Elon Musk está longe de ser uma figura pouco controversa no mundo da tecnologia ou noutro mundo qualquer (algo que faz dele uma das pessoas mais inovadoras do mundo), seja porque não se rende aos modelos e players de negócios contemporâneos, seja porque cria algo que ainda não existe. A história desta forma de estar na vida sem querer se encaixar no modelo existente começou há muitos anos com o Zip2. Estou a falar de 1994, Musk queria algo que concorresse diretamente com as Páginas Amarelas pois não via no serviço conteúdo que se ajustasse às necessidades das pessoas, mas sim as pessoas a terem de se ajustar ao modelo dessa entidade. Com toda a força da sua incapacidade de conformar, lança um serviço que acabou por ser vendido à gigante Compaq por 22 milhões de dólares; uma verba impressionante para algo que iniciou por 28 mil dólares, representando 7% da empresa Zip2.
Há quem questione o modelo de negócio e diga mesmo que Musk procura sempre ganhar dinheiro imitando serviços existentes de grandes entidades, mas o dia a dia mostra-nos que é um inconformado e que prefere criar e correr o risco de falir a juntar-se ao status quo. Ainda assim, não deixa de ser interessante como salta de criação em criação e que a cada salto sobe a parada desde que fundou o PayPal até que estabelece a Tesla e as suas fábricas; como se carros e fábricas já não fossem inovadoras que bastasse, tinha de criar o verdadeiro pioneiro carro elétrico das massas. Seja como for, Musk não gosta de ser normalizado e prepara as mudanças que idealiza com ruído, muito ruído.
A tecnologia tem formas interessantes de avançar e conheço duas, a silenciosa e a ruidosa, mas apenas uma é considerada a Disrupção Digital: a silenciosa. Esta forma mais tradicional assenta nos avanços científicos, na criação de produtos, na inovação empresarial e numa espécie de evolução das coisas, isto é, temos um produto e a seguir vem a versão dois desse produto com mais conteúdo. A outra forma é aquela que Musk usa, a de combater tudo e todos da forma mais barulhenta possível entrando à força no mercado mesmo quando só vem com uma ideia e não um produto, tal e qual como fez com a Tesla ou com a SpaceX. Esta forma mais impactante assenta muito bem nos tempos mais recentes em que as coisas mudam para ele, de forma sistematicamente lenta, com reinvenções e renovações anuais. Cansado de um modelo de produto 1 e passado um ano o produto 2 e depois o 3 e por aí em diante, Musk prepara o que quer apresentar ou mudar no paradigma atual com verbalizações, ou melhor dito, com anúncios que criam sempre surpresa e até algum espanto. Este espanto é aproveitado para fazer notícias inflamadas, ou sectoriais, e depois passado algum tempo Musk aparece com o que queria anunciar meses antes, a sua disrupção.
Devo confessar que considero este tipo de atuação uma espécie de pêndulo na inovação e dos avanços na tecnologia. Sem ela, a evolução torna-se mais estanque e mais isolada, permitindo a que haja evoluções e não transformações. Acontece também que isto não é bem visto na maior parte das escolas, empresas e centros de inovação, sendo muitas vezes consideradas estas pessoas como os “tolos”. A realidade mostra-nos que a normalidade quer andar a “40 km/hora” e que reage mal a quem quer crescer, criar e inovar. Há uma espécie de rejeição de pessoas como Musk porque elas são, quer se goste ou não, com sucesso ou não, as pessoas que lançam desafios a tudo e que questionam tudo, e sem questões e sem inconformidades não há evolução e não há criação livre de tabus e conceitos pré formados.
Nos últimos dias assistimos a um planeta digital a reagir negativamente a mais uma ação típica de Musk, o querer limitar o acesso aos conteúdos do Twitter de forma mais ou menos gratuita. Já no ano passado ele alterava o ecossistema Twitter para que este reflita mais a sua personalidade e pese embora o mundo que o Twitter é e o quão inovador é, para Musk não é bem aquilo que ele acha que o Twitter deve ser. Assim, anda já há imenso tempo a ameaçar despedir e a ameaçar contratar, a enviar para casa e a chamar de casa os colaboradores, a banir a aceitar de volta utilizadores sonantes e controversos, e.g., Trump e mesmo a deixar na mão do povo decisões estratégicas como se deve ou não ficar à frente da empresa. Este é Musk, o homem que quer rentabilizar tudo aquilo em que toca e que agora quer aplicar ao Twitter o mesmo que já foi aplicado pela indústria dos media às notícias. Para quem não se recorda, há uns anos os media criaram constrangimentos às redes sociais para usarem as suas notícias uma vez que estas acabavam por ser fonte de alimentação para as redes sociais, desviando tráfego dos sites dos media e por conseguinte, baixando a receita da publicidade nessas plataformas. À altura, Musk já se havia mostrado descontente com esta ação e esperou até agora para pagar na mesma medida, e como?
A verdade é que a ação anterior dos media mostrou que o negócio está frágil e que há uma necessidade de receita imensa. Todas as semanas são notícia as fragilidades do meio e há um pouco por todo o mundo jornais e sites a fechar, e os que abrem, fazem-no com conteúdo de terceiros, isto é, repassam noticias. Neste modelo existente, as redes sociais possuem um papel fenomenal e o Twitter não é uma rede normal (e se fosse, a Meta não iria agora lançar algo similar para concorrer com ele, a Threads, que irá ver a luz do dia precisamente quando eu a vi a primeira vez, a 6 de julho).
Neste momento a maior fonte de notícias são as redes sociais e a principal é o Twitter, este último reduto onde tudo se pode dizer e gritar sem receios de contas banidas. Aqui as pessoas pasmam nos comentários e pouco nas publicações, sendo mesmo a caixa de comentários o local onde passa a maior parte do tempo; se dúvidas houvesse deste meu raciocínio, aproveito para mostrar o último post de Musk, que mostra o reflexo do cliente Twitter e que se tornou a publicação com mais likes da rede.
Oh hi lol pic.twitter.com/pLxkLDu0Qs
— Elon Musk (@elonmusk) June 18, 2023
Aqui neste modelo, são agora os media que seguem atentamente as personalidades e entidades com conta lá e para ganhar audiência possuem sistemas que estão sistematicamente a ler o seu conteúdo, vulgarmente conhecido por parsers (programa informático que lê conteúdo de um site e retira o que necessita de acordo com determinadas palavras-chave).
É aqui que a novidade entra pois há uma forma de antecipar receita com a criação de patamares de acesso a conteúdo do Twitter, mas para isso foi necessário ser disruptivo no passado. Certamente o leitor recorda-se que há pouco Musk criou as contas verificadas onde cada utilizador foi convidado a pagar um valor mensal. Este modelo permite a entrada de um modelo novo baseado em permissões premium e foi na minha opinião a porta de entrada para o que vemos agora, um limite diário que em breve estará certamente escalonado em função de uma mensalidade para pessoas individuais e outra para pessoas coletivas.
Este é Elon Musk, o homem que antes de tomar decisões estratégicas testa o mercado com ruído e pressão, mesmo que uns dias depois altere as suas decisões como certamente vai fazer com os limites por ele criados para ver publicações no Twitter.
Se correr mal não há problema pois o importante é que se fale e no fim de contas as redes sociais vivem de quem fala e de quem ouve e Elon Musk vive deste e neste furacão por ele criado e mantido.