Primeiro: "Uma operação secreta para retirada rápida dos reféns do Hamas". Depois: "Uma grande ofensiva em que vai ser muito difícil para as tropas no terreno não cometerem crimes horrendos"

13 out 2023, 16:38
As imagens do 6.º dia de conflito na Faixa de Gaza (AP)

Antes de lançar a grande ofensiva, Israel "tem a obrigação de tentar salvar todos os cidadãos que foram feitos reféns". Os custos políticos de não o fazer "são demasiado caros, até para os EUA e Biden". E esqueçam qualquer comparação com a Ucrânia - é que aqui há "um problema tremendo" que não se verifica na guerra entre Kiev e Moscovo. Na verdade são dois problemas tremendos: o segundo é Israel ter pela frente um inimigo que não é "um exército tradicional, que utiliza o terror pelo terror" - e isso vai ter consequências "nas emoções" dos soldados israelitas

Israel garantiu que vai responder com "meios nunca vistos" após o ataque do Hamas há uma semana. A operação está em curso mas, antes de uma grande ofensiva terrestre, o país tem de resolver a questão dos reféns, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira, especialista em estratégia militar. "Temos este fator perturbador que são os reféns, que de acordo com os últimos números serão cerca de 180. É um problema complicado", diz. "O resgate de reféns pode ser feito por ação militar direta, mas também pode ser conseguido através de negociações, entregando outros prisioneiros ou mesmo pagando avultadas somas." Seja como for, "algo tem de ser feito pelos reféns", afirma este especialista.

"O Hamas diz que os bombardeamentos já provocaram a morte de 13 reféns. Eu não creio que seja verdade, até porque os reféns são a jóia da coroa do Hamas. São tão valiosos que devem estar no complexo de túneis que eles construíram em Gaza. Aquilo que foi dito antes pelo Hamas é que por cada ataque não avisado iriam matar um refém. Por isso, Israel tem feito sempre avisos antes dos ataques", explica Isidro de Morais Pereira.

"Penso que, antes de se lançar numa ofensiva terrestre a grande escala sobre a Faixa de Gaza, Israel terá de realizar uma operação de resgate dos reféns. Mesmo que essa operação não seja coroada de sucesso, tem de se tentar. No futuro, a médio ou longo prazo, o poder político em Israel não conseguirá explicar às suas populações por que razão não levou a cabo uma operação desse tipo - tem a obrigação de tentar salvar todos os cidadãos que foram feitos reféns", defende Isidro Morais Pereira. A operação será realizada por Israel sozinho ou em conjunto com os EUA, que têm forças especializadas neste tipo de operações. "Os custos políticos de não levar a cabo uma operação destas são demasiado caros, inclusivamente para os EUA e para Joe Biden, uma vez que há mais de 20 cidadãos americanos entre os reféns."

Neste momento, "Israel está a adquirir informação por todos o meios ao seu alcance - pelos países aliados, por agentes infiltrados - e com observação do espectro eletromagnético, com observação geoespacial, de todas as maneiras, para descortinar os locais de concentração dos reféns", explica o major-general. "Será uma operação feita em segredo, muito provavelmente durante a noite, com uma infiltração rápida, com uma ação decisiva sobre os locais, com uma retirada rápida dos reféns e uma exfiltração ainda mais rápida", antevê.

Esse será o próximo passo. Até lá, Israel vai continuar com os bombardeamentos e estará a preparar a ofensiva terrestre. "Israel já disse que, depois de tantas convulsões com o Hamas, quer este problema resolvido de uma vez por todas. Pelas declarações dos mais altos representantes israelitas, dizem que nada será como dantes na Faixa de de Gaza, isso implica a remoção da capacidade militar do Hamas."

Não é como na Ucrânia - e há "um problema tremendo"

Mesmo sabendo que será muito difícil destruir o Hamas - "porque a maior parte dos seus líderes, que são vários, está fora (um está exilado em Beirute, outro está no Qatar, por exemplo)" -, Israel vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance. "Desde dia 7, temos operações de moldagem dos campos de batalha, uma vez que uma ofensiva começa sempre por uma campanha aérea, que é tão demorada quanto necessário", explica Isidro de Morais Pereira. 

