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Colunista e comentador

Péssimo negócio com Luis Díaz prova desgoverno na SAD portista

31 jan 2022, 13:47

O olhar e as palavras de Sérgio Conceição (‘falta de planeamento’) dizem tudo sobre a frustração e a impotência do técnico do FC Porto perante uma operação impossível de acontecer na boa fase de Pinto da Costa

O FC Porto venceu o Marítimo no primeiro jogo após a muito polémica transferência de Luis Díaz para o Liverpool, mas apesar da vitória sentiu-se uma quebra de qualidade, sobretudo nos movimentos que o colombiano consegue oferecer à equipa.

Os adeptos portistas estarão agora focados na optimização dos recursos de Pepê — o seu teórico substituto directo — e sobretudo na capacidade de Sérgio Conceição em transformar viaturas de média cilindrada em carros de luxo, mas poucos terão dúvidas de que o FC Porto era uma coisa com Luis Díaz e é outra completamente diferente sem Luis Díaz.

O olhar de Sérgio Conceição durante o jogo e no pós-jogo, mesmo antes de dizer o que lhe ia na alma, expressava uma mágoa e um vazio completos. O olhar da frustração, da decepção e até de uma certa traição e perda de confiança.

Um olhar que expressava qualquer coisa do tipo ‘ando eu aqui a fazer pão sem farinha, num esforço titânico de extrair tudo o que o forno me pode dar e, no meio da cozedura, tiram-me o fermento essencial? Bolas para isto!”…

… Mas não foi só o olhar vazio, petrificado e vítreo; foram as palavras brutais para a SAD portista e, mesmo que não se queira assumir, para o seu líder: “quando não há planeamento temos de rever objectivos”.

É uma crítica sem filtro dirigida ao coração da SAD portista. A inexistência de planeamento é uma leitura que não deixa margem para dupla interpretação. Uma crítica que só não tem o efeito de uma lâmina afiada porque a SAD portista entrou num estado preocupante de catatonia. Apenas quer estar. Não lhe interessa ver nem perceber. Só se excita nos momentos de euforia, quando o sucesso desportivo se manifesta. Não interpreta, não reage, não tem um mínimo de sentido autocrítico. A SAD portista transformou-se numa massa tumular e à volta dela apenas existem sentinelas ou gente suficientemente capturada.

A liderança do FC Porto, no campeonato, ainda vai servir para criar a ilusão que os olhares críticos são campanhas de desestabilização, comandadas pelas ‘seitas’ adversárias, mesmo que esses olhares críticos emanem de manifestações públicas protagonizadas pelas poucas figuras de uma certa intelligentsia portista, que ainda fogem à captura dominante, como são por exemplo os casos de Sousa Tavares ou Manuel Serrão.

O país foi a votos  e, noutras ‘eleições’, os sócios do FC Porto continuam a “votar” em Pinto da Costa e na continuidade da estrutura que está debaixo da sua liderança.

O presidente que levou o FC Porto ao êxito, a partir de quase nada, não obstante os desempenhos importantes de Afonso Pinto de Magalhães e Américo de Sá, é o mesmo que vem arrastando um FC Porto para uma situação deveras preocupante.

As consequências não são mais evidentes porque Pinto da Costa percebeu que, no meio de uma situação estrutural que ajudou a criar e patrocinou, com demasiados interesses de intermediação a devorar o emblema do Dragão, havia alguém no mercado de treinadores com as características certas para potenciar os níveis de competitividade da equipa mais representativa de futebol da instituição azul-e-banca. 

Esse treinador é obviamente Sérgio Conceição, que pode ter muitos defeitos mas colocou um plantel dizimado pelos problemas financeiros em estado de permanente superação nos últimos 5 anos.

Todo o resto da estrutura está há anos acomodada aos privilégios que decorrem de uma espécie de pacto de não agressão: tu, presidente, protege-nos e continuas a dar-nos o “conforto” da tua protecção e nós protegemos-te, não fazendo qualquer tipo de oposição, exceptuando alguns remoques que não saem da nossa jurisdição e, se saírem, estarão sempre devidamente controlados. Com ou sem botas cardadas.

