"Vais sofrer de antissemitismo por causa do teu nome", avisou o pai: a história do "baby Macron", que é "intelectualmente capaz" e talvez "demasiado ambicioso"

9 jan, 22:48
Gabriel Attal

A idade dele causa espanto, afinal 34 anos são aparentemente anos a menos para se ocupar um cargo que costuma ser exercido por gente com mais anos que 34. Gabriel Attal foi escolhido para ser primeiro-ministro de França, a juventude é "um bom sinal" mas também "um problema". Ele que teve uma "trajetória espetacular", mesmo para alguém com o seu "passado privilegiado"

Chamam-lhe "baby Macron" em França, em Portugal é adjetivado de maneira diferente: "rei de copas". E mais: Gabriel Attal é "extremamente popular", "intelectualmente muito capaz" e talvez "demasiado ambicioso", dizem Francisco Seixas da Costa (embaixador) e Helena Ferro Gouveia (investigadora). Aos 34 anos, Gabriel Attal é o novo primeiro-ministro francês: é o mais jovem de sempre a ocupar o cargo e o primeiro a assumir publicamente a sua homossexualidade.

"É um sinal geracional, em particular numa sociedade europeia em que cada vez mais há a sensação de que as camadas mais jovens se sentem distanciadas do exercício do poder político. É muito bom que haja um primeiro-ministro muito jovem", considera o embaixador Francisco Seixas da Costa, lembrando que atualmente se verifica na Europa "uma tendência" para lideranças mais jovens, dando como exemplo a Finlândia, que até há bem pouco tempo tinha como primeira-ministra Sanna Marin, de 38 anos.

Apesar de ser "um excelente sinal" dos tempos, o embaixador Francisco Seixas da Costa admite que a juventude do primeiro-ministro francês "levanta um problema" com algumas "figuras de peso" dentro do Governo - apontando como exemplo Eric Dupond Moretti, o ministro da Justiça, de 62 anos, e o ministro das Finanças Bruno Le Maire, de 54 anos - que podem sentir-se "ultrapassadas".

"O facto de vir alguém muito novo, rapidamente, para um cargo destes, das duas uma: ou morre politicamente cedo e deixa de fazer sombra ou então pode prolongar-se no tempo", como aconteceu com Emmanuel Macron, compara o embaixador.

As semelhanças com Macron, que também começou a construir carreira política ainda muito jovem, não se esgotam na idade. Também o percurso político de Gabriel Attal se assemelha ao do presidente francês, desde logo porque ambos começaram por se afiliar ao Partido Socialista antes de assumirem uma nova identidade de centro-direita.

Gabriel Attal ao lado de Emmanuel Macron quando era ministro da Educação, em outubro de 2023 (AP)

O percurso político de Gabriel Attal é descrito pelo Guardian como uma "trajetória espetacular", mesmo para alguém com o seu "passado privilegiado", uma vez que o jovem conseguiu saltar de mero estagiário no gabinete do Ministério da Saúde, em 2012, para o segundo mais alto cargo do Estado francês.

Gabriel Attal é o mais velho de três filhos de Yves Attal, um advogado e realizador de cinema com origem judaica e tunisina que morreu em 2015, e de Marie de Couriss, oriunda de uma família ortodoxa de Odessa. Em 2019, o agora jovem primeiro-ministro recordou ao jornal francês uma frase que o pai lhe dissera a dada altura, a propósito das suas origens: "O meu pai disse-me: 'Talvez sejas ortodoxo, mas sentir-te-ás judeu durante toda a tua vida, sobretudo porque vais sofrer de antissemitismo por causa do teu nome".

O jovem cresceu em Paris, onde estudou na Escola da Alsácia, a escola privada de eleição para as famílias de altas figuras da política e das artes em Paris. O interesse pela política surgiu quando participou numa manifestação contra Jean-Marie Le Pen, quando o então líder da extrema-direita francesa foi a votos para a segunda volta das eleições presidenciais contra Jacques Chirac, em 2002. Quatro anos depois, Gabriel Attal afiliou-se ao Partido Socialista francês.

Em 2012 entrou num estágio no gabinete do Ministério da Saúde, tutelado na altura por Marisol Touraine, mãe de um dos seus colegas de turma. O estágio culminou com uma proposta para trabalhar a tempo inteiro naquele Ministério, quando tinha apenas 23 anos. 

Em 2016 saiu do Partido Socialista para integrar o partido centrista recém-criado por Emmanuel Macron, "Em Marcha!", hoje Renascimento. A partir daí, foi fazendo o seu caminho no governo, tornando-se o mais jovem elemento a assumir uma pasta governativa como secretário de Estado da Educação, aos 29 anos, e chegou a ser porta-voz do governo. Mais recentemente, em 2023, assumiu a tutela do Ministério da Educação. Ali, trabalhou sempre com "uma equipa pequena, de quatro pessoas", e sempre se pautou pelo dinamismo e por "fazer acontecer", como descreve Francisco Seixas da Costa.

Apesar de não ser tão conhecido fora da França, Gabriel Attal é "extremamente popular" internamente, indica Helena Ferro Gouveia. Afinal, o jovem primeiro-ministro é um homem que "vem da esquerda e que agrada à direita", resume Francisco Seixas da Costa, admitindo que possa haver "um certo oportunismo por parte de Macron" ao escolher o seu nome para a chefia do governo.

"É Macron a fazer um novo Macron. A direita, e alguma esquerda em particular, já começa a tratar Attal como uma espécie de 'mini-Macron' ou 'baby Macron'", sublinha o embaixador.

Por isso, os especialistas acreditam que a escolha de Gabriel Attal para suceder a Élisabeth Borne "não foi inocente", sobretudo tendo em conta as sondagens que apontam para uma desvantagem de 10 pontos percentuais do partido Renascimento em relação ao União Nacional francesa, de Marine Le Pen, nas eleições europeias. "Gabriel Attal é o político mais popular de França e Macron joga aqui um rei de copas para ultrapassar a dama de copas que é Marine Le Pen", compara Helena Ferro Gouveia.

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