Nos últimos meses, Luís Montenegro comprometeu-se a procurar figuras que vão para lá dos quadros do partido para se juntarem a ele num novo Governo, invocando técnicos da sociedade civil. Agora que está mais perto do que nunca de liderar um executivo, arrisca-se a levar "negas" dos convidados. É que "ninguém sabe muito bem quanto tempo é que vai durar” o próximo Governo
“Quantas negas é que o próximo primeiro-ministro vai ouvir quando pegar no telefone para convidar pessoas para ir para o Governo?” A pergunta é lançada por Anselmo Crespo, comentador da CNN Portugal. É que se “todos os Governos são difíceis de formar”, o próximo executivo tem uma tarefa “ainda mais difícil” em mãos, não só por ser um Governo minoritário, mas sobretudo porque “ninguém sabe muito bem quanto tempo é que vai durar”, sublinha.
“Será ainda mais difícil convencer pessoas a irem para o Governo, sobretudo pessoas que tenham carreiras e que tenham um percurso profissional estável”, considera o comentador.
Não obstante, há alguns nomes que têm vindo a ser apontados, a avaliar pela sua proximidade a Luís Montenegro e pelas intervenções que foram sendo feitas ao longo da campanha da Aliança Democrática (AD).
“Na Educação, um dos nomes mais bem posicionados é o de Alexandre Homem Cristo”, destaca Anselmo Crespo, acrescentando que o independente, que foi eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, foi “um dos principais porta-vozes da AD para o tema da Educação durante a campanha eleitoral”.
Na Saúde, uma das prioridades estabelecidas por Luís Montenegro ao longo da campanha, Anselmo Crespo aponta Ana Paula Martins, ex-presidente do conselho de administração do Hospital Santa Maria e ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, como “possível ministra”.
Ainda assim o líder da AD prefere esperar pela indigitação para se começar a movimentar, nomeadamente na escolha dos membros do Governo. O cabeça de lista da AD pelo Porto, Miguel Guimarães, explicou à CNN Portugal que o momento ainda é de cautela, até porque aritmeticamente ainda é possível que o PS venha a ter mais deputados do que a AD (faltam distribuir os quatro mandatos dos círculos da emigração).
O antigo bastonário da Ordem dos Médicos estava, de resto, a cumprir um dia normal – falou com a CNN Portugal a partir do Hospital de São João, onde esteve a dar consultas.
Apesar disso, há já uma ideia clara sobre quais são as prioridades, sabendo-se que Luís Montenegro prometeu um plano de emergência para reformular a saúde em 60 dias, dando início a uma reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Um dos objetivos é conseguir garantir o acesso a médicos de família a todos os utentes até ao fim de 2025, mas também reduzir o tempo de espera nas consultas e cirurgias.
Nesse caso, referiu Miguel Guimarães, a AD quer começar a envolver o setor privado, nomeadamente para dar resposta aos doentes que esperam mais do que o tempo previsto por lei.
O mesmo é dizer que a AD quer dar a hipótese aos utentes de recorrerem ao privado quando não forem atendidos dentro dos limites no público, sendo o Estado a arcar os custos. Tomando por exemplo o Hospital de São João, no Porto, o tempo de espera para um doente prioritário numa consulta de Cardiologia está em 80 dias, mais 20 do que os 60 dias previstos no Tempo Máximo de Resposta Garantido.
“Tudo isso é simples de implementar, mas só depois da indigitação”, sublinha Miguel Guimarães.
Os nomes que podem juntar-se a Montenegro no "Governo de combate"
Apesar das incertezas que ensombram o próximo Governo, outros nomes têm vindo a ser colocados em cima da mesa como putativos ministros ou secretários de Estado do executivo de Luís Montenegro.
Rui Pedro Antunes, editor de Política do Observador, considera que "todos os vice-presidentes do partido [PSD] são habilitados e fortes candidatos a integrar o próximo governo", apontando como exemplos António Leitão Amaro, Margarida Balseiro Lopes, Miguel Pinto Luz, e Paulo Rangel, sendo que este último "é um dos grandes ativos do partido e podia ser um ministro dos Negócios Estrangeiros", teoriza o jornalista, ressalvando, contudo, que "podem estar guardados para ele novos voos", deixando a questão em aberto.
