Nunca um líder partidário venceu eleições com percentagem de votos tão baixa. Luís Montenegro prepara-se para arrancar abaixo do nível de Cavaco Silva em 1985. E até de António Costa em 2015, quando assumiu o cargo sem vencer eleições
Se a força política de um governo dependesse apenas da votação nas urnas do partido que o lidera, o presumível próximo primeiro-ministro arrancaria na pior posição de todos até hoje. Só não iniciaria funções como o primeiro-ministro mais enfraquecido dos governos constitucionais (pós-1976) porque vários chefes de governo foram nomeados nestes 48 anos sem que tivessem liderado candidaturas eleitorais. Entre os que o foram, nenhum outro ganhou nem com tão pouco (peso de votos) nem por tão pouco (face ao segundo lugar).
Como o gráfico de cima mostra, só dois primeiros-ministros tiveram menos de 30% nas urnas: Luís Montenegro este ano e Cavaco Silva em 1985. A comparação entre os dois anos tem aliás sido frequente nos últimos dias. Como em 2024, em que o Chega superou 18% dos votos, também em 1985 não houve bipartidarismo, mas sim quatro partidos a recolher entre 15% e 30%: PSD, PS, PRD e APU. O Governo minoritário durou menos de dois anos, quando perdeu o apoio parlamentar do PRD. Vieram novas eleições, que Cavaco Silva ganharia por maioria absoluta. A passagem da minoria de Cavaco em 1985 para a maioria absoluta em 1987 poderá inspirar agora os sociais-democratas: nunca, como então, tão pouco acabou em tanto.
Também em 2024, vários analistas têm vaticinado vida curta ao futuro Governo, mesmo se ainda se desconhece a forma como ele será constituído. Após a indigitação por Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Montenegro formará um Governo minoritário.
Cavaco, o recordista
O próximo será o XXII Governo constitucional. Nos 21 anteriores, houve governos que duraram dias e outros que duraram legislaturas completas. No total, houve seis maiorias absolutas: duas de Francisco Sá Carneiro (AD), duas de Cavaco Silva (PSD), uma de José Sócrates e uma de António Costa (ambos PS).
Cavaco Silva é, ainda hoje, o recordista na maior percentagem de votos numas legislativas em Portugal. Aliás, em duas – e seguidas: 1991 e 1995.
Seguem-se em percentagem as maiorias de Francisco Sá Carneiro, de 1979 e de 1980, que são, no entanto, de um tempo de grande instabilidade política: só em 1991 terminaria a primeira legislatura completa da democracia. Além disso, naqueles anos o Parlamento tinha 263 deputados, número que desceria em 1991 para os atuais 230. A maioria absoluta de 1979, aliás, só perdurou dez meses, mas tal ocorreu por uma questão formal: a Constituição de 1976 previa originalmente que a I Legislatura só terminaria em 1980. Chegada a data, foram marcadas novas eleições: a AD reforçou a maioria absoluta. Sá Carneiro morreria, no entanto, a 4 de dezembro de 1980.
Uma década depois do fim da maioria absoluta de Cavaco, José Sócrates alcançaria a primeira maioria absoluta da esquerda – e maior até hoje. Foi em 2005, na legislatura que durou até 2009. Já António Costa alcançou em 2022 a maioria absoluta que requereu menos percentagem de votação até agora. António Guterres, por exemplo, teve duas vezes maior percentagem de votos do que Costa, mas tal não lhe bastou para ter mais deputados do que toda a oposição.
Montenegro com o pior resultado em coligação
Esta análise abrange 17 eleições legislativas desde 1976, excluindo-se, pois, o período dos governos provisórios (as primeiras legislativas da democracia realizaram-se em 1975).
Nestas 17 eleições em 48 anos, a direita coligou-se quatro vezes: através da AD (PSD, CDS e PPM) em 1979, 1980 e 2024; e através da PàF (PSD e CDS) em 2015. Em todas elas, a coligação venceu – mesmo se a vitória em 2015 não garantiu governação, já que depois do chumbo do programa de governo o Partido Socialista formaria Governo com o acordo do BE e o PCP (a chamada “geringonça”). Ainda assim, é em 2024 que uma coligação liderada pelo PSD obtém a pior votação.
Já à esquerda, apenas uma vez o PS se candidatou coligado, em 1980, através da FRS - Frente Republicana e Socialista, que agregou o Partido Socialista, a União de Esquerda Socialista Democrática (UEDS) e a Ação Social Democrata Independente (ASDI). A coligação perdeu e o PS não repetiria a solução.
Já o PCP candidatou-se quase sempre coligado, primeiro pela APU – Aliança Povo Unido (PCP e MDP/CDE), depois através da CDU – Coligação Democrática Unitária (Partido Comunista Português e Partido Ecologista “Os Verdes”).
Os “não eleitos”
A história conta mais legislaturas do que eleições: houve 21 governos constitucionais desde 1976, mais do que as 17 eleições. As situações em que o primeiro-ministro mudou entre eleições significa que houve chefes de governo que não foram diretamente eleitos para tal.
Os anos de 1978 e 1979 foram especialmente instáveis. Eleito em 1976, o Governo de Soares caiu em dezembro de 1977 depois do chumbo de uma moção de confiança, daí nascendo uma solução provisória de coligação do PS com o CDS, que só durou até ao verão de 1978. O Presidente da República, António Ramalho Eanes, nomeou então Alfredo Nobre da Costa para liderar o III Governo, que tomou posse, mas não governou de facto: o seu programa de governo foi chumbado. Seguiu-se a nomeação de Carlos Alberto Mota Pinto, que governou menos de dez meses em grande instabilidade. Em julho de 1979, Eanes dissolve o Parlamento e nomeia Maria de Lurdes Pintasilgo, que governou transitoriamente de agosto até às eleições de dezembro, sendo a primeira e única mulher a exercer o cargo até hoje em Portugal.
Em 1980, apenas dez meses depois das legislativas de 1979, houve três coligações, a AD (Aliança Democrática, PSD, CDS e PPM) no centro-direita, FRS (Frente Republicana e Socialista, PS, ASDI e UESD) no centro-esquerda e APU (Aliança Povo Unido, PCP e MDP-CDE). As três determinaram todos os eleitos com exceção de um: só Mário Tomé conseguiu eleger além das três coligações, com 1,38% dos votos na UDP. Curiosamente, Carmelinda Pereira, do POUS-PST, alcançou também 1,38% dos votos, mas não conseguiu eleger.
Entre 1981 e 1983, Francisco Pinto Balsemão foi indicado como primeiro-ministro, substituindo Francisco Sá Carneiro, que morreu em dezembro de 1980. E cerca de 20 anos depois, em 2004, seria a vez de Pedro Santana Lopes governar sem eleições, quando substituiu Durão Barroso, que então saiu do Governo para presidir da Comissão Europeia.