“Os jovens não leem, fazem ‘scan’”. Um conselho para os políticos: “Falem com eles antes de definirem uma estratégia”

5 fev, 09:00
Jovens militantes do Chega (FOTO: Joana Moser)

A forma como os líderes políticos se apresentam é crucial, tanto na realidade como no vasto mundo digital. E as estratégias dos partidos também. No meio de tanto marketing político, surge a questão: como conquistar verdadeiramente a atenção dos jovens? A CNN Portugal falou com três especialistas. E todos eles sublinham a importância da presença dos partidos nas redes sociais

Um usa gravata azul, outro, gravata vermelha. Depois temos um que nem gravata usa. E ainda há outro que prefere uma gola alta, estilo Steve Jobs. Elas sempre de blazer. Uma de risco ao lado, outra arrisca com um eyeliner preto. São tantas as formas como um líder político se pode apresentar ao público que tem de haver uma estratégia. E no meio de tanta informação e marketing político, qual será a melhor forma de captar a atenção dos jovens? 

O modo como nos apresentamos tem influência não só na realidade, mas também no mundo digital. Luís Bernardo, especialista em marketing político, explica que o espaço digital “beneficia de comunicação direta com o eleitor”. “Temos de ter a noção que todo o tipo de comunicação que os mais jovens (menores de 30 anos) absorvem é online”. Hugo Santos e Manuel Gonçalves concordam. É, sobretudo, através das redes sociais que ‘consomem’ informação. 

Hugo Santos, tem 21 anos, e segue política durante todo o ano. “Gosto sobretudo de ‘posts’ mais trabalhados, sem ser uma imagem estática”, diz o jovem, mestrando de filosofia política, dando como exemplo os carrosséis do Instagram usados por alguns partidos, com gráficos e dados concretos. Hugo diz que apenas usa o Instagram e considera que os vídeos são o conteúdo mais apelativo. Já Manuel Gonçalves, de 27 anos, é nas redes sociais que acede às manchetes dos órgãos de comunicação social. “É através das redes sociais que recebo as notícias, quando me interessa o tema abro o artigo no computador”, explica o jovem advogado. Tal como Hugo, Manuel apenas usa o Instagram, diz que o Twitter é “muito violento”. Também gosta do formato de vídeo, mas recorre sempre aos vídeos oficiais - vindos de órgãos de comunicação social, explica. 

Para Luís Bernardo, é “inconcebível” que haja partidos que não percebem a importância de estar presente no Instagram ou no TikTok. “Parece que vivem noutra realidade. É por isso que há uma grande fragilidade dos partidos tradicionais", explica. E não é o único a dar tanta importância às redes sociais, para Raphael Primos, também especialista em marketing e comunicação, “as redes sociais são a nova arena política”. “Há jovens que não conhecem a política sem ser através da internet”, frisa.

Risoleta Miranda, também especialista em marketing político, relembra que a arena política digital não se centra apenas nos canais tradicionais, mas também nos grupos de WhatsApp. “Muitas vezes, um jovem sabe uma informação por um grupo de WhatsApp e nem sequer vai confirmar a veracidade”, sublinha, destacando que pode ser difícil saber a origem da informação. 

Para os três especialistas é, assim, fundamental que os partidos políticos marquem presença nas redes sociais. 

Linguagem de redes sociais

Raphael Primos sublinha a importância de os partidos compreenderem a dinâmica e o tipo de linguagem do mundo digital. Isto porque, nas redes sociais há uma forma “muito peculiar” de comunicar e criar diálogos com os jovens. Contudo, o especialista reconhece que se torna um problema quando a política permanece nas redes sociais. É também um problema a falta de controlo das vozes políticas nas redes sociais. Raphael destaca o fenômeno da enorme presença da extrema-direita no mundo digital, que a seu ver “usa muito bem essas ferramentas”. Olhando para Portugal, Raphael destaca as redes do partido Chega. “Usa o absurdo e tem um discurso mais extremo. Algo que no debate público formal de há uns anos não se tolerava. Agora o digital dá espaço para isso”, desenvolve.

Luis Bernardo também destaca o Chega. Diz que é o único partido que se percebe que tem uma estratégica específica direcionada aos jovens. “André Ventura é o primeiro candidato que o faz bem. Talvez pela sua origem”, justifica o especialista, relembrando a experiência de Ventura no Benfica, onde teve a possibilidade de perceber a importância da comunicação digital. “Vejo também que a deputada Rita Matias também tem ali alguns conhecimentos”, acrescenta.

Nota: numa entrevista que a CNN Portugal fez a Rita Matias durante a VI Convenção do Chega em Viana do Castelo, a própria reconheceu a apetência de André Ventura para as redes sociais. Segundo Matias, é ele que tem a maioria das ideias para vídeos no Tiktok. 

