"Os nossos emigrantes estão completamente integrados até nos preconceitos": a "ironia" do crescimento do Chega traz para Portugal uma tendência internacional

21 mar, 07:00
Contagem de votos nos círculos da emigração (Manuel de Almeida/Lusa)

A tendência do votos dos emigrantes portugueses reflete o "modelo civilizacional que valoriza a cultura europeia e ocidental" e que está a crescer nos outros países da Europa

O crescimento do Chega nos círculos eleitorais da emigração “é mais um exemplo que confirma a regra de que o populismo cultural-identitário está em alta na Europa e na América Latina”, conclui o politólogo José Filipe Pinto, especialista no estudo dos populismos. Se nas eleições legislativas de 2022 o Chega não conseguiu representação entre os eleitores da diáspora portuguesa, desta vez venceu nos círculos da emigração, tornando-se no único partido que elegeu Fora da Europa e na Europa (a AD elegeu um deputado Fora da Europa e o PS um pela Europa).

Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal entendem que, à semelhança do que aconteceu nos círculos eleitorais do continente, os emigrantes optaram pelo Chega como “um voto de protesto”, “um voto de desencanto”, mas destacam a “ironia” do voto num partido que defende medidas apertadas para controlar a imigração. 

“É irónico constatar que uma formação política que tem uma agenda racista, xenófoba e discriminatória, em que uma rejeição primária da imigração assume um lugar bem proeminente, acaba por agradar a quem, por muitos esforços que faça, não deixa de ser visto nas terras onde vive como continuando a ser um estrangeiro”, escreve o embaixador Francisco Seixas da Costa no seu blogue pessoal Duas ou Três Coisas.

Francisco Seixas da Costa recorda os anos em que viveu em França, enquanto embaixador, entre 2009 e 2013, e durante os quais diz ter visitado várias localidades onde a comunidade portuguesa era mais expressiva. Dessas visitas, lembra como ganhou “um imenso respeito pela determinação” dos emigrantes portugueses em integrarem-se na sociedade francesa, “afirmando sempre a sua identidade portuguesa”, apesar dos obstáculos iniciais. É que muitos desses emigrantes foram para França “por dificuldades económicas” e, quando ali chegaram, foram “das comunidades mais sacrificadas”, sendo alvo de discriminação pela sociedade de acolhimento, conta o embaixador à CNN Portugal.

Por isso, Francisco Seixas da Costa diz ter ficado “surpreendido” quando se deparou, a certa altura, com uma realidade que até então desconhecia. “Há quem não saiba que, em alguns setores da nossa comunidade em França, como imagino que possa acontecer em outros países, existe uma atitude de profunda rejeição das comunidades árabes e muçulmanas”, acrescenta no mesmo texto.

Se hoje os emigrantes portugueses estão “completamente integrados” na sociedade francesa, também o estão nas tendências políticas do país. O embaixador salienta a popularidade do partido União Nacional, de Marine Le Pen, que, segundo as estatísticas, reúne atualmente o apoio de 31% da população, acima dos 18% do partido no poder, o Renascimento, de Emmanuel Macron.

“No fundo, os nossos emigrantes estão completamente integrados até nos preconceitos, no sentido discriminatório. O que é interessante ver é que transportaram isso para as urnas portuguesas nestas eleições”, sublinha.

Comunidade portuguesa no estrangeiro “não se identifica como objeto de discriminação”

O politólogo José Filipe Pinto, que tem vindo a fazer trabalho de pesquisa em várias comunidades portuguesas pela Europa, designadamente em França, na Hungria, na Chéquia, na Eslováquia e na Áustria, confirma esta teoria, dando o exemplo da Suíça, país onde o Chega obteve melhores resultados nestas eleições, confirmando uma tendência que já se tinha verificado em 2022. Recentemente, o Partido Popular Suíço (SVP) - que o politólogo descreve como um partido que “faz parte da família do Chega”, assumindo um discurso marcadamente populista - venceu as eleições federais na Suíça. 

Ora, nestas legislativas de 10 de março, “a comunidade portuguesa residente na Suíça acabou por refletir o sentimento dos suíços”, diz o politólogo. “O que não deixa de ser curioso, porque este Partido Popular Suíço fez do combate à imigração a sua principal bandeira”, sublinha, concluindo, por isso, que os portugueses nestas comunidades “não se sentem atingidos por essa onda de xenofobia”.

Quer isto dizer que “a diáspora portuguesa sente-se muito integrada no modo de vida da Suíça” e, por isso, “não se identifica como objeto de discriminação”, pelo que “também ela acaba por ter uma atitude pouco positiva face à chegada de emigrantes de outros continentes e de outra religião”, completa José Filipe Pinto.

Esta teoria mostra que "estamos perante o modelo civilizacional, que valoriza a cultura europeia e ocidental", argumenta o politólogo. Na prática, essa sobreposição da cultura europeia e ocidental "faz com que os emigrantes, mesmo alguns que tenham sentido alguma falta de recetividade na sociedade de acolhimento, tenham agora uma atitude de controlo da imigração", explica o professor da Universidade Lusófona.

No círculo fora da Europa, onde se destaca a comunidade portuguesa no Brasil, o voto no Chega já “não é determinado pela imigração, mas pela religião”, sublinha o politólogo, referindo-se à influência da Igreja Evangélica no país. Ora, segundo José Filipe Pinto, o Chega “beneficia muito da influência dos evangélicos” no país, uma vez que muitos dos seus ideais tradicionais e conservadores se sobrepõem.

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