FDA quer proibir alisadores de cabelo com formaldeído. Por cá, quais são as regras?

25 out 2023, 09:00
Alisador de cabelo (AP Photo/Andrew Burton)

A Agência Internacional para Pesquisa do Cancro (IARC) classificou o formaldeído como um carcinógeno do Grupo 1 para humanos em 2004. Por cá, as regras são já bem apertadas

A Food and Drug Administration (FDA, na sigla inglesa) prepara-se para proibir produtos para alisamento de cabelo que contenham ou emitam formaldeído, composto orgânico usado na produção de resinas e como matéria-prima para vários produtos químicos. A proposta do regulador de saúde norte-americano, que espera que a proibição entre em vigor em abril do próximo ano, vem, no entanto, mais de uma década depois de especialistas em todo o mundo terem alertado que os produtos com  formaldeído não são seguros e podem mesmo colocar a saúde em risco, uma vez que é um carcinógeno de classe I.

Por cá, os primeiros alertas sobre os perigos do formaldeído (comummente chamado formol) surgiram há dez anos, com o Infarmed a publicar uma uma circular informativa em que alertava para os riscos da utilização de produtos para alisar o cabelo com formaldeído numa concentração superior ao limite máximo permitido pela legislação europeia.

Mas antes dos primeiros alertas nos Estados Unidos e do aviso por parte do regulador do medicamento em Portugal, já a Comissão Europeia, em 2009, travava o uso deste composto. Na União Europeia, o uso de formaldeído já é proibido em produtos cosméticos, no entanto, há conservantes (autorizados em solo europeu) que podem libertar gradualmente formaldeído, estando estes limitados a uma quantidade máxima para que o seu uso e aplicação não cause danos na saúde (embora tal dependa sempre da forma e frequência com que cada pessoa usa). 

O Regulamento CE nº 1223/2009 deixa claro que a concentração de formaldeído usada em produtos para endurecer as unhas não deve exceder 5% e que a concentração deste composto não deve ultrapassar os 0,2% quando usado como conservante, sendo que no caso dos produtos de higiene oral o limite é de menos de 0,1%.

No que toca aos produtos acabados que contenham formaldeído ou substâncias que libertem formaldeído, as primeiras recomendações exigiam que se mencionasse “obrigatoriamente na rotulagem a advertência 'contém formaldeído' quando a concentração em formaldeído no produto acabado exceder 0,05 %”. No entanto, desde o verão do ano passado que as regras ficaram ainda mais apertadas. 

“O Comité Científico da Segurança dos Consumidores (CCSC) concluiu, no seu parecer científico de 7 de maio de 2021, que o atual limite de 0,05 % (500 ppm) não protege suficientemente os consumidores sensíveis ao formaldeído” e, por isso, os novos limites máximos para a obrigação de menção na rotulagem devem ser reduzidos para 0,001 % (10 ppm), “que deve ser aplicado à totalidade de formaldeído libertado, independentemente de um produto conter uma ou mais substâncias que libertam formaldeído”, lê-se no Regulamento (UE) 2022/1181 da comissão de 8 de julho de 2022 que altera o preâmbulo do anexo V do Regulamento (CE) n.o 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo aos produtos cosméticos.

Por cá, reinam as regras europeias e o Infarmed revela que existem “outras substâncias que são permitidas na legislação aplicável aos cosméticos têm sido usadas para o alisamento do cabelo”, enumerando: ácido tioglicólico, hidróxido de potássio ou de sódio ou hidróxido de lítio.

O que diz a ciência sobre o seu impacto na saúde

A Agência Internacional para Pesquisa do Cancro (IARC) classificou o formaldeído como um carcinógeno do Grupo 1 para humanos em 2004. Mas desde então que se multiplicam os estudos sobre o impacto deste produto químico incolor.

Há um ano, um estudo publicado no Journal of the National Cancer Institute alertou para o facto de os produtos de alisamento capilar (que contêm parabenos, bisfenol A, metais ou mesmo o formaldeído) aumentam o risco de cancro do útero. Mais concretamente, as mulheres que recorrem a estes cosméticos mais de quatro vezes por ano (o que equivale a um alisamento a cada três meses) correm o dobro do risco de ter cancro. Para as mulheres que nunca usaram produtos de alisamento capilar, o risco de desenvolver cancro do útero até aos 70 anos é de 1,64%, comparado com 4,05% para as que usam estes produtos com frequência.

O The New York Times dá ainda conta de que trabalhadores como embalsamadores são expostos a altos níveis de formaldeído e, por isso, apresentam taxas mais altas de leucemia mielóide e outros tipos de cancro raros, incluindo cancro nos seios paranasais, na cavidade nasal e nasofaringe, como alerta o Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos, que revela que “os trabalhadores que produzem formaldeído ou produtos que contêm formaldeído – bem como técnicos de laboratório, determinados profissionais de saúde e funcionários mortuários – podem estar expostos a níveis mais elevados de formaldeído do que as pessoas da população em geral”. 

“A FDA alerta que as reações imediatas podem incluir irritação nos olhos e na garganta, tosse, respiração ofegante ou dor no peito. Problemas crónicos ou de longo prazo incluem dores de cabeça frequentes, asma, irritação da pele e reações alérgicas”, lê-se na notícia.

No caso dos alisadores de cabelo, o risco acontece porque “o formaldeído é vaporizado por ação do calor podendo causar lesões na pele por contacto e no trato respiratório, por inalação do gás”, explica o Portal infoCosméticos, da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, alertando ainda que “a inalação crónica e prolongada do formaldeído pode ainda conduzir a náuseas, vómitos, desmaios e ao aumento risco de cancro nas vias aéreas superiores”.

Formaldeído pode estar ‘espalhado’ por todo o lado

Segundo o site Portal infoCosméticos, o formaldeído é “um composto volátil” que pode ser “dissolvido em água em produtos cosméticos”, incluindo-se aqui vernizes endurecedores de unhas e produtos para desfrisar e/ou alisar o cabelo. Segundo as regras da União Europeia, nos cosméticos podem também “ser utilizadas substâncias que libertam formaldeído – designadas como libertadores de formaldeído”, que, por norma, são usados nos produtos cosméticos como conservantes.

O formaldeído está, por exemplo, presente em carros, sendo que pode encontrar-se em níveis superiores aos recomendados em viaturas novas. Está ainda presente em vários produtos e objetos, incluindo pratos para refeições de bebés, como se soube recentemente a propósito da retirada do mercado de um prato das lojas Primark por ter vestígios de chumbo e formaldeído “acima dos permitidos” na União Europeia. Também no ano passado, a agência nacional francesa para a segurança sanitária, alimentar, ambiental e do trabalho (ANSES) alertou que 90% dos bebés europeus foram expostos a contaminação química “muito grave” através de fraldas, que são vendidas em toda a Europa, sendo o formaldeído um dos compostos encontrado.

O formaldeído pode ainda estar presente em mobiliário à base de madeira assim como em produtos têxteis, plásticos e eletrónicos. No entanto, também aqui a Comissão Europeia estabelece regras para os limites de emissão deste composto. 

Apesar de o formaldeído estar proibido na produção de brinquedos na União Europeia, noutros países é ainda usado e pode facilmente chegar à casa das pessoas, como alertou o Expresso nesta notícia, que dava conta dos riscos da compra de brinquedos cuja produção nem sempre é regulamentada ou cuja regulamentação não é clara.

 

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