Tal como a fast fashion, o mobiliário de usar e deitar fora é um problema para o nosso planeta

CNN , Francesca Perry
11 dez 2022, 14:00
Tal como a 'fast fashion', o ‘mobiliário rápido’ é um problema para o nosso planeta (CNN)

O conceito de design circular ganhou aceitação ao longo da última década e inclui fazer artigos de mobiliário sem recorrer a materiais novos, sendo concebidos para durarem mais tempo e inteiramente reutilizáveis ou recicláveis

O mais recente sofá do designer russo Harry Nuriev foi feito com um monte de sacos do lixo. Recentemente exposto na feira de design colecionável Design Miami, o “Trash Bag Sofa” foi inspirado pelo lixo das ruas de Nova Iorque, e Nuriev quer que ele chame a atenção para a maneira como usados e deitamos fora as coisas.

A peça assenta numa ideia que ele explorou inicialmente na mesma feira, em 2019, quando apresentou um sofá feito com roupa deitada fora. Além de comentar o problema dos resíduos da indústria da moda — grande parte dele gerado pela “fast fashion” barata e em reação às tendências — o projeto também traçou uma linha direta entre os resíduos e a indústria do mobiliário.

O sofá do designer russo Harry Nuriev feito com roupa deitada fora. Créditos: James Harris para a Design Miami

"As pessoas começaram a tratar o mobiliário como moda, sendo possível mudar de decisão muito rapidamente, mudar as coisas de sítio e comprar coisas novas", disse Nuriev na Design Miami deste ano, que terminou no domingo passado.

Enquanto há uma cada vez maior consciencialização dos consumidores acerca do impacto ambiental da fast fashion, será possível dizer o mesmo sobre o mobiliário rápido? As mesas e cadeiras que enchem muitas das nossas casas e espaços quotidianos são fabricadas em grande escala, e os artigos mais baratos acabam frequentemente num monte de lixo destinado a um aterro.

Segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), os americanos deitaram fora mais de 12 milhões de toneladas de móveis e peças de decoração em 2018 (uma subida dos 2,2 milhões de toneladas em 1960), e mais de 80% acabou num aterro. Juntando a isso as emissões de carbono causadas pelo fabrico e transporte, a indústria do mobiliário fica a parecer o próximo grande elefante na sala da crise climática.

Comprar mobília pode ser dolorosamente caro — e costuma demorar semanas a chegar. Muitos de nós recorrem a marcas mais baratas e imediatas, como IKEA ou Wayfair, mas o que faz isso ao planeta? Para conseguirem manter preços baixos, os fabricantes de mobiliário económico costumam usar materiais mais baratos, porém menos robustos, como aglomerado de madeira laminado, que é ao mesmo tempo mais sujeito a danos e mais difícil de reciclar. Quando a mobília não é concebida para ser duradoura nem para ser reciclada, é muito mais provável que acabe num aterro.

Com o crescimento dos apelos à sustentabilidade, as marcas que habitualmente fabricam mobiliário “rápido” estão a anunciar esforços de mudança — se bem que o impacto dessas promessas ainda está por ver. Na sua atual estratégia de sustentabilidade, a IKEA compromete-se a apenas usar materiais renováveis ou recicláveis em todos os seus produtos até 2030, num esforço para praticar um design “circular” e cortar as emissões a zero. Em 2021, a empresa lançou o programa “2.ª Vida”, através do qual as peças indesejadas de mobiliário usado da IKEA podem ser devolvidas, renovadas e receber uma nova vida.

O conceito de design circular ganhou aceitação ao longo da última década. Num sistema circular, os artigos de mobiliário seriam feitos sem recorrer a materiais novos, seriam concebidos para durarem mais tempo e seriam inteiramente reutilizáveis ou recicláveis, criando assim um círculo fechado.

