Opinião: "Uma força de guerrilha vence-se politicamente, não militarmente". Outra opinião: "Há a perceção de que um grupo terrorista consegue que um Estado lhe faça cedências"

24 nov 2023, 13:30
Tropas israelitas na fronteira com Gaza (EPA/ATEF SAFADI)

Quatro dias de tréguas, troca de 13 reféns do Hamas por 39 prisioneiros palestinianos e entrada de 130 mil litros de combustível em Gaza: o acordo Israel / Hamas está em vigor. E isso tem custos e ganhos para todas as partes: mas custos e ganhos de igual tamanho?

Os “impactos positivos” do tão aclamado cessar-fogo são inúmeros, diz Helena Ferro Gouveia. A comentadora da CNN Portugal destaca desde logo a “libertação de um primeiro grupo de reféns que está há 49 dias nas mãos do Hamas” e ainda a “retirada de feridos no sul de Gaza para os hospitais egípcios”.

Helena Ferro Gouveia não esquece a entrada de combustível, que diz permitir “alguma normalidade” na vida de quem tem ficado por Gaza, já que, além de “ser canalizado para o funcionamento dos hospitais”, vai servir para o fornecimento de gás para as cozinhas domésticas. A comentadora garante que a trégua permite dar também “resposta à situação humanitária na Faixa de Gaza com a entrada de bens alimentares e água”.

Para o major-general Agostinho Costa, a “boa notícia” é também “a libertação dos reféns” e sublinha que esta trégua é “a ponta para a mudança do ritmo da campanha”. “Daqui para a frente vai ser um novo ciclo, o da troca de prisioneiros e reféns”, explica, afirmando que este é ainda “um passo para uma passagem de posições extremadas para posições mais negociais e de mais entendimento”.

“Uma força de guerrilha vence-se politicamente, não militarmente”, diz. Agostinho Costa reforça a necessidade de “uma solução política que mude os pressupostos da operação, que crie o Estado palestiniano.”

A mudança de ciclo decorre, de acordo com o especialista em assuntos de segurança, de “um impasse estratégico”. De um lado está Israel, que até ao momento dirigiu “uma ação muito forte sobre as infraestruturas do adversário usando meios aéreos e de artilharia mas anda devagar porque o ambiente operacional é urbanizado”. O Hamas, por outro lado, assumiu uma estratégica de “flagelação” - “toca e foge, ataca e desaparece”.  “É uma operação absurda em que Israel combate contra sombras, porque o Hamas procura fazer da sua fraqueza força, atacando por trás”, considera o major-general Agostinho Costa. 

O major-general considera que o cessar-fogo não tem aspetos negativos porque “um cessar-fogo é sempre bom, porque a pior paz é melhor do que a guerra”. Mas ressalva: Israel "tem perdido" a guerra do ponto de vista comunicacional e da opinião pública.

“A libertação a conta-gotas dos reféns permite ao Hamas aumentar a pressão internacional para que Israel pare os ataques”

As tréguas em vigor pressupõem a interrupção das hostilidades durante o período de vigência. Mas o plano militar e estratégico não fica completamente excluído da equação, diz Helena Ferro Gouveia. “O cessar-fogo permite uma pausa tática para o Hamas, que lhe poderá permitir reorganizar as cadeias de comando, ganhar força e repensar a estratégia contra Israel.” É devido a este cenário que afirma ter existido “tanta resistência do lado israelita em aceitar os termos do acordo”, que foi até adiado uma vez.

Para o major-general Agostinho Costa, este não é um cenário provável: “O Hamas não precisa de se reorganizar porque nem os comandos nem as infraestruturas foram ainda suficientemente afetados para que precisem de se reorganizar. Enquanto houver israelitas em Gaza, o Hamas vai continuar a conduzir a operação tranquilamente.”

Com reforço ou não do Hamas, as tréguas terminam dentro de quatro dias e, segundo o especialista em assuntos de segurança, a estratégia do Hamas não vai mudar – “vão continuar a furtar-se ao combate, com as ações de guerrilha, de flagelação, de toca e foge”. Mas é “plausível que venham a existir mais pausas deste género”, afirma Helena Ferro Gouveia. Mais: é “muito provável” que este cenário se repita, adianta Agostinho Costa, e até que o cessar-fogo em vigor seja prolongado”. “Esta pausa pode prolongar-se por mais tempo em função da troca de prisioneiros e reféns”, diz, antevendo uma nova fase de “troca de homens civis por civis palestinianos e depois militares”.

Helena Ferro Gouveia concorda: considera que “o Hamas vai tentar jogar de forma estratégica fazendo prolongar estas pausas”. “A libertação a conta-gotas dos reféns permite ao Hamas dilatar o que é a pausa nos combates, reforçar-se e aumentar a pressão internacional para que Israel pare os ataques”. Por outro lado, Helena Ferro Gouveia diz que, do ponto de vista da perceção, há “uma afirmação de um grupo terrorista que consegue levar um Estado, apesar de não ser diretamente mas através de intermediários como o Catar e os EUA, a fazer-lhe cedências”.

Esta imagem que o Hamas cria, ao alcançar o acordo com Israel, deve, segundo Helena Ferro Gouveia, “preocupar”: “O Hamas é um grupo terrorista que também tem um projeto e uma visão política e é percecionado como um ator que poderá substituir a Autoridade Palestiniana”.

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