A finalidade destes ataques é, normalmente, eliminar as capacidades de defesa antiaérea do adversário. Mas "não é o caso, porque o Hamas não tem grandes capacidades, nem de aviões nem grandes sistemas de defesa antiaérea". Portanto, aqui trata-se sobretudo de "desarticular a capacidade de comando, destruir postos de munições, destruir tanto quanto possível bunkers e outro tipo de fortificações, atingir locais de reunião de terroristas". "Ou seja, tornar o campo de batalha mais fácil para que quando for a ofensiva terrestre não haja tantas baixas."

Ao mesmo tempo, Israel está a mobilizar e a posicionar os seus combatentes. "Temos as forças israelitas normais, que são cerca de 200 mil 'homens' e entretanto foram chamados para servir 360 mil reservistas. Israel é um país rodeado de adversários (ou melhor, inimigos). Tem 9,3 milhões de habitantes e é capaz de mobilizar de um dia para o outro um exército de 560 mil elementos, que são homens e mulheres treinados, têm treinos periódicos e estão prontos a combater. As unidades estão constituídas mesmo em tempo de paz. E tem também o equipamento, as armas, as munições, toda a estrutura de apoio. Podemos dizer que Israel se levantou em armas, inclusivamente já foram distribuídas armas aos populares", refere Isidro de Morais Pereira. 

Israel "está a aproximar as suas forças da Faixa de Gaza, sobretudo na região norte de Gaza". "Estão a ocupar aquilo a que chamamos 'zonas de reunião' e nalguns casos já bases de ataque (prontas para lançar um ataque)." Porém, estas tropas "têm também de estar em movimento para não se tornarem alvos fáceis para os foguetes do Hamas". "É também por causa da sua proximidade a Gaza que podemos prever que o ataque terrestre estará iminente."

Portanto: "Ou a situação muda muito e o Hamas resolve entregar os reféns e aceita entrar em negociações de paz, ou a manter-se exatamente como está tem de haver uma ofensiva por terra decisiva", afirma o major-general.

Mas esta será uma ofensiva muito diferente daquela a que assistimos, por exemplo, na Ucrânia. Isto porque o Hamas é um exército de guerrilha e porque o combate irá acontecer numa área densamente urbanizada. A guerrilha tem dois fatores a seu favor. Por um lado, sabe que o adversário não domina a zona de combate porque os combates acontecem "geralmente em áreas montanhosas ou extremamente arborizadas, como as florestas tropicais; ou em países como o Afeganistão, cheios de cavernas, onde as guerrilhas são difíceis de detetar e tiram partido do conhecimento que têm no terreno; ou - como é o caso - em áreas densamente urbanizadas e onde a guerrilha se confunde com a população". Por outro lado, "um guerrilheiro pode num dia ter um uniforme e exibir as munições a descoberto e no dia seguir veste uma roupa normal e passa por um cidadão normal. Esse é um problema tremendo".

Por este motivo, "as operações em áreas urbanizadas são sempre demoradas, críticas e normalmente acabam por provocar custos elevadíssimos, de vidas humanas e feridos, entre militares e também civis", aponta o especialista em estratégia militar, lembrando que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu avisou a população precisamente para um combate longo e doloroso. "As vantagens tecnológicas esbatem-se porque os terroristas conhecem bem aquelas zonas e estão abrigados nas casas. Não me parece que os blindados e os carros de combate sejam decisivos. Será um combate de paciência, de muitíssima atrição. Os terroristas confundem-se com a população e usam a população como escudo. Uma zona que parece que se conquista e que se limpa e que está pacificada no dia seguinte pode ter terroristas."

Hamas é composto por "guerrilheiros treinados, com armas individuais e também com armas anticarro (antitanque), que são capazes de destruir viaturas blindadas e carros de combate - além disso têm granadas e têm os foguetes". É preciso também lembrar que "o inimigo não é um exército regular, não cumpre a Convenção de Genebra nem o direito internacional - utiliza o terror pelo terror, por isso vai ser muito difícil até para as tropas no terreno controlarem as emoções e não cometerem crimes horrendos. É como se estivessem, em muitas situações,  a combater contra um inimigo invisível."

Relacionados

Médio Oriente

Mais Médio Oriente

Mais Lidas

Patrocinados