Porque não há (nem nunca houve) capacetes azuis em Gaza?

9 out 2023, 21:40

Amnistia Internacional diz que não se pode polarizar o conflito na região como se de um jogo de futebol se tratasse, porque ambos os lados são vítimas e ambos são culpados. Em entrevista à CNN Portugal, Pedro Neto apontou ainda o dedo às Nações Unidas

O Hamas lançou um ataque surpresa a Israel, Telavive respondeu em força e a história voltou a repetir-se em Gaza: "Muitos civis vão sofrer, outros já estão a sofrer e vários vão a perder a vida", diz Pedro Neto. Para a Amnistia Internacional, a tendência da comunidade internacional é para a polarização entre a Palestina e Israel, mas "o grande problema deste conflito é o enorme número de civis que estão a sofrer quer de um lado quer do outro". 

Em entrevista à CNN Portugal, Pedro Neto, diretor-geral da Amnistia Internacional em Portugal, não nega que o Hamas tem perpetuado atos condenáveis pelo Tribunal Penal Internacional, mas sublinha que não é o único vilão neste conflito: “O Hamas e o governo israelita têm cometido crimes de guerra com toda a impunidade e quem sofre são os civis. Em tão poucos dias, já se contam mais de 1.100 mortos tanto de um lado como do outro.” O responsável insiste que os “atos de terror têm acontecido de parte a parte”, tal como os "ataques vis que matam civis" e lembra que tudo isto "tem sido recorrente" ao longo das últimas décadas.

A Faixa de Gaza tem uma área de 365 quilómetros quadrados onde residem mais de dois milhões de pessoas e é aqui que se centra o problema, no entender de Pedro Neto, porque os ataques de Israel visam "neutralizar o Hamas", mas "no meio de tanta gente muitos civis vão perder a vida". 

“Tudo isto é muito complexo e muito difícil: por um lado o Hamas ataca civis, pessoas inocentes como mulheres, idosos e crianças em Israel; por outro lado, em retaliação, o governo israelita ataca alvos que diz que são do Hamas, mas onde é impossível não atingir civis do lado palestiniano. Esta é a grande complexidade deste assunto e é recorrente, não podemos olhar só para os acontecimentos trágicos dos últimos dias, temos de perceber também ao longo dos últimos anos aquilo que tem acontecido desde há 70 anos com a resolução das Nações Unidas", explica Pedro Neto.

O diretor-geral da Amnistia Internacional referia-se à "resolução que determinou que parte daquele território seria para Israel e não teve em conta que já viviam lá pessoas nem a conciliação necessária para que estes povos vivessem juntos e em paz numa solução que fosse democrática e pacífica". "E isso deu neste conflito que se arrasta há dezenas e dezenas de anos”, resume, considerando que não foi o ataque do Hamas que colocou um ponto final na paz e aumentou as tensões em Gaza: "A paz naquele território não existe há mais de 50 anos.”

Além de tudo isto, sublinha Pedro Neto, ao longo destas décadas a ajuda humanitária internacional tem sido intermitente, mas "há uma coisa que não termina que é o apoio militar". "Mais armas para todos os lados", aponta Pedro Neto, que lembra que "ora o Irão fornece armas ao Hamas, ora os EUA ao governo israelita e isto é o que preocupa, há mais armas para destruição e há cada vez menos apoio". Para a a Amnistia Internacional é aqui que a comunidade internacional "está a falhar": "Todos os dias há mais discursos de polarização, quase parece um jogo de futebol em que ou estamos por uns ou por outros, há mais esforço e solidariedade para armamento e cada vez há menos apoio e ajuda para os civis que estão a sofrer.”

Não há imprensa estrangeira em Gaza nem capacetes azuis

Pedro Neto prevê, por isso, que se repita o que já aconteceu tantas vezes durante todos estes anos de conflito: mais força mediática durante uns dias, "até que aconteça outra coisa e esqueçamos este assunto e daqui a um ano ou dois voltaremos a este assunto". A Amnistia Internacional defende, por isso, que se rompa com os padrões do passado e se encontre uma "solução definitiva".

A organização não-governamental entende que "é preciso uma intervenção mais forte quer ao nível de capacetes azuis no terreno quer ao nível da concertação da comunidade internacional e esse papel é da ONU, que há muitos anos se calhar começou este problema". Até porque Israel, reitera, não é inocente, ao obrigar a que milhares de pessoas vivam isoladas. 

“A Faixa de Gaza está cercada por mar, por um lado, e por muros, do outro lado, e esta pessoas vivem em isolamento. A ajuda humanitária tem muitas dificuldades, não só agora, mas sempre teve em fazer chegar ajuda humanitária a Gaza. Tal como a imprensa. Recordo que o governo de Israel destruiu há algum tempo um edifício onde estavam sediados muitos órgãos que comunicação social internacionais e que faziam a cobertura da realidade a partir do terreno. Portanto, tudo isto é muito complexo”, argumenta.

O diretor da Amnistia Internacional em Portugal insiste por isso "que é preciso estudar a hipótese de uma presença da ONU no terreno, como aconteceu e acontece noutras realidades". "Mesmo o próprio Líbano teve uma intervenção dos capacetes azuis e fui muito importante para alcançar a paz naquele país. Porque não estudar essa possibilidade também agora? Israel aceitará?”, questiona.

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