Rockets caseiros e AK-47s transformadas: eis um olhar detalhado ao arsenal mortal do Hamas

CNN , Isabelle Chapman, Audrey Ash, Daniel A. Medina e Allison Gordon. Ilustrações de Tal Yellin, Ian Berry e Vanessa Leroy.
13 out 2023, 15:18
Armamento do Hamas ilustração CNN com fotos Getty Images

Rockets caseiros. AK-47s modificadas. Metralhadoras soviéticas com décadas. Armas baratas, em segunda mão e roubadas. Eis o arsenal improvisado e mortífero do Hamas, que alimentou um ataque devastador e multiforme contra Israel no fim de semana.

A CNN analisou dezenas de fotos e vídeos de militantes do Hamas durante o ataque surpresa para identificar as armas usadas para matar pelo menos 1.200 pessoas em Israel. Muitas das armas pareciam ser armas de fogo russas ou chinesas alteradas, presumivelmente deixadas para trás no campo de batalha em décadas passadas e que, dizem especialistas, acabaram por chegar às mãos dos terroristas do Hamas.

Um perito descreveu a forma como o ataque complexo e planeado, em que os terroristas do Hamas se infiltraram em Israel por terra, mar e ar, reflete uma mudança na estratégia militar global do Hamas. Outros acreditam que algumas armas de fogo foram provavelmente fornecidas pelo Irão, que, segundo o Departamento de Estado dos EUA, apoia o grupo terrorista com dinheiro, equipamento militar e treino.

O grupo opera a partir de Gaza, uma faixa de terra costeira mediterrânica que faz fronteira com Israel e o Egipto e que está isolada do resto do mundo desde 2007, quando o Hamas assumiu o controlo do território, o que levou Israel e o Egipto a imporem-lhe um bloqueio.

É um terreno fértil para um grupo terrorista condenado recolher e transformar armas para a guerra de guerrilha.

Embora as armas sejam muito menos sofisticadas do que os padrões de Israel - as forças armadas deste país têm acesso a algum do melhor equipamento que os EUA podem fornecer -, o seu impacto provocou um nível de devastação sem precedentes.

"A meu ver, trata-se de armas de destruição maciça", diz o major do Exército dos EUA Mike Lyons, referindo-se aos mísseis terra-ar portáteis que podem ser vistos em pelo menos um vídeo analisado pela CNN.

Mas os combatentes do Hamas não precisam de equipamento sofisticado para serem mortíferos, acrescenta Lyons. "Eles só precisam de criar terror".

Metralhadoras

Imagens analisadas pela CNN mostram uma metralhadora DShK, de fabrico soviético, calibre .50, modificada e montada numa carrinha.

A arma requer normalmente duas pessoas - uma para alimentar a arma com balas e outra para disparar, disse Lyons. Mas ele suspeita que esta arma tenha sido modificada, tornando-a mais fácil de ser operada por um único combatente.

"Um tipo podia sentar-se, colocar a mão junto ao gatilho e disparar com uma mão e fazer qualquer coisa com a outra", afirma Lyons. "Estas coisas causam estragos".

As armas, concebidas para penetrar em veículos e aviões militares, são frequentemente utilizadas por militares profissionais. Normalmente, são montadas num tripé ou num veículo blindado e utilizadas como arma defensiva em combate.

"É raro (...) ver (esta arma) ser enviada para uma aldeia desprotegida, sem presença militar", diz John Spencer, presidente de Estudos de Guerra Urbana no Instituto de Guerra Moderna em West Point. "É como um assassinato militarizado ou um atirador ativo".

AK-47s

Em muitos dos vídeos e fotos analisados pela CNN, os assaltantes empunhavam AK-47. Letal, fácil de usar e de encontrar, é, segundo especialistas, a arma de assalto preferida dos grupos militantes.

"Se mantivermos o gatilho premido, podemos esvaziar todo o carregador. Tem uma elevada cadência cíclicade tiro. Pode ser usada para pulverizar balas", explica Stephen Biddle, professor da Universidade de Columbia e especialista em defesa, que descreve a ubiquidade das armas. "Não é que o Hamas tenha de ter saído do seu território para adquirir estas coisas".

Um vídeo publicado no canal Telegram do Hamas mostra combatentes - a maioria com AK-47s - a atacar um posto militar israelita. Os assaltantes atravessam bairros israelitas, disparam contra um tanque israelita e mantêm civis sob a mira de uma arma.

Vários dos especialistas com quem a CNN falou mencionaram modificações que alguns grupos farão nas AK-47, incluindo a remoção de equipamento para tornar as armas mais leves e fáceis de usar.

"Eles modificam-nas porque são muito práticos", diz Lyons. 

