As IDF "disparam contra tudo e contra todos", sete "inocentes" morreram e agora "chora-se lágrimas de crocodilo porque eram britânicos"

3 abr, 18:00

Sete funcionários de uma ONG que "estava a ajudar pessoas com fome" foram mortos em Gaza pelas Forças de Defesa de Israel (IDF). É "crime de guerra". Consequências? "Não vai haver." Mas houve algo que correu mortalmente mal - e um militar que esteve no Kosovo e outro que esteve na Bósnia têm uma teoria sobre isso

 Saifeddin, Lalzawmi, Damian, Jacob, John, Jim e James morreram segunda-feira em Gaza depois de terem sido bombardeados pelas Forças de Defesa de Israel. Eram todos voluntários, trabalhadores humanitários da organização não governamental (ONG) World Central Kitchen e tinham “descarregado mais de 100 toneladas de ajuda alimentar” no armazém de Deir al-Balah. No mesmo dia, Netanyahu assumiu a responsabilidade pelo ataque: "Infelizmente, houve um incidente trágico de um ataque não intencional das nossas forças contra pessoas inocentes na Faixa de Gaza".

"Estes são os heróis da World Central Kitchen. Estas 7 belas almas foram mortas pelas IDF num ataque quando regressavam de uma missão de um dia inteiro. Os seus sorrisos, gargalhadas e vozes estão para sempre gravados nas nossas memórias. E temos inúmeras recordações deles a darem o melhor de si ao mundo. Estamos a sofrer com a nossa perda. Uma perda do mundo", escreveu Erin Gore, directora-executiva da World Central Kitchen, no site da ONG.

Está por esclarecer o que é falhou para que caças israelitas bombardeassem uma caravana de três veículos humanitários devidamente identificados. Os majores-generais Isidoro Morais Pereira e Agostinho Costa são claros e sucintos: “Descoordenação”.

O “erro comunicacional” da armada Netanyahu matou três cidadãos britânicos, um norte-americano/canadiano, um polaco, um palestiniano e uma australiana e resultou “de uma absoluta descoordenação das tropas de Israel”, diz Agostinho Costa. “Há sempre uma coordenação entre as ONG e as forças armadas no terreno para não haver este tipo de situações. Agora, como morreram cidadãos britânicos choram lágrimas de crocodilo.”

Isidro Morais Pereira concorda que a descoordenação e um eventual corte comunicacional estiveram na origem do incidente: "A informação não chegou a quem de direito, houve falta de comunicação". O resultado, explica, é que esta sete pessoas "foram identificados como terroristas porque não houve coordenação", mas "não deixam de ser cidadãos que estavam no estrangeiro a ajudar pessoas com fome e foram mortos".

Isidro Morais Pereira recorda os tempos que passou na guerra da Bósnia: a operação estava montada para que toda a coordenação entre militares e agentes externos ao conflito bélico fosse feita através de oficiais de ligação do exército e membros das organizações: "Todas as ONG tinham um representante próximo do comando de operações". O major-general salienta que "é imprescindível que existiam interlocutores", acrescentando que esta é "a única forma de garantir que não há acidentes".

"Se isto não foi feito - e acredito que não tenha sido - há risco de acidentes. Houve uma falha de comunicação com os interlocutores ou mesmo entre o próprio comando de operações israelita e foram considerados inimigos. O comando de operações de Israel deveria saber que a tal hora, em tal estrada, uma caravana iria passar numa operação humanitária", esclarece Isidro Morais Pereira.

Agostinho Costa também regressa aos anos 90, quando esteve inserido como observador na missão da NATO no Kosovo: “Quando havia um voluntário ou jornalista no Kosovo vinha connosco [os militares]”. “Isto demonstra a falta de coordenação israelita e que num território tão pequeno disparam contra tudo e contra todos”, diz o major-general.

Os pilotos podiam ter evitado o pior? Isidro Morais Pereira considera que não se pode apontar culpas ao pilotos da Força Aérea de Israel porque distinguir um veículo do Hamas de uma viatura humanitária, tendo em conta a altitude e a velocidade a que se desloca um F-16, é "completamente impossível".

Consequências? "Não vai haver"

O major-general Agostinho Costa entende que a relação de proximidade com o Reino Unido e a proteção dos Estados Unidos vai afastar qualquer tipo de consequência a Telavive, tal como aconteceu "no bombardeamento da embaixada do Irão em Damasco, Síria": "França nem referiu o incidente e Reino Unido e EUA desvalorizam apesar de ser uma clara violação do Direito Internacional". 

Isidro Morais Pereira considera que, de agora em diante, as "IDF terão de coordenar obrigatoriamente com as ONG todas as operações", ainda assim isso não trará consequências maiores para Telavive apesar de "não contribuir em nada para o prestígio das IDF e de Israel" e não deixa de ser um "crime de guerra". “Isto configura e é um crime de guerra. Não há dúvida alguma. Agora, não vai ser considerado um ilícito porque não foi um ato propositado e acidentes acontecem. Não trará consequências maiores em termos políticos se houver uma explicação cabal, porque acidentes acontecem e em guerra ainda pior."

Netanyahu, a entrada em Rafah e os reféns: da descoordenação à ineficácia

No passado fim de semana, os protestos voltaram a ouvir-se em Telavive e Benjamin Netanyahu foi um dos principais visados. Agostinho Costa refere que não é segredo para ninguém que "a imagem de Netanyahu já não é brilhante", mas, no seu entendimento, a "cada dia que passa desta operação demonstra mais a sua incapacidade de coordenação e eficácia". 

O major-general dá como exemplo a tão prometida entrada militar em Rafah. "Há seis meses que Netanyahu repete o mesmo discurso", constata Agostinho Costa, que aproveita para partilhar uma máxima bélica: "As operações não se anunciam, lançam-se".

Isidro Morais Pereira concorda: "Netanyahu já é mal visto e são muito poucas as pessoas que gostam deste primeiro-ministro". O experiente militar lembra que o responsável israelita "não tem um passado que abone a seu favor" e um presente que também não está a ser risonho, começando pela questão dos reféns: "Ninguém sabe quantos ainda estarão ainda vivos - muito sinceramente, acho que já nem o próprio Hamas sabe".

Neste ponto, Agostinho Costa discorda: "Há reféns vivos", garante, lembrando que "o Hamas tem avisado de cada vez que morrem, até porque serve para manter a pressão sobre Israel". Ainda assim, realça, apesar de acreditar na sobrevivência dos sequestrados, "Netanyahu já deu como perdidas as vidas dos reféns". 

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