Os polícias estão na rua, os professores estão na rua, as pessoas que arrendam casa estão na rua, os enfermeiros estão na rua, os funcionários judiciais estão na rua, os ambientalistas estão na rua, os militares ameaçam estar na rua, a rua mostra o país que falha enquanto o gabinete do Ministério das Finanças mostra o país do excedente orçamental, a rua quer esse dinheiro mas a rua tem também um lugar vazio há 50 anos, é o tempo que o país falhou em escolher a rua onde vai ficar o novo aeroporto, portanto: vem aí Governo novo e há pedidos antigos por cumprir, são estes 17 que 17 setores diferentes fazem ao primeiro-ministro indigitado que a 2 de abril será primeiro-ministro de facto
Educação. "Gestão autocrática que se vive hoje não está a fazer bem à escola"
Ricardo Silva, professor e coordenador da Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino (APEDE)
"Excluindo o tempo de serviço, que me parece ser um tema consensualizado, ou pelo menos assim o espero, o mais urgente é sem dúvida alterar o modelo de gestão escolar, para haver maior participação, para que seja mais democrático, para que haja uma gestão menos unipessoal. A gestão que se vive hoje é autocrática, as decisões são do topo para a base, está centrada na figura do diretor, o que não está a fazer bem à escola. Precisamos de um clima mais saudável, de maior cooperação e participação nas decisões, de uma limitação clara de mandatos e partilha efetiva de decisões e auscultação dos professores nesse processo.
Essa democratização, do meu ponto de vista, é algo que está muito longe das propostas dos diversos partidos, pelo menos da maioria dos partidos, sobretudo do centro-direita, que não apontam de todo nessa direção e era uma decisão fundamental a tomar – permitir pelo menos que as escolas pudessem tomar uma opção livre sobre o modelo de gestão, algo que não está em cima da mesa e que é, do meu ponto de vista, fundamental. A forma como é feita a eleição do diretor também está em causa: em vez de ser feita por um conselho geral, defendemos que a eleição seja alargada a todos os professores e não a um órgão colegial."
Igualdade de género: "Formar pessoal docente e não docente"
Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG)
"Creio que é importante continuar a aposta - e se possível reforçar a educação - para a igualdade e diversidade nas escolas, formando pessoal docente e não docente contra estereótipos de género e informando crianças e jovens em todos os níveis de ensino."
Cultura. "Criação de um pólo em todas as escolas do país"
Gabriela Canavilhas, pianista e antiga ministra da Cultura (2009-2011)
"O principal problema que persiste em Portugal a nível cultural é o baixo nível cultural dos portugueses, por isso o Ministério da Cultura deveria agir com o Ministério da Educação para a criação de um departamento ou pólo cultural em todas as escolas do país, de todos os níveis, com iniciativas de leitura, de cinema e de outras áreas de fruição cultural obrigatória em determinadas horas semanais para todos os alunos. Decididamente temos de agir junto dos mais novos e apostar na educação para a Cultura. Um dos nossos grandes problemas é que temos líderes, políticos e gestores pouco cultos, com pouco lastro cultural. Isso tem de ser adquirido logo desde início e tem de ser a educação formal a proporcionar essa oportunidade de fruição e participação cultural.
A nível internacional, a AICEP - Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal deveria ter um departamento exclusivamente dedicado à Cultura, para divulgar e promover o cinema, as exposições, a música de todos os tipos, a moda e o design, e todas as expressões da cultura portuguesa."
Militares. "Qualquer caixa de supermercado ganha mais do que um praça"
Coronel António Costa Mota, presidente do conselho nacional da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA)
"Relativamente aos militares e às Forças Armadas, o maior problema neste momento é o de efetivos, quer ao nível da retenção, quer ao nível do recrutamento, e isso deve-se – toda a gente sabe, há estudos sobre isto – às baixíssimas remunerações dos militares, desde oficiais a praças. Diria que a grande medida só pode ser essa: uma forte alteração remuneratória, uma valorização [salarial] muito grande, porque infelizmente quem cá está quer sair, são raríssimos os que pretendem continuar, e quem está fora, naturalmente, há um passa-palavra e as pessoas sabem quais são as condições, não é atrativo. Qualquer caixa de supermercado ganha mais do que um praça e, se isso não se resolver, não há nada a fazer."
Turismo. "Simples: decida o sítio"
Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal
"Precisamos de uma decisão sobre o novo aeroporto. É a coisa mais importante de todas para o setor."