Spencer salienta que modificações como estas são frequentemente um sinal de uma força não profissional, mas ainda assim perigosa.

"Se tudo fosse padronizado, isso seria um sinal de profissionalização", diz. "É possível fazer pequenas modificações em equipamentos antigos para torná-los igualmente eficazes ou um pouco mais eficazes ou ergonómicos."

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De acordo com vários especialistas, algumas das AK-47 são provavelmente velhas armas soviéticas que foram deixadas para trás durante a invasão da federação no Afeganistão na década de 1980. Outras podem ser velhas armas chinesas que entraram na rede de armamento dos terroristas. Algumas podem ter vindo do Iraque, onde Saddam Hussein comprou AK-47 aos milhares. Além disso, uma série de armas ligeiras provenientes da Líbia entraram no mercado negro na década de 2010, dizem os especialistas.

Para Lyons, este é o dilema quando as forças armadas mais sofisticadas deixam equipamento no campo de batalha - pode acabar nas mãos de grupos terroristas.

"Isto podia ter sido filmado há 40 anos. É o mesmo equipamento", comenta Lyons. "Foram concebidos de forma simples e para trabalhar nas mais austeras e piores condições do mundo."

Rockets

Há muito que o Hamas depende de rockets para travar as suas batalhas assimétricas com Israel. Só no sábado, o grupo militante afirmou ter disparado cinco mil rockets contra Israel, a maioria dos quais foi interceptada pelo sistema de defesa aérea israelita Cúpula de Ferro.

Ainda assim, o grande número de rockets ultrapassou por vezes a capacidade da Cúpula de Ferro, um sistema de última geração equipado com um radar que detecta os projécteis que se aproximam e os abate.

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Alguns chegaram mesmo a aterrar sem explodir em casas israelitas. Num pequeno vídeo publicado no Telegram, um homem mostra os restos de um rocket do Hamas a atravessar o teto de um quarto. Parece ser um rocket Qassam ou Saraya al-Quds que não explodiu, segundo um investigador britânico que dirige o Calibre Obscura, um sítio Web que identifica armas. Ambos os rockets são identificados, observou o investigador, pelos grupos que os utilizam: a ala militar do Hamas, conhecida como brigadas Izz al-Din al-Qassam; e a brigada al-Quds da Jihad Islâmica Palestiniana, um grupo islamista rival na Faixa de Gaza.

Segundo o investigador, o Hamas produz atualmente a grande maioria dos seus próprios rockets Qassam, dadas as dificuldades de contrabando de rockets de maiores dimensões para a bloqueada Faixa de Gaza. A forma como o grupo fabrica os rockets improvisados é menos conhecida. Em batalhas anteriores com Israel, o Hamas era conhecido por disparar rockets feitos de velhos canos de água, salienta o investigador.

Um alto funcionário do Hamas baseado no Líbano deu pormenores sobre o fabrico de armas do grupo numa entrevista editada com o canal de notícias árabe RT Arabic da Russia Today, publicada no seu sítio Web no domingo.

"Temos fábricas locais para tudo, para rockets com alcances de 250 km, 160 km, 80 km e 10 km. Temos fábricas de morteiros e seus projécteis. Temos fábricas de Kalashnikovs (espingardas) e das suas balas. Estamos a fabricar as balas com autorização dos russos. Estamos a construí-las em Gaza", disse Ali Baraka, chefe das Relações Nacionais do Hamas no Estrangeiro, ao jornal.

Mas antigos funcionários dos EUA dizem que não há dúvidas de que o enorme stock de armas utilizado no ataque de sábado foi adquirido e montado com a ajuda do Irão.

"O Hamas não construiu o sistema de orientação e os mísseis em Gaza", disse o general reformado Frank McKenzie, antigo comandante do Comando Central dos EUA. "Eles obtiveram-nos de algum lugar. E a assistência tecnológica para os montar veio certamente do Irão - de onde mais poderia ter vindo?"

Granadas

Nas fases iniciais dos seus ataques, os militantes do Hamas utilizaram granadas quando invadiram cidades e aldeias israelitas perto da Faixa de Gaza.

Num vídeo de câmara de bordo verificado pela CNN, um militante atira uma granada para um abrigo anti-bombas perto do local do festival de música Nova. Os combatentes abrigam-se imediatamente enquanto um homem foge do abrigo.

"Todos procuraram abrigo, que é o que normalmente fariam as pessoas que já fizeram isso antes", diz o ex-tenente David Benson, que serviu no Iraque e agora trabalha numa empresa de segurança. O vídeo indica um nível de treino entre os combatentes, acrescenta.

