Há "uma diferença de tratamento absolutamente aberrante" entre o caso de Diogo e de Rui Pinto. Advogado de hacker em risco de extradição para os EUA critica recusa de Portugal

7 fev, 12:00
Diogo Santos Coelho

A CNN Portugal entrevistou os advogados que representam do pirata informático português, que se encontra em prisão domiciliária em Londres, a aguardar a decisão de extradição para os Estados Unidos da América, onde arrisca cumprir uma pena de 57 anos.

O jovem hacker que está no Reino Unido, em risco de ser extraditado a qualquer momento para os EUA, admite que a sua última esperança é Portugal, onde se aguarda a decisão da Procuradoria-Geral da República. Esta está a analisar uma reclamação interposta pelas equipa de advogados portugueses que está com o caso entre mãos - João Medeiros e Inês Almeida e Costa - que consideram existir fundamento legal para as entidades nacionais emitirem um mandado de detenção para que Diogo Santos Coelho, que também é suspeito em Portugal num processo de braqueamento de capitais, seja antes julgado no seu pais. À CNN Portugal João Medeiros explica os contornos jurídicos do processo, o papel das autoridades nacionais, reafirma a vontade do seu cliente colaborar com a justiça e acusa as autoridades portuguesas de estarem a rejeitar Diogo e a tratá-lo de forma diferentes de outros piratas informáticos, como Rui Pinto.

Para quando é que está prevista a decisão no Reino Unido sobre a extradição de Diogo Santos Coelho para os EUA?

A qualquer momento. Neste momento há um recurso entreposto, o recurso aguarda decisão. A qualquer momento pode surgir a decisão e esgota-se a possibilidade de recurso. Quando essa decisão for proferida e aceite, há o envio imediato da ordem de extradição.

Ainda acredita que Diogo pode ser antes extraditado para Portugal?

A minha expectativa é a de que as autoridades portuguesas reanalissem o assunto, verifiquem a competência do Estado português para a investigação deste assunto e para o seu julgamento. Que aceitem a colaboração que o Diogo oferece e procedam à emissão de um mandado de detenção, porque se verificam as circunstâncias de que a lei faz depender a emissão de um mandado de detenção fora de flagrante delito.

Ou seja, a ideia é que Portugal emita um mandado de detenção do jovem para que este não vá para os EUA?

Sim para que haja uma concorrência dos pedidos de extradição, por via a que, fruto das ligações do Diogo ao território nacional, Inglaterra aceite o pedido de extradição do Estado português em detrimento dos EUA.

E porque acha que o Reino Unido aceitaria agora o pedido de Portugal?

Acredito que optariam pela extradição para Portugal por várias razões. Porque não existe qualquer ligação do Diogo a território americano. Pelo contrário, é português e tem residência em Portugal. Embora esteja detido em prisão domiciliária no Reino Unido, tem residência em Portugal.

Há interpretações recentes do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de que o fim dos mandatos visa não só a persecução do crime, mas também tem um papel de proteção dos cidadãos nacionais dos estados-membros. Sinceramente acredito que o Reino Unido estaria em condições de preterir o pedido dos EUA e fazer com que o Diogo fosse julgado em território nacional.

Essa possibilidade de emitir um mandado surge do facto de além do processo que corre nos EUA contra Diogo Santos Coelho, existir também um processo em Portugal?

Em Portugal existe um processo-crime iniciado, mas cinge-se apenas à investigação do crime de branqueamento de capitais. E foi entendido pelo Ministério Público português que os crimes precedentes ao branqueamento de capitais, que estão em causa nos EUA, não seriam da competência das autoridades portuguesas.

E a defesa contesta esse argumento?

Foi feito, pela equipa de advogados que nos antecederam, um requerimento no sentido de se pedir que as autoridades portuguesas pudessem proceder à investigação dos outros crimes que estão em causa nos EUA- acesso ilegítimo, acesso indevido, uso de cartões bancários e outros meios de pagamento. Houve um despacho, algures em dezembro, do Ministério Público português, do DIAP Regional do Porto, do qual não foi aceite essa competência.

Quando assumimos o patrocínio do Diogo em Portugal apresentámos uma reclamação hierárquica, que está pendente. No fundo, o que dizemos é que o despacho não está a ver bem a coisa, porque parte dos crimes foram cometidos em Portugal e, por conseguinte, ao abrigo do princípio da territorialidade, cabe ao MP português proceder à investigação desses crimes também. Estamos a aguardar decisão relativamente a esse despacho.

Porque é que a procuradora rejeitou esse pedido?

