Cristais antigos revelam a mais antiga prova de água doce

CNN , Katie Hunt
15 jun, 16:00
Um dos locais onde a rocha que contém cristais de zircão foi recolhida em Jack Hills, na Austrália Ocidental (Hamed Gamaleldien)

Uma nova análise de antigos grãos de cristal incrustados em rochas do interior da Austrália sugere que a Terra tinha terra seca e água doce há cerca de quatro mil milhões de anos – numa altura em que os cientistas pensavam que o planeta estava completamente coberto de oceanos.

As pistas químicas contidas nos cristais revelam que as rochas quentes e fundidas que lhes deram origem entraram em contacto com água doce durante a sua formação, segundo um estudo publicado a 3 de junho na revista Nature Geoscience.

"Examinando a idade e os isótopos de oxigénio em pequenos cristais do mineral zircão, encontrámos assinaturas isotópicas invulgarmente leves que remontam a quatro mil milhões de anos atrás", afirma o autor principal do estudo, Hamed Gamaleldien, investigador adjunto da Escola de Ciências da Terra e Planetárias da Universidade de Curtin, na Austrália, e professor assistente da Universidade Khalifa, nos Emirados Árabes Unidos, num comunicado de imprensa. "Estes isótopos leves de oxigénio são normalmente o resultado de água doce quente que altera rochas a vários quilómetros abaixo da superfície da Terra."

Gamaleldien diz que a evidência da presença de água doce só poderia ser explicada pela existência de terra seca – onde a água se acumularia e se infiltraria na crosta continental.

"Temos aqui duas coisas importantes. Descobrimos os primeiros indícios de água doce e indícios representativos de terra seca acima do mar", acrescenta.

A investigação indica que o ciclo da água na Terra – quando a água se move entre a terra, os oceanos e a atmosfera através da evaporação e da precipitação – estava a funcionar nessa altura.

Esta descoberta, segundo os autores, significa que a receita para a origem da vida existia menos de 600 milhões de anos após a formação da Terra, muito antes dos dinossauros ou mesmo da vida microbiana mais antiga até hoje conhecida. Os primeiros indícios de vida – e de água doce – são os estromatólitos, micróbios fossilizados que formaram montes em fontes termais há 3,5 mil milhões de anos, diz Gamaleldien.

"Esta descoberta não só lança luz sobre os primórdios da história da Terra, como também sugere que as massas de terra e a água doce prepararam o terreno para o florescimento da vida num período de tempo relativamente curto - menos de 600 milhões de anos após a formação do planeta", afirma o coautor do estudo, Hugo Olierook, investigador sénior da Escola de Ciências da Terra e Planetárias de Curtin, num comunicado.

"As descobertas marcam um passo significativo na nossa compreensão do início da história da Terra e abrem portas para uma maior exploração das origens da vida", acrescenta.

Grãos de zircão​​​​​​ contêm​ isótopos de oxigénio que revelam informação sobre o ambiente em que se formaram. (Hamed Gamaleldien)

Um portal para a Terra primitiva

O Éon Hadeano, que decorreu entre 4,5 mil milhões e 4 mil milhões de anos atrás, é o capítulo mais antigo da história da Terra e uma idade obscura geológica que é pouco compreendida porque os geólogos simplesmente não têm rochas tão antigas para estudar: As rochas mais antigas conhecidas têm 4 mil milhões de anos.

Então, como é que os cristais de zircão funcionam como um portal para a história mais antiga do planeta? Os pequenos grãos minerais são particularmente resistentes e podem ser cimentados em rochas mais jovens. Os zircões do estudo foram encontrados em arenito laranja com 3,1 mil milhões de anos da formação de Jack Hills, um afloramento de rocha desgastada na Austrália Ocidental.

O que torna os zircões particularmente úteis para os geólogos é o facto de incorporarem um pouco de urânio na sua estrutura e os cientistas poderem identificar a sua idade medindo o decaimento radioativo dos iões de urânio. O material mais antigo de origem terrestre foi um zircão encontrado na formação de Jack Hills, datado de há 4,4 mil milhões de anos.

"O zircão é um mineral único. É altamente resistente e não se altera (com o tempo)", diz Gamaleldien. "É a única testemunha do período Hadeano."

Para chegarem às suas conclusões, os investigadores extraíram, montaram e poliram 2.500 grãos de zircão – da largura de dois ou três fios de cabelo humano – antes de datarem 1.400 deles e medirem diferentes isótopos, ou versões deles, de oxigénio no interior dos zircões.

A água salgada contém isótopos de oxigénio mais pesados, que são resistentes à evaporação, enquanto a água da chuva contém isótopos mais leves, diz Gamaleldien. Dois cristais de zircão mostraram evidências isotópicas de água meteórica ou doce; um tinha 4 mil milhões de anos, enquanto o outro tinha 3,4 mil milhões de anos, disse.

A equipa efectuou 10.000 simulações da composição do zircão utilizando um modelo informático – como as rochas fundidas quentes se misturaram com água do mar, água da chuva ou uma combinação de ambas – e descobriu que só com alguma água doce poderiam explicar a assinatura isotópica clara dos seus zircões.

Condições para a origem da vida

Gamaleldien diz ser impossível saber, com base no seu trabalho, se teriam existido grandes massas de terra, mas teria havido alguma terra seca acima do nível do mar. Para além disso, a terra e a água doce, que provavelmente teria caído sob a forma de chuva, teriam fornecido os ingredientes essenciais para a origem da vida, afirma.

Os cientistas têm diferentes teorias sobre as origens da vida na Terra. Alguns acreditam que se formou em torno de fontes oceânicas profundas, mas outros suspeitam que surgiu em massas de água pouco profundas em terra. Gamaleldien diz que as novas descobertas apoiam a última hipótese e os investigadores querem recuperar mais zircões para análise geoquímica, a fim de investigar mais.

John Valley, professor de geociências na Universidade de Wisconsin-Madison, concorda que as condições para a vida poderiam ter existido na Terra há tanto tempo. Valley não esteve envolvido na nova investigação, mas foi um dos primeiros cientistas a utilizar zircões para mostrar que a Terra tinha oceanos antigos e temperaturas mais frias há mais de 4 mil milhões de anos, desafiando a ideia de que a Terra Hadeana era um globo infernal com mares ardentes de magma.

No entanto, diz que o fluido com que o precursor do zircão entrou em contacto poderia ter sido água da chuva ou água do mar e que o modelo informático que os autores do estudo utilizaram assumia que a composição isotópica do oceano hadeano era idêntica à dos oceanos actuais.

"A principal novidade do novo artigo é a conclusão de que a água da chuva significa que as rochas estavam (em terra) ... e não submarinas", diz Valley. "Isto sempre foi considerado como uma possibilidade, mas não foram apresentadas novas provas que permitam saber isso".

A geoquímica Beth Ann Bell, investigadora assistente no departamento de ciências da terra, planetárias e espaciais da UCLA, diz que os valores de isótopos muito leves "são um forte argumento" para as interacções entre rocha e água doce durante o período Hadeano, o que implica alguma quantidade de terra seca nessa altura. Ela não integrou o estudo.

"O zircão é fisicamente resistente e não se desgasta à superfície da Terra", afirma Bell por email. "Sobrevive rotineiramente a milhares de milhões de anos na crosta e à superfície com a sua informação geoquímica [intacta]."

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