"Há muito tempo que a longevidade é uma das principais mensagens de venda das empresas de mobiliário mais responsáveis", disse Katie Treggiden, especialista em design circular e autora de "Wasted: When Trash Becomes Treasure". "Mas precisamos também que adotem o resto da economia circular, com processos de fabrico sem resíduos nem poluição, serviços de reparação e estofamento e programas de retoma para aumentar a longevidade ainda mais."

O lixo de uns é sem dúvida o tesouro de outros. E tal como demonstra o livro de Tregidden, muitos designers adotaram esta ideia ao transformarem os materiais residuais em novos artigos de mobiliário, desde a gama Exploring Eden de Bethan Gray, que é feita com conchas e penas, à série contínua de mobiliário Plastic Baroque de James Shaw, feita com plástico reciclado colorido.

No entanto, o processo de reciclagem de determinados materiais pode produzir emissões de carbono significativas — e depende de lixo logo à partida. "Muitas vezes, concentramo-nos nos sintomas e não nas soluções", disse numa videochamada o designer holandês Piet Hein Eek, conhecido por criar mobiliário com materiais que encontra. "Isto é mais abrangente do que a reciclagem."

Armário feito com restos de madeira pelo designer holandês Piet Hein Eek. Créditos: cortesia de Piet Hein Eek/The Future Perfect

Ainda na Design Miami, Eek apresentou um armário feito com restos de madeira. "Tento ser o mais eficiente possível com aquilo que o mundo me oferece", disse, ao explicar que as suas peças começam com os materiais que tem à mão — muitas vezes obtidos em madeireiros — e não com ideias para as quais terá depois de encontrar os materiais. Ele acredita que a atitude das pessoas para com os restos de madeira tem de mudar de forma a verem a sua beleza. "Se uma pessoa que não respeita os materiais entrar num depósito de madeira, não vai reconhecer a qualidade da mesma", disse.

Uma maneira de adotar a circularidade é simplesmente comprar mobília em segunda mão, disse Treggiden. "A mobília nova liberta a maior concentração de compostos orgânicos voláteis (COV) no primeiro ano da sua vida, por isso, comprar mobília em segunda mão não só é bom para o planeta como faz bem à saúde", explicou ela.

Além da miríade de mercados para venda de artigos vintage ou em segunda mão, há também designers que restauram e transformam peças antigas. Em 2017, a designer e artista sedeada em Londres, Yinka Ilori — cuja exposição a solo, "Parables for Happiness", está atualmente no Museu de Design de Londres — colaborou com a obra social Restoration Station para reparar e transformar cadeiras em segunda mão em novas peças luminosas e coloridas, num movimento chamado “upcycling”.

As cadeiras coloridas do upcycling de Yinka Ilori. Créditos: Dan Weill

"Com o upcycling, criamos uma peça única com a sua própria história", disse Ilori. "Há uma sobreposição de significado e história e vamos acarinhar a peça."

Comprar em segunda mão é uma forma de adquirir mobiliário de boa qualidade sem ficar sem dinheiro. Mas designers como Eek esperam também que, ao trabalharem com materiais robustos e naturais, possam criar novas peças de mobiliário que — apesar de não serem tão baratas como as opções económicas — terão uma maior eficiência de custo a longo prazo. "Se fizermos algo que dura para sempre, é claro que a nossa pegada de carbono é muito menor do que a das peças de mobiliário que são deitadas fora um ou dois anos depois", disse. "Para mim, a qualidade é uma das temáticas mais importantes."

O movimento emergente do "design lento" reflete este destaque dado à qualidade e à longevidade em detrimento da velocidade e quantidade. Abrange não apenas o facto de trabalhar com materiais obtidos de forma responsável, mas também a celebração do artesanato e do bem-estar. Se há algo capaz de superar o mobiliário rápido, será o design lento?

"Há uma frase que uso sempre: 'O devagar é o novo rápido'", disse a designer Nada Debs na Design Miami. "Quando demoramos tempo a fazer as coisas, apreciamo-las realmente."

