Portugal é o único país da UE que vai crescer mais em plena guerra. Milagre? Competência? Economistas explicam

16 mai 2022, 22:19
Compras de Natal na baixa de Lisboa

Efeitos da guerra, regresso do turismo ou o levantamento de restrições contra a covid-19 ajudam explicar a situação. Mas os especialistas alertam para a inflação

Portugal é o único país da União Europeia que vai crescer mais do que o previsto nos anos de 2022 e 2023. As contas são da Comissão Europeia, que esta segunda-feira atualizou os dados da Economia portuguesa para um crescimento de 5,8% em 2022 (face a 5,5% na última previsão) e de 2,6% em 2023 (face a 2,5%). Apenas os Países Baixos crescem em 2022 nesta comparação (as mesmas três décimas que Portugal), mas não em 2023; e só a Irlanda viu as previsões aumentarem para 2023 (a mesma décima que Portugal), mas não em 2022.

O que explica estes dados, numa altura em que a União Europeia volta a ser fustigada por uma crise económica? Depois da covid-19, veio a guerra na Ucrânia.

Turismo, dizem eles

A Comissão Europeia aponta o regresso do turismo estrangeiro como uma das grandes razões para estes números, verificando-se uma “recuperação forte face a uma base baixa”: nos últimos dois anos houve um forte impacto provocado pela pandemia de covid-19, que deixou países altamente dependentes das viagens, como Portugal, em pior situação.

Aliado a isso poderá estar o facto de Portugal ser um dos países mais periféricos da Europa, nomeadamente em relação à Ucrânia, onde a guerra já vai no terceiro mês. Mais longe do cenário de batalha, o nosso país pode transmitir uma maior sensação de segurança. A Rússia tem ameaçado países da NATO de forma quase indiscriminada, mas Portugal parece longe desse radar, nomeadamente aos olhos dos turistas, que verão em Portugal um país mais seguro do que outros, além de todas as vantagens que já apresenta de antemão, como o calor, a praia e os preços mais baixos do que outros países europeus.

João Borges de Assunção, professor de Economia na Universidade Católica, refere à CNN Portugal que é normal esta recuperação assentar no turismo, até porque “estávamos muito atrasados”.

“O efeito da guerra pode ser benéfico. A mera distância física pode dar uma vantagem dupla: a distância e a quota de mercado”, acrescenta, mas vincando que essa não será a principal razão pela qual Portugal é o único país com revisão em alta.

Ricardo Ferraz concorda que o turismo pode ser um fator-chave. O professor de Economia da Universidade Lusófona lembra à CNN Portugal que aquele setor é “um dos principais motores da atividade económica portuguesa”.

“Foi o turismo que ajudou Portugal na recuperação financeira depois da Troika”, recorda o também investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão, apontando uma mesma semelhança em relação à crise provocada pela covid-19: “A atividade turística está a recuperar do fosso em que estava”.

O bastonário da Ordem dos Economistas, António Mendonça, aponta à CNN Portugal que está em marcha uma "recuperação da quebra no turismo", avançando que a questão da segurança será algo a ver mais tarde: "Mas há um processo em curso de recuperação em curso", refere.

"Há uma previsão otimista em relação a Portugal", vinca, falando em valores "significativos", mas alertando para um "quadro de incerteza muito grande", nomeadamente por causa dos efeitos da guerra que podem chegar de forma indireta, "em cadeia".

A confirmação de uma tendência (e a recuperação mais tardia)

João Borges de Assunção diz que esta reavaliação deverá ter como um dos grandes fatores um crescimento muito forte no primeiro trimestre, ao contrário daquilo que aconteceu com outras economias.

“Esta revisão tem, sobretudo, que ver com os dados muito fortes do primeiro trimestre, que foram uma surpresa para toda a gente”, afirma o economista.

O economista sublinha que o mais importante é perceber os diferentes dados, mas destaca a importância da queda portuguesa em 2020 e da fraca recuperação em 2021. É que Portugal foi um dos países com maior recessão no primeiro ano da covid-19, com a economia a recuar 8,4%. Só Espanha (10,8%) e Grécia (9%) tiveram recessões maiores.

