Guerra entre Israel e o Hamas parece uma prenda de anos para Putin (e muitos russos estão a deliciar-se abertamente com ela)

CNN , Frida Ghitis
18 out 2023, 12:37
Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky

OPINIÃO || Os potenciais benefícios para a Rússia dos ataques do Hamas a Israel são tão evidentes que há quem especule que Moscovo esteve envolvida, apontando para os fortes laços com o Irão e para o facto de o ataque ter ocorrido no dia de aniversário de Putin, a mesma data em que a jornalista russa Anna Politkovskaya foi assassinada em 2006.

A inescapável nova realidade de Zelensky

Horas depois de os terroristas do Hamas terem lançado a sua brutal ofensiva contra civis israelitas, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky emitiu uma defesa feroz de Israel e uma condenação inequívoca do Hamas.

Frida Ghitis, antiga produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. É colaboradora semanal de opinião da CNN, colunista do The Washington Post e colunista da World Politics Review. As opiniões expressas neste artigo são da sua inteira responsabilidade.

“O terror é sempre um crime, não apenas contra um país ou vítimas específicas, mas contra a humanidade no seu todo”, escreveu. Zelensky acrescentou que “o direito de defesa de Israel é inquestionável” e exortou o mundo a unir-se contra o terror.

Alguns dias mais tarde, dirigindo-se à Assembleia Parlamentar da NATO, onde a Ucrânia tem estado no centro das atenções desde que a Rússia a invadiu há cerca de 600 dias, Zelensky referiu a nova realidade inescapável que o seu país em apuros enfrenta.

“Hoje em dia, a nossa atenção está centrada no Médio Oriente”, declarou através de uma ligação vídeo. “Ninguém pode esquecer o que os terroristas fizeram em Israel”, disse.

Zelensky continuou a apoiar firmemente Israel, apesar das suas relações frequentemente tensas com o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, estabelecendo repetidamente a ligação entre o que o Hamas fez a Israel e o que a Rússia perpetrou contra a Ucrânia, e o seu massacre indiscriminado de civis ucranianos. Chegou mesmo a instar os líderes da NATO a mostrarem o seu apoio viajando para Israel.

"A guerra entre Israel e o Hamas, que começou a 7 de outubro, dia do aniversário de Putin, parece uma prenda para o autocrata russo, e muitos russos proeminentes estão a deliciar-se abertamente com ela". Frida Ghitis

Ao tomar uma posição de princípio, Zelensky - e o povo ucraniano - espera fervorosamente que a nova crise de segurança mundial, a eclosão de uma nova guerra no Médio Oriente, não se torne mais um obstáculo aos esforços da Ucrânia para se opor à invasão russa da Ucrânia e ao objetivo do Presidente russo, Vladimir Putin, de negar o direito da Ucrânia a existir como país soberano.

Agora, a guerra entre Israel e o Hamas, que começou a 7 de outubro, dia do aniversário de Putin, parece uma prenda para o autocrata russo, e muitos russos proeminentes estão a deliciar-se abertamente com ela.

Putin, que desenvolveu ativamente laços com o Hamas nos últimos anos, chamou-lhe "um exemplo do fracasso da política dos Estados Unidos no Médio Oriente". Os programas de televisão russos ridicularizaram os EUA e Israel, e um diplomata russo de alto nível gabou-se de como a Rússia iria beneficiar com o conflito.

"Os patrocinadores da Ucrânia vão ser distraídos pelo conflito em Israel", disse o diplomata Konstantin Gavrilov, e "a quantidade de ajuda militar vai diminuir". Como resultado, "o curso da operação pode virar bruscamente a favor [da Rússia]".

 

 

Em conversações com os líderes regionais, Putin, cujos ataques na Ucrânia deixaram dezenas de milhares de vítimas civis, disse estar preocupado com "um aumento catastrófico do número de vítimas civis".

O diplomata Konstantin Gavrilov disse ao jornal Izevestia que a crise teria um impacto direto na "operação militar especial" - a guerra de Putin contra a Ucrânia. "Os patrocinadores da Ucrânia vão ser distraídos pelo conflito em Israel", disse, e "a quantidade de ajuda militar vai diminuir". Como resultado, disse ele, "o curso da operação pode virar bruscamente a favor [da Rússia]".

As autoridades norte-americanas têm-se esforçado por negar que o apoio à Ucrânia seja afetado enquanto os EUA se mobilizam para apoiar Israel. O Presidente Joe Biden diz que ambas as guerras são fundamentais para a segurança dos EUA, e o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, garantiu aos ministros da defesa da NATO que "podemos e vamos apoiar Israel, tal como apoiamos a Ucrânia".