Agricultura. "Estamos a falar de 180 milhões de euros"
Luís Miguel Correia Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP)
"De maior urgência é a reversão da extinção das direções-regionais, que ainda por cima é uma matéria que tem de ir ao Parlamento, não pode ser o Governo a decidir sozinho. Também devolver as florestas ao Ministério da Agricultura. Outra medida importantíssima é a questão da disponibilidade financeira do Orçamento do Estado (OE) para o que é necessário pagar aos agricultores, no fundo necessidades orçamentais que não constam do OE, estamos a falar de 180 milhões de euros. A outra é rever a Política Agrícola Comum (PAC) e apresentar uma reprogramação até junho à Comissão Europeia, para que possa ser aplicada em 2025."
Justiça. "Reverter o que o Governo PS fez sobre a Ordem"
Luís Menezes Leitão, ex-bastonário da Ordem dos Advogados
"Há muitas medidas a tomar, a começar por resolver a situação quer dos advogados, que não têm atualização salarial, quer dos funcionários judiciais, cuja greve tem estado a paralisar a Justiça, aliás, a Justiça está completamente paralisada neste momento. Uma situação que também nos parecia muito importante é reverter a alteração legislativa do anterior Governo quanto à Ordem dos Advogados, que com essa alteração ficou completamente controlada pelo poder político."
Polícias. "Concretizar o suplemento de missão e resolver o problema da pré-aposentação"
Paulo Macedo, presidente do Sindicato dos Profissionais de Polícia (SPP-PSP)
"Entre muitas medidas que são necessárias, a mais urgente é concretizar a atribuição do suplemento de missão aos elementos da PSP, exatamente com as mesmas condições e o mesmo valor que foi atribuído à PJ e com retroativos a janeiro de 2023; esse suplemento serve para acautelar o risco que se corre nesta profissão. A par desta medida, seria importante resolver o problema da pré-aposentação. O estatuto dos polícias prevê a pré-reforma aos 55 anos de idade com 36 anos de serviço (condições cumulativas), mas a lei do Orçamento do Estado (OE) não tem permitido que isto aconteça e os polícias só têm conseguido reformar-se para lá dos 60 anos. Esta é uma medida discriminatória, uma vez que isto não acontece nas outras forças de segurança. Além disso, sabemos que esta é uma profissão de grande desgaste e exige muita capacidade física, a partir de uma certa idade é impossível cumprir esta função, está em causa a segurança das pessoas."
Administração Pública. "Repor o poder de compra"
José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP)
"Precisamos claramente que seja assumida a consolidação do acordo plurianual celebrado até 2026, com as melhorias que permitem a recuperação do poder de compra dos trabalhadores, e que seja definido um calendário negocial que lhe possa dar continuidade, nomeadamente no que concerne à revalorização das carreiras em geral e a continuação da revisão das carreiras especiais. É preciso também garantir a reposição do tempo de serviço perdido pelos trabalhadores da Administração Pública (por exemplo, os professores) e a revisão anual dos salários."
Habitação. "Regular os preços das casas e das rendas"
Rita Silva, porta-voz da Plataforma Casa para Viver, que agrega várias organizações da sociedade civil dedicadas às questões da habitação
"É um bocadinho difícil intervir na habitação só com uma medida, mas diria que nós precisamos mesmo muito de regulação dos preços das casas e das rendas e precisamos de parar com todos os incentivos ao investimento estrangeiro na habitação. Estes dois elementos são fundamentais para tentar que o mercado volte a servir as pessoas que residem e trabalham neste país. Para isso, é preciso limitar e controlar a especulação, porque isso faz com que o preço da habitação seja tão elevado."
Segurança Social. "Apostar no trabalho a tempo parcial"
Filomena Salgado Oliveira, consultora e especialista em assuntos da Segurança Social
"O trabalho a tempo parcial é uma medida muito importante para reduzir situações de recurso ao fundo de desemprego que estão a ser usadas para aceder à reforma mais cedo. E é também uma forma de assegurarmos a passagem de testemunho entre mais velhos e mais jovens, assegurando uma saída gradual dos mais velhos do mercado de trabalho, que assim podem deixar os seus empregos com uma pensão gradual. Não me parece que haja desvantagem financeira para o Estado com este modelo. Houve experiências noutros países que não correram muito bem, mas penso que podemos aprender com elas."
Saúde. "Estancar a sangria de profissionais e definir um modelo claro de governação para o SNS"
Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH)
"A valorização dos profissionais de Saúde é um tema prioritário e um dos mais importantes: temos de estancar esta sangria de profissionais, desde médicos a todos os outros, incluindo administradores hospitalares. É de saudar a ideia de um eventual Orçamento do Estado retificativo que possa ser aprovado pelo Governo e pelo principal partido da oposição, de saudar que seja um dos pontos desse primeiro acordo. Depois, claramente, temos de definir um modelo claro para a governação do Serviço Nacional de Saúde.