Já Hugo Soares, secretário-geral do PSD, seria, para Rui Pedro Antunes, um nome "forte" para assumir a pasta da Presidência, por exemplo, tendo em conta que a sua proximidade a Luís Montenegro.
Para Rui Pedro Antunes, o líder da AD tem mesmo de apostar em nomes fortes, da sua confiança, para criar este que precisa de ser "um Governo de combate político", tendo em conta as condicionantes.
Além do 'núcleo duro' de Montenegro, o jornalista acredita que "há uma série de independentes" que poderiam juntar-se aos "nomes do aparelho" para assumir funções governativas, quer enquanto ministros, quer enquanto secretários de Estado. A título de exemplo, e à semelhança de Anselmo Crespo, Rui Pedro Antunes aponta o nome de Alexandre Homem Cristo como possível ministro da Educação, enquanto Liliana Reis, também pela sua experiência, poderia assumir funções na área das Relações Internacionais, "quer fosse para a pasta dos Assuntos Europeus, quer fosse para a pasta dos Negócios Estrangeiros".
Já o cabeça de lista de Santarém, o independente Eduardo Oliveira e Sousa, "será sempre uma das figuras no topo das apostas para ministro da Agricultura", acrescenta o jornalista.
Nuno Melo no Governo?
"Imagino que o CDS tenha a expectativa de poder ter pessoas no Governo", responde Anselmo Crespo, quando questionado sobre qual o papel do líder dos democratas-cristãos no governo de Luís Montenegro. Aliás, acrescenta, "foi sempre essa a expectativa do CDS", argumentando que, "apesar de o CDS ter hoje em dia uma expressão política muito pequena, é um partido com quadros, alguns deles com experiência governativa".
Nesse contexto, diz o comentador, "não estranharia que o futuro executivo pudesse incorporar alguns elementos do CDS", lembrando que, além de Nuno Melo, também Paulo Núncio, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi eleito pelo círculo eleitoral do Porto.
Negociar com as forças de segurança e voltar ao diálogo com os professores
Ao longo da campanha eleitoral, Luís Montenegro comprometeu-se a iniciar um diálogo com as forças de segurança e a retomar as negociações com os professores - embora com diferentes graus de compromisso.
Começando pela questão das forças de segurança, Rui Pedro Antunes lembra que o líder da AD prometeu iniciar negociações imediatas com a PSP e com a GNR no que diz respeito ao suplemento de missão já atribuído à Polícia Judiciária. "Montenegro quererá resolver isto, até para não ter polícias todos os dias em cada ação num Governo novo, que precisa de estabilidade", sublinha.
Em relação aos professores, o jornalista recorda que a AD defende a recuperação integral do tempo de serviço congelado dos professores, de forma faseada nos próximos cinco anos, enquanto o PS encurta o calendário para quatro anos. Neste contexto, diz Rui Pedro Antunes, "há aqui alguma margem de entendimento para que esta medida possa avançar, e será também uma das prioritárias pelo seu impacto, porque começar o próximo ano letivo sem professores, ou com professores desmotivados, não seria bom para este Governo de Luís Montenegro".
"Como é óbvio não será no primeiro mês ou no segundo mês que se vão resolver os problemas todos da saúde ou da educação", relativiza Anselmo Crespo, para a seguir acrescentar: "Mas os primeiros sinais políticos que o próximo Governo der vão ser muito importantes para apaziguar a contestação social, que aliás já existia antes destas eleições e que, nalguns casos, até cresceu durante as eleições."
É neste contexto que o comentador da CNN Portugal sublinha a importância da "abertura para o diálogo" e da "vontade política" do próximo Governo para "encontrar soluções para problemas que, em alguns casos, se arrastam há muitos anos", como é o caso dos professores.