"Há uma frase que uso sempre: 'O devagar é o novo rápido'", disse a designer Nada Debs na Design Miami. "Quando demoramos tempo a fazer as coisas, apreciamo-las realmente." Créditos: Cortesia Nada Debs

Na feira deste ano, a designer libanesa criou uma instalação com um banho turco para a marca de casas de banho Kohler, com ladrilhos feitos com desperdícios da manufatura. O artesanato — muitas vezes infundido de narrativas ou específico de uma região — é fulcral nas suas coleções de mobiliário, tal como a utilização de materiais naturais, como a palha e a madeira nobre.

Debs colaborou anteriormente com empresas que produzem mobiliário económico em massa, tendo como resultado artigos que ela admitiu serem “muito agradáveis e rápidos de comprar". Mas se os consumidores querem “realmente comprar uma peça de mobiliário e mantê-la, faz mais sentido comprar um artigo feito à mão", adicionou ela. "É mais autêntico. Para mim, sustentabilidade é isso."

Criar uma ligação emocional com uma peça de mobiliário significa que há menos probabilidades de a deitarmos fora — podendo mesmo repará-la quando necessário. "Cada peça (de mobiliário) que compro vai comigo sempre que mudo de casa porque tenho uma ligação pessoal a ela", disse Ilori. "O objeto é como um veículo para criar e reunir recordações... certifico-me de que todas as minhas peças de mobiliário são bem mantidas e respeitadas."

A designer Nada Debs cria mobiliário com materiais naturais como palha e madeira nobre. Créditos: Cortesia Nada Debs

Segundo os designers com quem falámos para este artigo, há muito a ter em mente quando compramos mobília. Devemos procurar peças feitas com materiais sustentáveis e duradouros, tal como a madeira sólida com certificação FSC. Ou procurar marcas empenhadas na circularidade, que ofereçam ajuda através da reparação ou programas de retoma. Adotem a criatividade com a reutilização de peças antigas de que se fartaram. Procurem em mercados de segunda mão que dão acesso a peças vintage de boa qualidade.

E considerem investir em peças que vão adorar e manter — e que assim vão durar mais. "Queremos algo rápido e barato, mas vale realmente a pena investir em algo que é mais caro, que pode durar uma vida inteira e trazer alegria e um caráter único à nossa casa", disse Ilori.

Pode até nem ser preciso comprar. Existem atualmente bastantes serviços, particularmente para as pessoas que mudam regularmente de casa, que permitem aos consumidores alugarem os móveis durante o tempo que quiserem para depois os devolverem e serem renovados e reutilizados por outra pessoa. Uma dessas empresas, a Fernish — que opera em determinadas regiões dos EUA — afirma ter poupado 268 toneladas de mobiliário de irem para aterros em 2021.

Porém, a responsabilidade de combater o mobiliário rápido não pode ser apenas do consumidor. Designers como Nuriev, Eek, Debs e Ilori podem promover ideias e inovações, mas são os fabricantes que têm o poder de se comprometer com medidas com impacto e escala, desde a aquisição responsável de materiais e design circular aos rótulos com impacto ambiental, embalagens com baixo impacto de carbono e transporte de baixas emissões. Será que deviam também... produzir menos?

Eek acredita que a redução da produção se tornará inevitável devido ao aumento dos preços. "Acho que acabará por se tornar mais caro (produzir mobiliário em massa), porque vamos dar por nós com escassez de recursos... Atualmente, devido aos baixos preços dos materiais, os fabricantes podem fazer peças de baixo custo. Mas se a madeira for cara, tal como deve ser, é preciso usar mais mão de obra e qualidade para ser competitivo."

Talvez a crise ambiental torça o braço à indústria do mobiliário — tanto em termos da escassez de recursos como à mudança das prioridades dos consumidores. "As empresas que não se adiantarem em breve vão começar a sentir a exigência por mudanças por parte dos consumidores", concluiu Treggiden.

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