Em sentido contrário, Portugal foi dos que menos recuperou em 2021 (apenas 4,9%), bastante abaixo de muitos outros países, pelo que os dados agora verificados podem ser sinal de uma recuperação mais tardia.

“No quarto trimestre [de 2021] estávamos muito atrasados relativamente a toda a gente. No primeiro trimestre [de 2022] ficámos à frente. Penso que a Comissão Europeia está a integrar os bons dados do primeiro trimestre”, sublinha.

Ricardo Ferraz também aponta o “forte crescimento do início do ano” como uma das grandes razões para esta revisão. O professor da Universidade Lusófona admite que o valor do primeiro trimestre, que “pode ter surpreendido a Comissão Europeia”, é um indicador-chave: “O primeiro trimestre foi mais positivo, e isso automaticamente leva a uma revisão do valor em alta”.

Mas o professor universitário aponta a importância de um maior esforço para que a recuperação se note para lá de 2023: “Há uma grande recuperação face ao ano anterior. O turismo foi muito penalizado, mas as coisas atingem a normalidade e voltaremos a ter um valor normal em 2023”.

“Só vamos ficar em primeiro lugar porque também caímos muito”, conclui.

O bastonário da Ordem dos Economistas sublinha que "é perfeitamente natural crescer mais quando se perdeu mais".

A (menor) dependência energética

João Borges de Assunção não vê esta como uma explicação, até porque, como refere, os preços são estabelecidos de forma genérica para a União Europeia. Ainda assim, diz, a menor dependência portuguesa de combustíveis fósseis vindos da Rússia pode implicar uma maior estabilidade face a países mais dependentes, como são os casos de República Checa ou Alemanha, por exemplo.

Já Ricardo Ferraz vê uma possível relação, sinalizando uma matriz de risco apresentada pela Comissão Europeia, e que mostra os diferentes riscos de cada país em relação à Rússia.

“Portugal é um dos países com menor risco de exposição à Rússia”, afirma, destacando que muitos países têm revisões em baixa, o que poderá estar relacionado precisamente com uma maior dependência nesse sentido.

António Mendonça destaca que Portugal tem uma menor dependência deste fator relativamente a outras economias: "Portugal, desse ponto de vista, é um país menos dependente, mais diversificado".

O antigo ministro das Obras Públicas também ressalva a menor dimensão do país face por exemplo à Alemanha, pelo que a indústria também requer menos energia daquela fonte.

Restrições da covid-19 duraram até mais tarde

Outro efeito que poderá estar a beneficiar Portugal é o levantamento de algumas das medidas restritivas contra a covid-19. Fomos dos últimos países a liberalizar o uso de máscaras em vários locais, como restaurantes ou centros comerciais.

“Até ao quarto trimestre [de 2021] éramos o país mais atrasado na recuperação dentro da Zona Euro”, lembra João Borges de Assunção, insistindo que os dados do primeiro trimestre foram muito mais positivos em comparação com o período pré-pandemia.

Ricardo Ferraz diz que são necessários mais dados para estabelecer uma relação clara entre a revisão em alta e o fim de algumas restrições, mas aponta: “Parecem ter em conta que não voltará a haver grandes problemas com a pandemia, mas sabemos que a pandemia está de novo a agravar-se”.

Esse agravamento, diz o professor de Economia, “deitaria por terra esta recuperação portuguesa”.

O perigo da inflação

Se as previsões económicas foram revistas em alta, também a inflação o foi.

Portugal deve ter uma subida dos preços calculada em 4,4%, mais 2,1 pontos percentuais que o anteriormente perspetivado. Mesmo se ficando abaixo dos 6,1% previstos para a Zona Euro, esse dado indica que os portugueses devem perder poder de compra ao longo deste ano.

Com efeito, e de acordo com os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, "a remuneração bruta mensal média por trabalhador aumentou 2,2% para 1.258 euros no primeiro trimestre de 2022”, mas, em termos reais, “diminuiu 2%”.

Em causa está a confrontação entre aumentos nominais de salários e evolução real dos rendimentos, isto é, descontando a inflação. E a inflação cresceu mais do que os rendimentos, pelo que, em média, os portugueses perderam poder de compra nos primeiros três meses deste ano.

A Comissão Europeia prevê que a inflação em Portugal atinja o pico no segundo trimestre deste ano e modere gradualmente a partir daí.

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