O jogo de forças vai ser complexo
Depois de o país mergulhar em crise política, a primeira sondagem coloca PS e PSD em empate técnico. E dificuldades nas alianças tanto à esquerda como à direita. Se o cenário se repetisse na noite eleitoral, a 10 de março, que cenários se impunham ao Presidente da República? Foi o que tentámos perceber com politólogos.
E há uma posição partilhada: “é um cenário difícil do ponto de vista da governabilidade”. Marcelo Rebelo de Sousa, dizem, terá de procurar as condições mínimas para que a legislatura se mantenha durante quatro anos, evitando que o Chefe de Estado tenha de recorrer pela terceira vez à chamada “bomba atómica”.
Para que as coisas fiquem mais claras, argumentam os especialistas, é preciso perceber que líder o PS levará às urnas, se Pedro Nuno Santos ou José Luís Carneiro. Porque isso poderá ditar as relações tanto à esquerda como á direita.
Em qualquer dos cenários, apontam, Marcelo terá de ter conversas bem “esclarecedoras” com o PS e o PSD, para decidir a quem atribui a governação.
Cenário 1. PS ganha com Pedro Nuno Santos e tenta reeditar a gerigonça
Pedro Nuno Santos é apontado como o sucessor mais provável no PS. Na hora de apresentar a candidatura à liderança dos socialistas, lembrou que os portugueses conhecem as suas qualidades e defeitos. E, para alguns analistas, a maior qualidade é clara: o seu papel de negociador à esquerda durante a geringonça.
Se o PS não conseguir renovar a maioria absoluta, que é o mais provável, um dos cenários que se coloca é a reedição da geringonça. Até porque o alinhamento de Pedro Nuno Santos à esquerda é sobejamente conhecido.
“Acredito que Marcelo, ouvindo os partidos, seria mais favorável a um governo à esquerda, porque a geringonça já foi uma realidade. No seu discurso, Pedro Nuno Santos lembrou que foi destruída essa barreira da esquerda. A geringonça 2.0 pode realizar-se porque se rasgou um tabu: os partidos eurocéticos não puseram em causa as metas de Portugal no contexto da União Europeia”, explica o politólogo João Pacheco.
Para essa luz verde do Presidente, será determinante a postura assumida pela bloquista Mariana Mortágua e pelo comunista Paulo Raimundo. Contudo, para vincar garantias, os politólogos ouvidos pela CNN Portugal admitem que Marcelo, à semelhança do que fez Cavaco Silva em 2015, venha a exigir um acordo formal entre partidos.
“Acho que [o acordo formal] era a solução neste momento, até porque a segunda vez sem acordo escrito não funcionou [com o chumbo de BE e PCP ao Orçamento do Estado, que ditou a queda do segundo Governo de António Costa]”, considera a politóloga Paula do Espírito Santo.
O que integra este acordo é que seria o grande desafio. O politólogo José Filipe Pinto argumenta que, para a viabilização de um Governo PS, o Bloco de Esquerda iria “exigir integrar” esse mesmo executivo. Seria um passo em frente face ao passado, não assentando apenas em acordo parlamentar.
Opinião diferente tem o politólogo Bruno Gonçalves Bernardes, que lembra que o papel do Bloco de Esquerda é de oposição, não abdicando dessa posição. Entre as condições que poderiam ser postas em cima da mesa, diz, está a não-privatização da TAP. “Não iria acontecer, de certeza”, considera. E deixa a ressalva: “não seria positivo” para o PS apresentar-se antes das eleições com essa ideia.
Depois das eleições, sim, as conversas vão ser muitas para fechar alianças. E não se deve esquecer o papel que o PAN e o Livre podem ter para fechar contas.
Cenário 2. PS com José Luís Carneiro tenta bloco central
José Luís Carneiro, associado à ala moderada do PS, não descarta um cenário de bloco central. Quando apresentou a candidatura, admitiu viabilizar um governo minoritário do PSD para evitar que o Chega alcançasse o poder.
Mas esta aproximação ao PSD, mesmo que os socialistas ganhem, não é um cenário que os politólogos vejam grandes probabilidades de acontecer.
“O bloco central não se irá verificar nem com José Luís Carneiro nem com Pedro Nuno Santos. José Luís Carneiro e Luís Montenegro [presidente do PSD] têm uma semelhança: não estão prontos para ganhar eleições. E não estão interessados num bloco central”, diz João Pacheco.
A ideia de um bloco central para afastar o Chega, diz, coloca em segundo plano aquilo que seria a principal vantagem de uma solução como esta: um espírito reformista e o compromisso para aplicar essas mudanças a longo prazo.
Também Paula do Espírito Santo insiste que a convergência num bloco central “passaria pela proximidade das lideranças e o traçar de metas no plano económico”. Algo que, consideram os especialistas, seria prejudicial para Pedro Nuno Santos, mais alinhado naturalmente à esquerda, embora a moderar o discurso para o centro.
Há mesmo a ressalva de que a ideia de um bloco central não é algo inerente a José Luís Carneiro, tendo apenas surgido na sequência de uma pergunta de uma jornalista.