Na nossa ótica, o Ministério Público rejeitou o pedido com base numa interpretação errada, com base na circunstância de que entendeu que os putativos crimes não foram cometidos em Portugal, quando as coisas não são assim.

A partir de 2016, o Diogo foi residente em Portugal, continuou, de alguma forma, ligado ao site e, portanto ao considerar-se que isso são crimes, eles teriam de sido cometidos também em território português. Com base no princípio da territorialidade, o Ministério Público é competente para investigar todos os crimes cometidos em território nacional.

Diogo foi diagnosticado com autismo. A defesa no Reino Unido alega que corre risco de vida, caso seja extraditado para os EUA. Esta avaliação deve pesar na decisão da Justiça portuguesa?

É uma questão que se coloca mais no âmbito do processo de extradição no Reino Unido do que aqui no nosso. No nosso processo, queremos apenas que o Ministério Público aceite a competência da investigação.

Claro que isso, a situação que me está a dizer, é uma situação absolutamente dramática, porque estamos a falar de um jovem que exige cuidados especiais a ser extraditado para um país onde não tem ninguém. Onde, enquanto aguardará um julgamento, precisamente por não ter residência, a única hipótese é aguardar julgamento na prisão – e estamos a falar de uma moldura penal potencialmente aplicável que pode ir até aos 57 anos de cadeia.

Tentaram contactar o Presidente da República?

Nós não, mas tenho a informação que os colegas que nos antecederam enviaram variadíssimas cartas, não ao Presidente da República, mas pelo menos à ministra da Justiça. Tanto quanto sabemos, não houve qualquer resposta às cartas.

Mantêm contacto directo com o Diogo? Como é que ele está a lidar com a possibilidade de ser extraditado para os EUA e enfrentar uma pena que pode ir até aos 57 anos? 

Temos contacto direto com o Diogo, ainda ontem via Teams conversámos com o Diogo. Como deve calcular, cada um de nós se estivesse na situação em que ele está, estaria aflito.

O Diogo, sendo um jovem com necessidades especiais, está absolutamente aterrorizado. Mas, num certo sentido, tem um grau de incompreensão relativamente a isto, porque ele próprio já se ofereceu para colaborar com as autoridades portuguesas.

A Polícia Judiciária teve oportunidade de analisar a informação de que o Diogo dispunha e sinaliza-a como de maior interesse. O Diogo tem uma enorme dificuldade em entender porque é que o seu país não aceita a soberania e a competência que é própria e a sua ajuda. O Diogo já deixou claro em várias ocasiões e eu reafirmo que está na disposição de colaborar com as autoridades portugueses.

Em que moldes estaria o Diogo disposto a colaborar com a Justiça?

Uma das coisas que se investiga nesta situação é a atuação de pessoas que usaram o dito site para fins menos lícitos. Aquilo que o Diogo estaria na disposição era de colocar os seus conhecimentos ao serviço das autoridades para que fosse permitido detetar a identidade de outras pessoas que procederam à realização de atos ilícitos.

Ele quer emprestar as competências de programador?

Não está em cima da mesa, mas se for algo que se for colocado pelas autoridades com certeza que o Diogo está nessa disposição. Até porque é um jovem que vive à não sei quantos anos imerso no mundo da informática e estou convencido que se lhe arranjassem uma ocupação dessa natureza fariam dele um homem feliz.

Na sua opinião há alguma semelhança com o caso do pirata informático Rui Pinto?

Existem semelhanças e existe, no caso concreto, uma diferença de tratamento absolutamente aberrante. Num caso as autoridades portuguesas acolheram, ofereceram-lhe e aceitaram a colaboração. Ao que parece, esse senhor colabora ativamente, tem a proteção do Estado português, inclusivamente do ponto de vista da proteção pessoal.

E este Diogo é, de alguma forma, rejeitado numa situação muitíssimo mais gravosa. O senhor Rui Pinto estava num país onde a pena máxima é de 25 anos de prisão e o Diogo pode sujeitar-se a algo como 50 anos de prisão, o que, tendo nesta altura 24, se cumprir a pena entrará um jovem e sai um velho.

Porquê a diferença de tratamento?
Isso não sei responder.

O Diogo tem três equipas de advogados. Como é que está a suportar os custos da defesa? 
O Diogo – e desse ponto de vista é extraordinário porque as autoridades portuguesas aceitaram claramente a competência no que toca ao arresto e à apreensão dos bens - tem todo o seu património à ordem do processo. Aquilo que está a acontecer é que, pelo menos relativamente a nós, está a usar amigos e pessoas que lhe são próximas para proceder ao pagamento dos honorários.

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