Há muitos anos que nos andam a criar a ilusão de que os hospitais do SNS, agora Unidades Locais de Saúde (ULS), vão ter autonomia para contratar profissionais ou para fazer investimentos, como comprar equipamentos, e sucessivamente essa expectativa vai sendo gorada, não se concretiza, ainda no ano passado isso voltou a acontecer. Continuamos a ter de pedir autorização ao Ministério das Finanças para tudo e é impossível gerir hospitais assim.
É preciso garantir que os conselhos de administração têm autonomia e são responsabilizados pelo trabalho que fazem, isso é fundamental. E também qualificar a gestão dos hospitais e os próprios conselhos de administração, uma gestão que em muitos casos continua a ser feita por pessoas sem experiência, sem formação nem trajeto na área, muitas vezes por pessoas nomeadas diretamente pelos partidos políticos. É um erro que tem consequências para os hospitais, que obviamente vão dar menos acesso, vão ser menos eficientes e menos capazes de responder aos doentes. Temos de qualificar a gestão dos hospitais e isso faz-se garantindo que são geridos por pessoas com formação para tal e revendo a carreira dos gestores hospitalares, que está por rever há mais de 20 anos."
Impostos. "Concretizar a justiça fiscal"
Rogério Fernandes Ferreira, fiscalista e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
"O mais urgente é uma revisão das garantias dos contribuintes e meios de defesa dos contribuintes. Olhando para as questões relacionadas com o processo e procedimentos tributários, há dificuldades de acesso à justiça fiscal e aspetos a limar e a simplificar. Estas medidas não custam dinheiro, têm essa vantagem. Por outras palavras, implementar uma reforma do sistema fiscal, para pôr o contribuinte em primeiro lugar."
Desporto. "Reforma do estatuto do agente desportivo voluntário"
José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal
"É preciso um reforço da dotação financeira para o desporto por via do Orçamento do Estado (OE), a reforma do estatuto do agente desportivo voluntário e a reforma da administração pública desportiva."
Imigração. "Aprofundar respostas de integração"
Catarina Reis de Oliveira, diretora científica do Observatório das Migrações
"É preciso olhar para o que são os indicadores de integração e as áreas alarmantes. De uma maneira geral, há preocupações relativamente à integração dos imigrantes. A regularização é uma dimensão importante, mas não esgota as respostas de integração que é preciso aprofundar."
Ambiente. "Penalizar os maus comportamentos e investir receita fiscal em incentivos"
João Joanaz de Melo, professor universitário e presidente do Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA)
"Não há varinhas mágicas, não há uma medida que resolva todos os problemas do ambiente. Mas, se tiver de escolher só uma, diria uma reforma fiscal com enfoque no emprego e no ambiente, que é algo que é recomendado pela União Europeia há 30 anos. A ideia é, por um lado, penalizar os maus comportamentos e, por outro, investir o que se recolhe de receita fiscal em incentivos aos bons comportamentos, às iniciativas e atividades que sejam boas para o ambiente. Por exemplo, acabar com os subsídios a empresas poluentes, a autoestradas que não são necessárias ou a barragens desnecessárias, deve-se apoiar a eficiência energética, seja nas empresas seja nas casas. Esta reforma fiscal é uma medida transversal e necessária e que pode, de facto, melhorar o ambiente em muitos aspetos e dá sinais à sociedade e ao mercado que temos de poluir menos e temos de apoiar as boas ações e os bons investimentos."
Empresas. "Avançar com a dedução coletável em sede de IRC"
Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP)
"O Orçamento do Estado para 2024 falha, sobretudo, pela falta de medidas capazes de incentivar o crescimento – crescimento assente na produtividade, bem entendido –, sem o qual não será possível um aumento sustentável dos rendimentos dos portugueses. Neste sentido, penso que é fundamental avançar com a dedução à matéria coletável em sede de IRC dos montantes investidos no ativo das empresas. Esta medida insere-se na proposta de um Crédito Fiscal para a Competitividade e o Emprego, defendida pela CIP no Pacto Social. Insistimos na necessidade de o Governo e de os partidos com assento parlamentar resolverem este bloqueio que, não sendo removido – ou melhor, sem ser tratado com a importância estrutural que tem – deixará a economia portuguesa vulnerável a uma deterioração que terá efeitos concretos, imediatos, mas também de médio e longo prazos."