Esta é claramente a intenção da administração Biden, mas o caos na Câmara dos Representantes, controlada pelos republicanos, torna muito mais difícil a atribuição de verbas, e os membros do Partido Republicano, embora apoiem fortemente Israel, estão divididos quanto à ajuda à Ucrânia.

Esta é mais uma fonte de satisfação para Putin e de ansiedade para Zelensky, à medida que as forças ucranianas se preparam para o combate de inverno - e os civis se preparam para mais um inverno de ataques russos.

Os potenciais benefícios para a Rússia dos ataques do Hamas a Israel são tão evidentes que há quem especule que Moscovo esteve envolvida, apontando para os fortes laços da Rússia com o Irão - o principal patrocinador do Hamas -, para a quase meia dúzia de visitas a Moscovo de altos responsáveis do Hamas desde 2020, para o facto de o ataque ter ocorrido no dia de aniversário de Putin, a mesma data em que a jornalista russa Anna Politkovskaya, uma das mais eficazes críticas de Putin, foi assassinada em 2006, naquilo que alguns acreditam ter sido uma "prenda" de aniversário para Putin. (O Kremlin nega o seu envolvimento).

O embaixador de Israel em Moscovo disse a um jornal local: "Não acreditamos que a Rússia esteja envolvida de alguma forma". A sugestão, disse o embaixador Alexander Ben Zvi, era "um completo disparate".

Na segunda-feira, enquanto os israelitas ainda combatiam elementos do Hamas no interior do país, um responsável do Hamas foi à televisão russa e destacou o apoio da Rússia. "Eles simpatizam connosco", disse Ali Baraka, chefe das Relações Nacionais do Hamas no Estrangeiro, apontando para as suas relações mutuamente benéficas. "A Rússia está feliz com o facto de a América estar a envolver-se na guerra da Palestina", disse ele. "Isso alivia a pressão sobre os russos na Ucrânia... por isso não estamos sozinhos no campo de batalha."

Quem quer que tenha participado no treino, planeamento e execução do ataque do Hamas em Israel - um ataque em que também mataram dezenas de cidadãos ucranianos e russos - não há dúvida de que a escalada de tensões no Médio Oriente, pelo menos a curto prazo, é fortemente favorável à campanha de Moscovo contra a Ucrânia e criou novos desafios extremamente sérios para Kiev.

"A Rússia", escreveu Zelensky dois dias após o ataque, "está interessada em desencadear uma guerra no Médio Oriente, para que uma nova fonte de dor e sofrimento possa minar a unidade mundial, aumentar a discórdia e as contradições e, assim, ajudar a Rússia a destruir a liberdade na Europa".

Até agora, a NATO tem apoiado firmemente Israel. Mas, tal como os terroristas contam que a resposta de Israel provoque uma contra-reação, alimentando o sentimento anti-israelita, a Rússia também pode beneficiar se a opinião pública dos países membros da NATO se voltar contra Israel e se as divisões internas se repercutirem na unidade da NATO.

A Ucrânia tem beneficiado de um forte apoio do Ocidente, que tem sido unânime na sua opinião de que a Rússia iniciou uma guerra de conquista, claramente fora dos limites do direito internacional e das normas internacionais modernas.

Para derrotar a Rússia e salvar a Ucrânia, Zelensky precisa de apoio contínuo, especialmente dos EUA, o país com o maior e mais poderoso arsenal do mundo.

A questão é saber se esse arsenal, e o reservatório de boa vontade para com a Ucrânia, podem resistir não só à disfunção que assola o Partido Republicano americano - mas também ao compromisso dos EUA em apoiar Israel, de longe o seu aliado mais importante naquela que continua a ser a região mais volátil do mundo, o Médio Oriente.

Estas duas guerras, entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e o Hamas, são muito diferentes. As circunstâncias de cada conflito e as suas figuras-chave são muito diferentes. Mas é notável que, em ambos os casos, o lado que lançou o ataque atacou descaradamente civis, violando as leis da guerra, e atacou países democráticos - ainda que com falhas.

E ambos - Hamas e Rússia - têm sido dirigidos por líderes autocráticos que negam aos seus inimigos o direito de viver num país soberano. Ambos são aliados do Irão autocrático e ambos acumularam poder desmantelando qualquer aparência de democracia no seu país e até matando os seus rivais internos. (Eles negam-no, mas as provas são muitas).

Outro paralelo é o facto de estes dois conflitos terem o potencial de se propagarem de forma catastrófica.

E, em ambos os casos, o lado que foi atacado - Israel e Ucrânia - merece apoio contínuo no caminho para derrotar os inimigos que minam a estabilidade global.

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