As granadas de mão voltam a aparecer numa fotografia da Reuters de 8 de outubro. A imagem mostra tropas israelitas a inspecionar armas colocadas num passeio em frente a uma esquadra de polícia na cidade fronteiriça de Sderot. Três especialistas disseram à CNN que os dispositivos parecem ser granadas de mão.

Não se sabe se o Hamas obteve as granadas ou se as fabricou, mas o facto de as possuir sugere que o grupo desenvolveu as suas capacidades nos últimos anos.

"As granadas de mão são caras, mesmo nas forças armadas americanas", resume Benson.

Drones

Um vídeo publicado numa conta das redes sociais do Hamas mostra uma vista aérea de munições que o Hamas afirma ter lançado sobre soldados israelitas através de um drone. A CNN não conseguiu verificar a autenticidade do vídeo, mas uma arma semelhante foi utilizada no ataque inicial, durante o qual o Hamas lançou bombas sobre torres de metralhadoras não tripuladas num posto avançado israelita ao longo da fronteira.

Segundo Biddle, os drones do vídeo parecem ter como alvo os sensores que monitorizam a vedação que separa Gaza de Israel, o que indica um ataque planeado. "A primeira coisa a fazer não é romper a vedação, é destruir os sensores".

Spencer diz à CNN que isto aponta não só para fornecimento apoiado pelo Estado, mas também para formação, de modo a saberem como utilizar os dispositivos e quais as bombas mais eficazes para os seus alvos.

"Os drones foram a única coisa que me surpreendeu. É normal pensar que eles os teriam, mas ter aquele nível de coordenação e sofisticação do ataque, e incluir os vídeos que divulgaram... Isso para mim, mais uma vez, aponta fortemente para um patrocinador apoiado pelo Estado dos militantes do Hamas", considera Spencer.

Num outro vídeo divulgado pelo Hamas e geolocalizado pela CNN, um drone parece colocar um IED programado sobre uma metralhadora automática de controlo remoto num posto avançado israelita perto de Kfar Aza, Israel.

Parapentes

Noutro vídeo do Hamas analisado pela CNN, os militantes podem ser vistos amarrados a uma vela e a entrar em Israel durante a vaga inicial do ataque de sábado, enquanto chovem rockets lançados perto de Beit Lahia, em Gaza.

Os parapentes, que utilizam o vento para se impulsionarem para a frente e para cima, ou os para-quedas motorizados, que têm um motor, são normalmente utilizados por quem procura aventura. Mas não são normalmente utilizados na guerra - e por boas razões.

"Os parapentes são incrivelmente vulneráveis e não são particularmente manobráveis", afirma Benson.

Sean Elliott, vice-presidente de Assuntos Industriais e Regulamentares da Experimental Aircraft Association, concorda.

"O seu âmbito é bastante limitado", diz Elliott. "É preciso ter as condições e o ambiente certos. Há muitos pontos fracos".

Mas isso já aconteceu antes. Em finais de 1987, um combatente palestiniano amarrado a uma asa delta - semelhante a um parapente, mas com uma estrutura rígida para as asas - entrou no espaço aéreo israelita. O combatente, armado com granadas de mão, uma pistola e uma espingarda de assalto, matou seis soldados israelitas e feriu outros sete antes de ser morto, informou a TIME.

E mais recentemente, em 2012, uma suposta célula terrorista da Al Qaeda em Espanha foi encontrada com três parapentes motorizados e foi treinada por um instrutor local para os pilotar.

Mas Spencer diz que o Hamas não tirou os parapentes das prateleiras de uma loja de artigos para atividades ao ar livre e suspeita que o grupo pode ter sido treinado e fornecido por um patrocinador fora de Gaza.

"Não foram eles próprios que arranjaram o equipamento", afirma.

Bulldozers

Vários especialistas que falaram com a CNN sublinharam o carácter ad hoc do ataque do Hamas. Os combatentes parecem ter utilizado tudo o que estava à disposição do grupo militante para executar o ataque.

Imagens do ataque inicial mostram um bulldozer a ser utilizado para derrubar uma vedação que separa Gaza de Israel.

Nalguns vídeos, os militantes do Hamas podem ser vistos a conduzir veículos das Forças de Defesa de Israel (IDF) e a utilizar armas israelitas que terão sido levadas durante os primeiros combates.

O Hamas também terá usado uniformes de soldados israelitas para confundir as forças de Israel - uma tática que já foi usada em guerras anteriores.

"A prática do Hamas, de se vestir como soldados da IDF para capturar outras áreas, soldados ou para se aproximar o suficiente para atacar, é uma tática muito comum", explica Spencer.

 

Gianluca Mezzofiore, Paul Murphy e Pete Muntean, da CNN, contribuíram para este relatório.

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