Uma estuda, a outra trabalha na Câmara de Cascais: a história de duas obreiras de um grande feito do futebol feminino

CNN Portugal , MTR
23 jun, 18:00
Estoril Praia feminino (foto fornecida pelo clube)

Numa altura em que o futebol feminino está num período de viragem, ainda existe muito caminho a percorrer. É que nem na primeira liga todas as equipas são profissionais

Entre os relvados e a universidade, Carlota Magalhães não tem tempo a perder. Atualmente anda dividida, mas sempre soube o que realmente queria fazer na vida. "Lembro-me de quando estava no jardim de infância, os rapazes iam jogar futebol e eu só queria ir com eles. Demorei anos a convencer a minha mãe a deixar-me jogar, fiz ginástica, natação, voleibol e surf, mas nunca era bem aquilo que eu queria", conta à CNN Portugal.

Carlota é uma das obreiras do regresso do Estoril à primeira divisão de futebol feminino, feito que se consumou a 11 de março num jogo em casa contra o Cadima. Como Carlota, cada jogadora do Estoril sabia o que estava em jogo: 90 minutos que resumiam um ano inteiro de sacrifício e trabalho árduo, ganhar era a única opção.

O apito inicial soou e o Estoril marcou logo aos dois minutos, ajudando a acalmar o nervosismo inicial; o mais difícil já estava feito. O primeiro tempo terminou com um 2-0 confortável e numa segunda parte ainda mais inspirada surgiram mais três golos que selaram o destino da partida, que terminou com um resultado de 5-2.

Antes disso já tinha vindo um "teste de fogo". É assim que Carlota se refere à partida com o Amora. "Foi uma vitória difícil, contra um rival direto, e estávamos a perder", lembra.

"Nesse jogo, sentimos que a subida estava perto", acrescenta. O confronto final com o Cadima era o momento da verdade. O medo de "morrer na praia" estava presente, mas a vitória clara dissipou todas as dúvidas e trouxe uma “explosão de alegria".

Quando o apito final soou, o Estoril tinha finalmente conquistado o seu principal objetivo: a subida de divisão, dois anos depois de uma descida que deixou uma mágoa profunda. Carlota não conseguiu conter as lágrimas - "antes do apito final, emocionei-me". Descreve esse momento como “o sentimento de dever cumprido”, a recompensa de toda a dedicação.

Mariana Coelho, capitã de equipa e uma das jogadoras mais tituladas do plantel (conquistou um campeonato nacional da segunda divisão, três campeonatos nacionais da primeira divisão, duas taças de Portugal e uma Supertaça), descreveu a subida como "muito especial tendo em conta que descemos (muitas de nós que ainda cá estamos) e subimos juntas, e que foi uma época muito difícil e renhida até ao fim”.

Para além de ser jogadora de futebol, Mariana é técnica superior na divisão de Desenvolvimento Desportivo da Câmara Municipal de Cascais. "Trabalho das 09:00 às 17:00, sigo para o ginásio às 19:00, às 20:00 fazemos a análise do adversário ou da própria equipa e depois às 21:00 temos treino no campo”. Com uma agenda preenchida, o importante para se conseguir um equilíbrio saudável é “saber fazer escolhas”, é importante perceber que “há momentos em que a parte profissional é a prioridade, outros é o futebol”.

Na adolescência, a capitã de equipa, que tem como principais referências futebolísticas as jogadoras Marta e Alexandra Popp, foi obrigada a jogar contra mulheres muito mais velhas, por não existirem escalões de formação suficientemente organizados. "Quando comecei, com 13 anos, fui logo sénior, fui obrigada a jogar com senhoras de 42/43 anos. Só havia escalão júnior em alguns clubes e não havia sequer campeonato, hoje em dia há vários escalões, já há academias de futebol feminino", observa.

Esta mudança, juntamente com a maior visibilidade do desporto, é um sinal positivo para o futuro". O "aumento de visibilidade" da modalidade muito se deve às transmissões televisivas dos jogos, que se tornaram cada vez mais frequentes. “Há 15 anos, quando comecei a jogar, era tudo diferente. A única competição que dava na tv (e não era sempre) era a final da taça de Portugal. Hoje em dia há jogos na TVI, SIC, RTP, Sport TV... É um pequenino exemplo do crescimento, da visibilidade”. 

Carlota, que se inspira em jogadores como Joshua Kimmich e Kevin De Bruyne, vê com bons olhos a evolução do futebol feminino nos últimos anos. "Há uns anos era impensável, em Portugal, uma mulher ser profissional de futebol. Agora há mais jogadoras que conseguem fazê-lo," afirma, embora reconheça que ainda há um longo caminho a percorrer. Procura sempre seguir o conselho dado “por alguém muito importante para mim a nível futebolístico".

"Com a pressão de jogar bem, de ganharmos, esquecemo-nos  que jogamos futebol porque gostamos e para nos divertir”, acrescenta, garantindo que procura sempre a diversão no relvado.

A profissionalização total da 1.ª divisão ainda é um sonho, mas cada passo dado é uma vitória. A vida de Carlota é um constante malabarismo entre o curso de Gestão de Informação e os treinos e jogos. "Quando entro às 11:30 vou direta para as aulas. Se entro às 14:00 procuro estudar de manhã. Depois, vou para o Estoril, onde faço ginásio, temos reunião e depois treino de campo. Chego a casa por volta das 22:45 e descanso", afirma.

Aproveita cada minuto livre, até as viagens de comboio, para estudar. Essa disciplina faz com que valorize ainda mais o pouco tempo livre que tem: "No meu caso, ter pouco tempo para estudar acaba por me ajudar pois obriga-me a ser produtiva no tempo que tenho e a evitar procrastinar", reforça. Apesar de admitir  que os treinos e jogos fazem com que não aproveite tanto da “vida académica” como os seus colegas, tendo sempre de fazer alguns sacrifícios, garante que não trocaria esta vida por nada. 

Enquanto que Carlota sonha com a chamada à Seleção Nacional, Mariana fala antes em “objetivos e não sonhos” com o foco a ser continuar a jogar o máximo de tempo possível. "Talento só não chega", sublinha.

"Temos de ser humildes, saber ouvir, saber observar, trabalhar muito. O resultado que aspiramos será sempre consequência do nosso trabalho", reitera.

Naquele 11 de março, o Estoril Praia não conquistou apenas a subida, como também solidificou o espírito de uma equipa que não desiste, sofre e celebra em conjunto. As histórias individuais de Carlota e Mariana, embora diferentes, têm um denominador comum: dedicação, sacrifício e amor pelo jogo.

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