“É um partido que aposta mais nesta comunicação direta e percebe a importância de ter uma estratégia e plano para as redes digitais”. Contrariamente ao Bloco de Esquerda que quando surgiu “tinha uma certa frescura”, agora está “invisível”. “A sua presença social é praticamente inexistente”, afirma Luis Bernardo. 

Raphael Primos destaca ainda a enorme quantidade de conteúdo que os jovens têm acesso. “Já não há uma realidade de media centralizada onde há certas vozes que ditam ou orientam a juventude”, diz Raphael, explicando que o mundo digital é composto por “canais dispersos de todos os espectros políticos, com várias vozes que orientam as pessoas”. “Assim, é fundamental no marketing político dominar essas linguagens”. 

Há uma estética específica que atrai mais os jovens. Raphael prioriza vídeos curtos, linguagem clara e mensagens eficazes. Diz que os jovens preferem algo que pareça orgânico, “tem de soar autêntico” (mesmo que não o seja). “Os partidos devem aprender a navegar no universo de multilinguagem audiovisual”, acrescenta, dando como exemplo alguns jovens que têm vindo a publicar vídeos explicativos sobre o funcionamento da política. 

O jovem Manuel Gonçalves diz que “os jovens estão cada vez mais impacientes” pelo que, a mensagem tem de ser “eficaz e concisa”. “A resposta tem de estar à vista”, acrescenta. O advogado sugere a criação de “um jornal de notícias ultra resumido”. Funcionaria como uma aplicação de telemóvel que em cinco minutos resumia o que se passa no país e no mundo. 

A especialista em marketing político, Risoleta Miranda, vai ao encontro da ótica de Manuel, e lembra que os jovens são “imediatistas” e têm “um grau de atenção pequeno e dividido”. “Os jovens não leem, fazem ‘scan’”, afirma a especialista, explicando que a mensagem tem de ser direta - “como eram as antigas mensagens de outdoor”. 

‘Outdoors’: são uma estratégia a manter?

Luis Bernardo diz que sim e sublinha que “os ‘outdoors’ (cartazes de rua) estão a ganhar uma preponderância muito interessante”. “No meio do ruído é um dos poucos produtos que sobressaem”, frisa. Para o especialista, os ‘outdoors’ são o maior elemento de comunicação política nas pequenas localidades e zonas do interior. “É o elemento de identificação e de notoriedade dos candidatos”. Em muitos países europeus, como Inglaterra, França e Alemanha, os ‘outdoors’ têm sido também um fenómeno. 

Aliás, o que acontece é que quando são muito bons, acabam nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, ganhando outra dimensão e acabando por retroalimentarem-se, destaca Raphael Primos. “Se os media digitais fossem suficientes, a Apple não precisava de fazer billboards”. Assim, os melhores cartazes levam a debates nas redes sociais, especialmente os que utilizam uma linguagem mais provocadora. 

Manuel Gonçalves diz que costuma reparar nos cartazes. “Marcam uma posição, parece que o PS e o PSD já perceberam, o Chega não”, repara o jovem, elogiando os cartazes políticos da Iniciativa Liberal. 

Identidade visual

No que toca à identidade visual dos líderes dos partidos, Risoleta Miranda sublinha que todos devem ser autênticos. “É preciso parecer o que são, não devem exagerar”. Raphael Primos partilha a mesma opinião, diz que “o marketing é bom quando não tem cara de marketing”. 

Já Luis Bernardo destaca que aos jovens importa a forma como os líderes “transmitem o carisma”. “A pessoa tem de sentir que está a ouvir alguém que é credível e forte”, diz o especialista, acrescentando que, “os jovens estão abertos ao que é fora da caixa”. Assim, aos jovens interessa ouvir aquilo que lhes diga “diretamente respeito” e que “vá de encontro com alguma linha de pensamento que tenha algum sentimento”. “Já não têm paciência para aquele discurso muito politicamente correto”, acrescenta.

Risoleta concorda, sublinhando que aos jovens interessam as causas que os partidos defendem, como a inclusão, o ambiente ou as questões de identidade de género. Contudo, diz que a causa apenas importa, caso seja comprovada. "Não basta dizer que defende uma causa". 

Na perspetiva de Risoleta Miranda, os três focos do marketing político direcionado para os jovens são a transparência, a autenticidade e a defesa de uma causa. Luis Bernardo apela aos partidos políticos que se aconselhem junto dos jovens. “Um conselho a todos os políticos: “ouçam os jovens, falem com eles antes de definirem uma estratégia”. 

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