Cenário 3. PSD tenta geringonça à direita
Não seria a primeira vez que o PSD tentaria uma aliança de forças à direita. Fê-lo nos Açores. A grande barreira nas próximas legislativas está mesmo na “linha vermelha ou cordão sanitário” que Luís Montenegro colocou claramente à volta do Chega.
À CNN Portugal, os politólogos consideram que uma aliança com a Iniciativa Liberal e CDS-PP deverá ser sempre insuficiente para assegurar uma maioria parlamentar. À direita, a solução terá de contar sempre com o Chega. Como, se Montenegro já disse que não conta com o partido de André Ventura para nada?
“Se o Chega der apoio parlamentar, acho difícil [o Presidente] não dar vazão a isso”, explica Bruno Gonçalves Bernardes. Recorde-se que Ventura já afirmou que o Presidente da República lhe confidenciou que não se oporia a um Governo do PSD com membros do Chega. Mas esse cenário seria um voltar atrás na palavra de Montenegro.
Ora, o apoio parlamentar do Chega ao PSD – com a garantias de abstenção ou aprovação nos Orçamentos do Estado - seria o caminho mais direto para uma solução à direita. Mesmo que não solicitado pelos sociais-democratas. Ventura poderá, com este caminho, afirmar-se como um viabilizador da direita. Os politólogos também se dividem se o Chega quererá mesmo fazer parte de Governo liderado por outro partido, recordando o seu papel natural de oposição e antissistema.
“Vai depender muito da expressão do Chega. Se o PSD ficar excessivamente dependente do Chega, o grau de chantagem pode ser maior. O que faria o Presidente da República colocar de lado essa possibilidade”, descreve João Pacheco.
Um acordo escrito poderia também ser uma garantia adicional de estabilidade à direita. Mas os politólogos lembram que, tendo em conta o percurso do partido, a palavra dada poderá cair a qualquer momento.
Cenário 4. PSD tenta aproximação ao PS
“O cenário ideal para Montenegro era que José Luís Carneiro fosse o secretário-geral do PS e reafirmasse o que disse na apresentação da candidatura”, resume José Filipe Pinto. Isto porque Carneiro admitiu que viabilizaria um governo minoritário do PSD para afastar o Chega do poder.
Seria um garante de estabilidade com dois possíveis impactos. Primeiro, junto dos eleitores, em especial ao centro, que poderiam deslocar-se para o voto no PSD. Depois, para Marcelo, que veria nesse compromisso condições para que Montenegro governasse.
Mas esse cenário só seria possível, diz Paula do Espírito Santo, com José Luís Carneiro. Pedro Nuno Santos, embora se tenha vindo a moderar no discurso, piscando o olho ao centro, não deveria embarcar nessa realidade.
“É sempre uma solução de recurso, contra um suposto mal político maior. José Luís Carneiro seria a figura a permitir essa viabilização de um acordo com o PS, para evitar o mal maior que é a força do Chega”, descreve.
Cenário 5. Governo minoritário sem apoios prévios
Há um outro cenário que os politólogos não descartam, embora avisem que seria muito difícil em termos de governabilidade, com riscos reputacionais para o próprio Presidente da República. Não é um cenário inovador, antes pelo contrário. Já aconteceu no passado: ganhasse PS ou PSD com uma maioria relativa, Marcelo atribuiria a governação ao partido mais votado, sem que estes tivessem à partida uma clarificação dos apoios que conseguem granjear a nível parlamentar. É um cenário, dizem os especialistas, que obrigaria o partido no Governo a negociações constantes tanto à esquerda como à direita, no sentido de incluir medidas que permitissem a viabilização dos orçamentos a cada ano.
Muito pode mudar até 10 de março
A sondagem revelada esta segunda-feira pela TVI e CNN Portugal foi a primeira deste contexto de crise política. Daí que os politólogos avisem que, até 10 de março, muita coisa ainda irá mudar.
Primeiro, porque a escolha do líder do PS permitirá a muitos eleitores decidir o seu voto nesta força política.
Segundo, porque sendo os factos muito recentes, estamos ainda num momento de contestação, que tende a favorecer o Chega, ao congregar esse descontentamento.
Terceiro, porque os principais atores políticos desta disputa ainda têm muitas declarações e ações pela frente. E um passo em falso pode mudar as intenções de um dia para o outro.
Quarto, porque o processo judicial que levou à queda de António Costa ainda está numa fase preliminar. E os desenvolvimentos poderão ajudar o PS caso se perceba que a acusação está a perder força ou é infundada. Ou a oposição, se se confirmarem algumas suspeitas, que as usará como arma política para o ataque.
Por último e não menos importante: as diferentes sondagens que forem sendo reveladas irão moldar o chamado voto útil. Portanto, não será de estranhar, por exemplo que, perante os resultados do PSD nas pesquisas, houvesse eleitores que iriam votar no Chega a dirigir esse voto para o próprio PSD ou para a Iniciativa Liberal, por considerarem que uma solução de Governo com este parceiro seria possível.