O “FC Porto de Pinto da Costa” vive num bunker e não sai de lá e, para sair, como já foi prometido, só por cima de alguns cadáveres. Ninguém quer ver a realidade por inteiro. Porque vê-la por inteiro significa perder direitos adquiridos há muitos anos e o desmantelamento de uma lógica de gestão que rebentou com os cofres do FC Porto.

Este episódio da venda de Luis Diaz é talvez o ponto alto do desgoverno que tomou conta da SAD há muito tempo.

Dir-se-á que é uma inevitabilidade, pela pressão desencadeada pela UEFA em função dos mecanismos de controlo da situação financeira, mas essa inevitabilidade foi gerada — como se diz agora? — pelas ‘linhas vermelhas’ traçadas por uma gestão desastrosa.

O FC Porto perde em Janeiro, quando regista 9 pontos de avanço (com 1 jogo a mais no calendário) sobre o segundo classificado e, portanto, numa fase crucial da época, o melhor jogador da equipa.

Com essa perda, não obstante a capacidade de Sérgio Conceição em transformar ovos de codorniz em ovos de avestruz, o FC Porto arrisca-se a perder um campeonato no qual já alcançou uma posição de muito relevo, e com mérito próprio, acrescente-se.

No plano desportivo é uma opção exactamente no sentido inverso ao que foi durante anos a força da eficácia da ‘máquina’ de Pinto da Costa, que não deixava os jogadores acabar contrato sem contrapartidas importantes para o FC Porto (embora sempre muito intermediadas) e era proibido enfraquecer o plantel quando estavam em causa objectivos tão fundamentais como a conquista de um campeonato nacional.

Financeiramente, 45 M€ (mais 15 de objectivos) é um valor que fica muito aquém da real capacidade do jogador colombiano, o melhor jogador da Liga portuguesa até à data da sua saída e um grande reforço para o Liverpool de Klopp. E é bom perceber que nos cofres do FC Porto não entrarão muito mais do que 30M€, o que é na verdade — a somar a outros negócios — uma desgraça e um pequeno balão de oxigénio. Balão de oxigénio que, no entanto, permitirá ao paciente resistir mais um pouco e iludir, autoconscientemente, aqueles que precisam de criar a ilusão.

Assim, de repente, o FC Porto perde Corona, Sérgio Oliveira e Luis Díaz. É verdade — e custa a acreditar — que Sérgio Conceição tenha conseguido atenuar o efeito da secundarização assumida pelo treinador e também pela SAD, principalmente de Corona (que desperdício!) mas também de Sérgio Oliveira com a promoção de jogadores da formação como Vitinha e Fábio Vieira (para o corredor central, na zona do médio emprestado ao Roma) e ainda de João Mário e Francisco Conceição (para o corredor lateral, onde actua preferencialmente o excelente jogador mexicano).

O bom rendimento dos quatro jovens jogadores do FC Porto mitigou imenso o impacto de um gestão surreal — desportiva e financeira — em redor de Corona e Sérgio Oliveira.

A venda de Luis Díaz gerou grande indignação na comunidade azul e branca e um dos seus adeptos (Miguel S. Tavares) lamentava que parte substancial desta operação servisse apenas para “pagar (…) comissões  ao bando de chulos que vive à roda da SAD”.

Chulos! - disse ele. Na verdade, são mais os chulos  — genericamente, neste ‘mundo da bola’ — do que a parte mágica do futebol. E quando a parte mágica se vai embora, ficando apenas os fiteiros, os enganadores, os que roubam tempo útil aos jogos, os que simulam lesões e andam sempre à procura da glorificação da chico-espertice, os cartolas das bolsas marsupiais e os parasitas, o que resta? Um pouco de belíssimas memórias, e nem essas à prova de assalto.

O futebol português tem muita coisa boa e bonita, mas tem um lado piadético e outra profundamente lamentável. E siga a banda, porque ninguém parece querer saber. E ai de quem ponha o dedo no ar.

São os sócios do FC Porto que têm de decidir se é ‘isto’ que querem e o seu silêncio formal é, na verdade, um caso de estudo. Ou outra coisa eventualmente mais grave.

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