Covid-19: Jovens infetados deliberadamente ajudam a descobrir segredos do vírus original

5 fev 2022, 08:00
Teste de deteção de SARS-CoV-2

Não estavam vacinados, nem tinham tido covid, mas foram contaminados com SARS-CoV-2 para que os cientistas possam perceber os detalhes do vírus original que surgiu em Wuhan. Para já, os investigadores do Imperial College London descobriram que o tempo de incubação era inferior ao pensado no início da pandemia, o que favoreceu o rápido contágio

Um grupo de 36 jovens, dos 18 aos 29 anos foram propositadamente infetados com o SARS-CoV-2 para que os cientistas e perceber qual o comportamento do vírus. Nenhum estava vacinado nem nunca tinha tido qualquer infeção prévia com o noco coronavírus.

O estudo encontra-se em fase inicial, estando os voluntários ser seguidos por um período de 12 meses. Este é o primeiro trabalho em que os investigadores infetam as "cobaias" humanas com o vírus orginal  -  aquele que surgiu em Wuhan em 2019.

O ensaio liderado pelos investigadores do Imperial College London, em colaboração com as empresas clínicas Open Orphan e hVIVO, tem como finalidade perceber todos os detalhes sobre o vírus que deu início à pandemia. E assim entender como atuou antes da chegada de algumas das variantes mais dominantes, como a Alpha, a Delta e a Ómicron. 

Ainda em preprint (isto é, sem revisão de pares e a ser analisado) na Nature Portfolio (servidor de pré-impressão de estudos científicos), o estudo Safety, tolerability and viral kinetics during SARS-CoV-2 human challenge (Segurança, tolerabilidade e cinética viral durante o desafio humano SARS-CoV-2, em tradução livre) conclui, entre outros aspetos, que o vírus aparece primeiro na garganta e só depois no nariz e que o tempo de incubação era inferior ao que se pensou na altura.

Os voluntários receberam uma dose baixa do vírus (o equivalente a uma gota nasal de uma pessoa infetada), que foi introduzida por meio de gotas no nariz. O vírus usado foi obtido de um paciente hospitalizado no estudo ISARIC4C (um consórcio de caracterização clinica do coronavírus), antes do aparecimento da variante Alpha.

Este estudo ganha destaque porque permite analisar o comportamento da cepa inicial do vírus de uma forma prematura, ou seja, antes da infeção e durante a mesma com ou sem aparecimento de sintomas e desenvolvimento da doença, enquanto que, à data da sua circulação, em 2020, apenas eram testadas as pessoas com sintomas ou em contacto com casos já confirmados.

42 horas até ficarem contagiados

De acordo com o estudo, o período médio entre o contacto com o vírus e a deteção do mesmo (ou aparecimento de sintoma) foi de 42 horas, menos de dois dias, contrariando a informação dos primeiros estudos feitos sobre a pandemia, que revelaram que o tempo de incubação era de cinco a seis dias - o que pode ajudar a justificar a forma acelerada como o vírus se começou a propagar um pouco por todo o mundo. 

Além de terem detetado que o período de incubação inicial do vírus era inferior ao que se, os cientistas britânicos concluíram ainda que a carga viral aumentava consideravelmente logo a partir do segundo dia, atingindo um pico ao quinto dia.

Apesar de a carga viral reduzir com o tempo, algo que ainda acontece com as atuais variantes em circulação, os participantes ainda acusavam a presença do vírus até 12 dias após o primeiro contacto com o mesmo.

Vírus presente primeiro na garganta

Este estudo ainda em fase de revisão pelos pares indica que a cepa original do vírus era primeiramente detetável na garganta e só depois no nariz, 40 horas e 58 horas respetivamente.

Embora tenham notado que o pico de carga viral foi atingido mais cedo na garganta, os cientistas notaram que era no nariz que se concentrava uma maior quantidade do vírus, confirmando o risco de contágio por via de secreções nasais, expelidas, por exemplo, em espirros, e reforçando, com isso, a importância do uso correto da máscara.

No que diz respeito à presença do vírus e à quantidade do mesmo, o estudo concluiu ainda que os testes de fluxo lateral - os chamados testes de antigénio, como os que são feitos em farmácias ou em casa -, quando realizados duas vezes por semana, “permitiriam o diagnóstico antes que 70-80% do vírus viável seja gerado”, lê-se no preprint. 

Sintomas leves e perda de olfato temporária, mas reversível

Este estudo em ‘cobaias’ humanas analisou de perto, durante duas semanas e em ambiente controlado de quarentena, os potenciais efeitos que a infeção poderia ter, tendo concluído que o contágio causou doença leve.

Aqui importa salientar que os participantes foram expostos a uma carga reduzida do vírus - não se sabendo o impacto que cargas maiores possam ter quando em causa está a cepa inicial do SARS-CoV-2 - e que, tal como os próprio autores deixem claro, devido à reduzida amostra e ao tempo limitado do estudo, não foi, ainda, possível traçar consequências a longo prazo da infeção. Os participantes vão ser acompanhados no próximo ano e só depois é que se poderá saber se há algum tipo de persistência de sintoma ou sequela.

Dos 36 voluntários, dois foram excluídos da análise final após desenvolverem anticorpos entre a triagem inicial e a fase  inoculação por via nasal com o vírus. Diz o estudo que 18 ficaram infetados, sendo que 16 desenvolveram sintomas leves a moderados, como se estivessem constipados, (pingo no nariz, nariz entupido e espirros, dores de cabeça, dores musculares, cansaço e febre). 

Nenhum dos participantes desenvolveu sintomas graves e não foram notadas alterações a nível pulmonar, no entanto, dos 18 participantes infetados, 13 ficaram com anosmia temporária (perda do olfato), que se reverteu em 90 dias, exceto em três das pessoas, embora tenham apresentado melhorias passados três meses.

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