a contribuir para prolongar o conflito em vez de ajudar a resolvê-lo. Vão falar mais dos direitos humanos, dos refugiados, do desejo de paz e de negociações."

"Este discurso de vitimização do PCP e de diabolização do Ocidente continua a dar os seus frutos a nível interno e é uma das formas de fixar este eleitorado", considera este especialista. "Ainda há muitas pessoas no PCP que não acreditam que o Muro de Berlim caiu", lança. Não será bem assim, mas a explicação vem logo a seguir: "O PCP vendeu ao seu eleitorado uma imagem e à custa de tanto insistir nessa imagem produziu uma inculcação ideológica, ou seja, criou nos seus militantes uma perda do espírito crítico e uma crença na necessidade de resistir à NATO e ao imperialismo ocidental. É por isso que este discurso continua a dar frutos. Apesar de hoje, ao contrário de 1939, as pessoas terem mais acesso à informação, esta inculcação ideológica leva-as a considerar que aquilo que lhes é apresentado pelos media como realidade é uma manipulação." 

Por isso, mesmo que esta posição relativamente à Ucrânia possa prejudicar a imagem exterior do PCP, José Filipe Pinto não acredita que haja qualquer recuo por parte do núcleo duro do eleitorado do partido.

O comício na tarde deste domingo “culmina as comemorações do centenário” e assinala o 101.º aniversário, sob o lema “O futuro tem partido, liberdade, democracia, socialismo”. A intervenção final vai ser, como é habitual, do secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e também estão previstas intervenções dos dirigentes comunistas Margarida Botelho e Paulo Raimundo, assim como da dirigente da juventude comunista Inês Rodrigues.

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