Laranjada total (Holanda-Jugoslávia)

25 jun 2000, 18:48

Selecção da casa vence por 6-1 Espectacular. Sete golos. Kluivert torna-se no primeiro jogador a marcar quatro golos num jogo e a Holanda estabelece um novo recorde de golos marcados num só jogo da fase final do Campeonato da Europa. Milosevic marcou o golo de honra da Jugoslávia.

ROTERDÃO - E ao quarto jogo a Holanda de 98 ressuscitou! A forma como os companheiros de Patrick Kluivert dinamitaram a Jugoslávia (6-1, com quatro golos do avançado do Barcelona, que se tornou o primeiro jogador a conseguir tal proeza em Campeonatos da Europa) confirmou a tendência de crescimento da onda «laranja» à medida que os encontros vão ganhando importância.  

Depois de uma estreia francamente decepcionante com a República Checa, os dois jogos seguintes foram mostrando sinais de melhoria no conjunto de Frank Rijkaard. No entanto, as duras críticas do «guru» Johann Cruyff traduziam alguma insatisfação do exterior (e sabe-se como os holandeses cultivam o estilo e a estética), o que a juntar à predisposição genética dos jogadores para arranjar conflitos poderia minar o claro favoritismo dos «Oranje» à conquista do título. 

A «banheira» de Roterdão foi o palco da reconciliação absoluta. A tarde inesquecível de Kluivert, um ponta-de-lança de características únicas no panorama mundial, serve de corolário a uma memorável demonstração colectiva de qualidade futebolística, sem dúvida a mais espectacular desde o início da prova. Mesmo Cruyff, a referência suprema na busca da perfeição, deve ter ficado convencido... 

Se Mijatovic soubesse... 

A vítima foi uma Jugoslávia com tanto de tecnicista e sedutora como de inconstante e volúvel. Com uma defesa reconstruída, por força das suspensões recebidas na primeira fase (três expulsões em outros tantos jogos), os companheiros de Drulovic quiseram discutir o jogo em bases tecnicistas, sofrendo na pele a falta de dinâmica de um colectivo de estrelas talentosas mas envelhecidas. 

Se Predrag Mijatovic soubesse o sarilho que ia arranjar, ao não converter a primeira grande ocasião de golo... Mas o avançado da Fiorentina permitiu a Van der Sar uma fantástica defesa ao seu remate à queima-roupa, a passe de Milosevic (14 m) e, com isso, abriu a caixa de Pandora: a partir daí a Holanda tomou o freio nos dentes e embalou para uma actuação deslumbrante. 

Por duas vezes, Kralj ainda mostrou o seu lado bom, negando o golo a Bergkamp com dois vôos em grande estilo. Mas, depois de o incansável Davids ter concluído por cima da trave uma iniciativa pessoal, um passe luminoso de Bergkamp (o exemplo perfeito do avançado altruísta), permitiu a Kluivert começar a escrever História, com uma recepção perfeita e um remate inapelável. 

Tendo os deuses do futebol do seu lado, os holandeses sufocaram qualquer vestígios de reacção adversária. Ousando tudo, conseguindo tudo, os homens de Rijkaard anunciaram por diversas vezes o segundo golo, que só chegou aos 37 minutos, com Kluivert a aproveitar novo grande passe, desta vez de Davids. 

Pronto, Patrick, já chega! 

Se há jogos a que o intervalo não traz qualquer alteração, este foi um deles. A Holanda não perdeu por um instante o estado de graça e demorou apenas cinco minutos a conseguir o terceiro golo. Por Kluivert, evidentemente, a aproveitar uma brilhante iniciativa do até então anónimo lateral-direito Bosvelt: decididamente, esta era a tarde em que, com o seu número 9 como astro-rei, todos os holandeses tinham direito a uma parcela de glória. 

Veja-se o caso de Zenden, tão limitado nos primeiros jogos, tão brilhante contra a França e os jugoslavos. Foi de uma insistência sua, três minutos depois, que nasceu o quarto golo de Kluivert, decididamente transportado para uma dimensão sobre-humana. Tão sobre-humana que o próprio Frank Rijkaard deve ter ficado assustado, procedendo à sua substituição ainda antes do minuto 60: se as coisas se prolongassem por mais 30 minutos a semelhante ritmo, era bem provável que Kluivert acabasse por levitar para fora do estádio, voando rumo ao Olimpo para nunca mais ser visto. 

Overmars encerra o baile 

A entrada de Makaay voltou a colocar as coisas numa dimensão mais terrena, permitindo aos 45 mil adeptos vestidos de côr-de-laranja (havia cerca de 5 mil jugoslavos infelizes num dos topos) retomar o fôlego. Mas o «show» continuava, e a festa era acentuada pela saída do decisivo Van der Sar, em regime de poupança devido a problemas físicos.  

Até final, a Holanda continuou a esgotar os adjectivos, conseguindo mais dois golos, pelo relâmpago Overmars, e conciliando o futebol para a plateia com a eficácia goleadora. Desculpem os tradicionalistas, mas não vale a pena recuperar a memória da «laranja mecânica» para falar do jogo holandês. «Mecânica», como, se a sua eficácia deve tanto à imprevisibilidade e ao talento? 

O golo de Milosevic, a atenuar o pesadelo jugoslavo no último lance de jogo, foi apenas um pretexto para os adeptos holandeses mostrarem o seu «fair-play»,aplaudindo com generosidade uma equipa que, pelo menos, teve o mérito de não responder ao «massacre» com qualquer atitude anti-desportiva.  

Estranha Jugoslávia, esta, protagonista dos três jogos mais invulgares deste Europeu, com tantos artistas e tanta vulnerabilidade defensiva (13 golos sofridos em 4 jogos). Sublime Holanda, esta, capaz de 90 minutos de perfeição futebolística, na linha das melhores equipas de todos os tempos. Grande Campeonato da Europa, este, onde finalmente parece que o bom futebol se encaminha para a merecida recompensa, ao conseguir colocar os seus melhores intérpretes no lugar de destaque que os aplausos das bancadas justificam... 

Figuras 

Kluivert, Kluivert, Kluivert e Kluivert. E depois, todos os outros. Há exibições que tornam redundantes quaisquer palavras. 

Ficha do jogo  
 
HOLANDA, 6-JUGOSLÁVIA, 1  
 
Estádio De Kuip, em Roterdão 
Árbitro: José Maria Garcia-Aranda (Espanha)  
 
HOLANDA - Van der Sar (Westerveld, 64 m); Bosvelt, Stam, Frank de Boer e Numan; Zenden (Ronald de Boer, 79 m), Davids, Cocu e Overmars; Bergkamp e Kluivert (Makaay, 59 m). 
Treinador: Frank Rijkaard.  
 
JUGOSLÁVIA - Kralj; Komljenovic, Djukic, Mihajlovic e Saveljic (Jovan Stankovic, 56 m); Jugovic, Govedarica, Stojkovic (Dejan Stankovic, 53) e Drulovic (Kovacevic, 69 m); Mijatovic e Milosevic. 
Treinador: Vujadin Boskov.  
 
Ao intervalo: 2-0. 
Marcadores: Kluivert (23, 37, 51 e 53), Overmars (77 e 89 m) e Milosevic (89 m). 
Disciplina: cartão amarelo a Bosvelt (47 m).

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